Terras agrícolas do Vietnã, produtoras de alimentos básicos como arroz e milho, se transformam em campos de golfe
O campo de golfe Dai Lai, na província de Vinh Phuc, desalojou milhares de pessoas de suas terras, mas forneceu empregos para apenas 30 moradores locais
Este talvez seja o negócio mais capitalista no Vietnã comunista – feito pelos ricos e para os ricos: uma proliferação de campos de golfe que está desalojando milhares de fazendeiros e devorando as plantações de arroz das quais depende o país.
Até o ano passado, de acordo com especialistas que fizeram os cálculos, as licenças para novos campos foram concedidas, em média, uma vez por semana, para um total de mais de 140 projetos em todo o país. Reportagem de Seth Mydans, The New York Times.
Promotores criaram a ideia do “Circuito Ho Chi Minh”, uma série de oito campos cujo nome é um sinal tão bom quanto qualquer outro do caminho que o Vietnã parece ter tomado – seu passado heróico de guerra transformado em um pregão de vendas.
Se todos esses projetos forem concluídos, o número de campos se aproximará do da Coreia do Sul, fanática por golfe, onde há cerca de 200 campos. Ainda ficará abaixo da China, que tem mais de 300, e não chegaria nem perto do número nos Estados Unidos, que têm cerca de 16 mil campos, ou mesmo da Flórida, com 1.260.
Entretanto, para um país que tinha só dois campos no final da guerra, em 1975, e que, de acordo com algumas estimativas, tem apenas 5 mil jogadores de golfe atualmente, o aumento de projetos durante os últimos quatro anos foi explosivo.
Mas esse crescimento teve uma repercussão ruim na mídia e entre os acadêmicos e funcionários do governo por causa de seu impacto social e ambiental.
No verão de 2008, o primeiro-ministro Nguyen Tan Dung ordenou o embargo de uma nova construção que ainda precisava ser avaliada, e, em junho passado, o governo ordenou o cancelamento de 50 projetos. Mas a maior parte deles já está adiantada, e os novos campos se juntarão aos 13 que já existem no país.
“Desenvolvedores e investidores estrangeiros estão dizendo que querem transformar o país em um destino turístico, e para fazer isso você precisa oferecer mais atividades de lazer, como o golfe”, disse Kurt Greve, gerente geral norte-americano do Ocean Dunes Golf Club e do Dalat Palace Golf Club. A maioria desses turistas viria de vários lugares da Ásia, especialmente da Coreia do Sul e Japão, onde os campos de golfe são muito lotados.
“Todos querem que o golfe cresça”, disse, referindo-se aos desenvolvedores e investidores, “mas o governo está dizendo: ‘Ei, ei, ei, espere um pouco!'”
Em seu ímpeto de industrialização, o Vietnã já perdeu grandes extensões de terras cultiváveis para fábricas e outros empreendimentos. De acordo com o Ministério da Agricultura, as terras destinadas ao cultivo de arroz, principal produto do país e maior fonte de divisas de exportação, encolheram de 11,1 milhões de acres para de 10,1 milhões só entre 2000 e 2006.
Muitos dos novos projetos parecem ter mais a ver com o capitalismo do que com o esporte. Os impostos sobre os campos de golfe são mais baixos do que sobre outros tipos de empreendimentos, e muitos dos projetos parecem ser projetos imobiliários disfarçados.
Apenas 65% da terra destinada nos empreendimentos atuais foi separada para os campos de golfe, disse Ton Gia Huyen, funcionário da Associação de Ciência da Terra do Vietnã, em uma conferência sobre os campos de golfe em maio. O resto da terra é reservada para hotéis, resorts, chalés, áreas de ecoturismo, parques e projetos recreativos.
“Uma solução é mudar a estrutura de impostos”, disse Nguyen Dang Vang, vice-presidente do Comitê da Assembléia Nacional para Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente.
“Os campos de golfe são para pessoas ricas, demandam vastas extensões de terra, causam poluição e afetam a segurança alimentar, então os impostos deveriam ser justificadamente mais altos”, disse ele ao jornal Tuoi Ter em julho.
E enquanto os ricos jogam, parece que os fazendeiros e os moradores dos vilarejos pagam o preço.
O desenvolvimento de apenas um campo de golfe pode custar a terra de centenas de fazendas, deslocando até 3 mil pessoas, às vezes acabando com uma comunidade inteira, disse Nguyen Duc Truyen, funcionário do Instituto de Sociologia da Academia de Ciências Sociais do Vietnã, em uma conferência recente. Apenas um pequeno número deles encontra emprego nos novos campos de golfe.
Por exemplo, o campo de golfe Dai Lai, na província de Vinh Phuc, desalojou milhares de pessoas de suas terras, mas forneceu empregos para apenas 30 moradores locais, de acordo com um relatório divulgado em julho pelo Serviço Noticioso do Vietnã. Os fazendeiros são normalmente recompensados com uma taxa de US$ 2 a US$ 3 (R$ 3,5 a R$ 5,2) por quilômetro quadrado, disse o serviço de notícias, mais ou menos o custo de uma saca de arroz.
Além das terras, os campos de golfe também exigem muito dos recursos de água, disse Le Anh Tuan, do Centro de Tecnologia Ambiental da Universidade Can Tho. Em uma estimativa amplamente citada, ele disse que um campo de 18 buracos pode consumir 3,31 mil metros cúbicos de água por dia, o suficiente para abastecer 20 mil residências.
“A estação seca é crítica”, disse Kiet Tuan Le, jardineiro chefe da Ocean Dunes, 125 milhas ao noroeste de Ho Chi Minh City. “Tenho que perguntar continuamente ao departamento de água, quase brigar com eles, porque não há água suficiente para as pessoas na cidade.”
Greve disse que o resort estava trabalhando para minimizar seu impacto ambiental, com uma nova variedade de grama que era mais tolerante ao sal e exigiria menos água doce.
O campo Sea Links Golf and Country Club, próximo dali, que foi implantado sobre dunas de areia, bombeia água de uma fonte a mais de três quilômetros de distância, disse um dos diretores do resort, Tran Quang Trung. Regadores automáticos são ligados a cada quinze minutos e mangueiras individuais gotejam continuamente na base da cada árvore.
O suntuoso campo de 18 buracos faz parte de um empreendimento ambicioso de 420 acres, disse.
Fileiras de chalés, ao todo 315, se estendem atrás do campo como soldados em um desfile, com muitos já vendidos antes de serem construídos. Um hotel cinco estrelas com vista para o campo já foi quase concluído.
Além da área em desenvolvimento, a terra vermelha já está sendo trabalhada para a construção de seis prédios de apartamentos com 550 unidades e vista para o oceano.
No futuro, disse Trung, este lugar será conhecido como “Sea Links City”.
Tradução: Eloise De Vylder
Reportagem [A Harvest of Golf Courses From Vietnam’s Farmland] do New York Times no UOL Notícias.
EcoDebate, 27/10/2009
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