Nanotecnologias: o ponto de vista ambiental (3)
Sem esperar por isso, a Comissão Real Britânica sobre Poluição Ambiental, por sua vez, observava, no ano passado, que numerosas nanopartículas se aglomeram na natureza, formando estruturas bem mais longas cujas propriedades toxicológicas poderão ser diferentes daquelas dos nanomateriais originais.
A reportagem é de Jean-Marc Lamach e está publicada no Le Monde, 16-10-2009. A tradução é do Cepat.
Do mesmo modo, nota o EEB [Escritório Europeu do Meio Ambiente], não dispomos de dados sobre os efeitos que poderão produzir os “cocktails” de nanomateriais com os quais nos defrontaremos tanto no exterior – aqueles que terão sido soltos na natureza –, como no interior –, aqueles que teremos ingeridos, inalados ou que terão atravessado a epiderme.
Uma nova revolução industrial
O fim da vida dos nanomateriais também é de pouca confiança e não se sabe verdadeiramente em que medida eles podem ser reciclados. Ora, 95% das nanopartículas utilizadas em cosméticos, pinturas e revestimentos, poderão se misturar na água usada, e mesmo se esconder ou incinerar, nos nanotubos de carbono – cuja produção, em 2007-2008, foi calculada em 350 toneladas – são suscetíveis de permanecer intactos e de se dispersar no ar ou no ambiente.
Em um relatório precedente, consagrado desta vez às “nanotecnologias verdes”, o EEB voltou igualmente sobre esta “nova revolução industrial” lembrando que, em seu tempo, o amianto e o DDT também eram adornados com todas as virtudes, antes de causarem os estragos que conhecemos.
Tomando o exemplo das nanotecnologias ambientais que o mercado, no horizonte de 2010, estimou em 6,1 bilhões de dólares e que são considerados importantes aliados na descontaminação ambiental e no melhoramento da gestão do lixo, o EEB se pergunta:
“Como estar seguro de que tecnologia utilizada é não apenas eficaz, mas também menos tóxica que os poluentes que ela supõe limpar? As nanopartículas utilizadas para filtrar os poluentes acabarão na cadeia alimentar, ajudarão a degradar os solos, a provocar doenças vegetais e a contaminar os solos agrícolas?”
O EEB reconhece que as nanotecnologias, por exemplo, terão um papel importante na “produção”, dessalinização e purificação da água, “que se tornou uma verdadeira indústria”. Assim, o Departamento da Dow Chemical que tem este encargo é aquele cuja cifra de negócios (500 M$) mais rapidamente cresceu em 2006.
Mas o EEB e o IPEN [Rede Internacional para a Eliminação dos Poluentes Orgânicos Persistentes] veem nisso também uma fuga tecnológica para frente que, mais do que trazer soluções para os problemas urgentes da humanidade, constituirá sobretudo uma “nova onda” de expansão industrial, com seu correlato de exploração dos recursos energéticos e de exacerbação das destruições ambientais.
A questão não é tecnológica, mas política
Em 2006, o Project on Emerging Nanotechnologies (PEN), uma Fundação norte-americana que quer contribuir para uma maior transparência em matéria de nanotecnologias, estimou que mais de 58.000 toneladas de nanomateriais deverão ser produzidos entre 2011 e 2020, e que seu impacto ecológico poderá ser equivalente ao de entre 5 milhões e 50 bilhões de toneladas de materiais convencionais…
Esta valsa de números testemunha bem o baixo nível de conhecimento e de dados disponíveis atualmente sobre o que serão os nanomateriais e as maneiras que eles terão para se disseminar na natureza e no nosso ambiente. Visto que, devido à ausência de regulamentação, as indústrias não são obrigadas a informar os consumidores sobre a presença de nanomateriais em seus produtos.
Em fevereiro passado, o EEB tornou públicas as suas “Exigências para uma governança sustentável para os nanomateriais”: “A exigência essencial do EEB é que nenhum novo produto contendo nanomateriais manufaturados suscetíveis de levar à exposição dos consumidores ou do ambiente tenha sua colocação no mercado autorizada (…) Os produtos deste tipo já no mercado deverão ser regulamentados de acordo com a próxima REACH fundada sobre o princípio ‘sem dados, sem mercado’ e deverão ser retirados de circulação comercial”.
A federação de ONGs ambientais solicitou também à Comissão Europeia a exigência de avaliação e aprovação dos usos dos nanomateriais antes de sua colocação no mercado, observando que “a experiência relativa à legislação REACH (a regulamentação mais completa da União Europeia sobre os produtos químicos) já evidenciou as limitações desta legislação no que diz respeito aos nanomateriais e mostrou que os atuais instrumentos de aplicação (por exemplo, os métodos de testes, a necessidade de comunicar os resultados dos testes, etc.) não são adequados para o nível nano”.
Desde então, o EEB quer a revisão da legislação existente, a elaboração de uma regulamentação específica para o setor nano, a aplicação do princípio da precaução e do princípio “poluidor pagador” e o estabelecimento de “um selo obrigatório da União Europeia que seria um instrumento de identificação dos produtos que contêm nanomateriais manufaturados suscetíveis de levar à exposição dos consumidores ou do ambiente”.
Observando que “no momento, a grande maioria dos fundos de pesquisa em nanotecnologias na União Europeia se concentra essencialmente sobre o desenvolvimento tecnológico, centrado sobre o melhoramento da competitividade e do crescimento”, o EEB reclama prioridade da Comissão para o Financiamento de Pesquisas sobre os eventuais impactos sobre os sistemas humanos e naturais.
A conclusão de seu estudo conjunto com o IPEN destaca a falta de visão política e social do debate sobre as nanotecnologias tal como se desenrolou no momento: “a nanotecnologia é a última inovação tecnológica que nos promete curar numerosos males humanos e ambientais. Ao se focalizar sobre a nanotecnologia de maneira isolada, é grande o risco de se interessar apenas pelos impactos tecnológicos”:
“A nanotecnologia, assim como a biotecnologia, vai além do nosso conhecimento dos sistemas e ciclos naturais, e nossa capacidade de vigiar e controlar os seus efeitos negativos não desejados.
Sem uma análise dos riscos e ciclos de vida capaz de contrabalançar a comercialização de produtos de alto risco que ainda não demonstraram seu interesse social, os custos ambientais poderão se comprovar elevadíssimos, e a tecnologia em seu conjunto ser rejeitada pelo grande público.
Isso só pode trazer confusões sociais na medida em que o público não é capaz de participar do processo de decisão social, por não compreender os defensores e críticos da discussão, e sua confiança nos poderes públicos e empresas privadas só pode ficar abalada.
As nanotecnologias são um exemplo de resposta tecnológica a problemas que requerem, na realidade, respostas sociais, econômicas e/ou políticas”.
Nota do Ecodebate: sobre o mesmo tempo leiam, também, as matérias:
Nanotecnologias: o ponto de vista ambiental (1)
Nanotecnologias: o ponto de vista ambiental (2)
(Ecodebate, 29/10/2009) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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