Pecuária associada à agroecologia: Projeto pioneiro poupa o desmatamento em propriedades pastoris de Rondônia
Foto de Jefferson Rudy
Modelo apoiado pelo MMA viabiliza atividade pecuária associada à agroecologia
Projeto pioneiro utilizando novas tecnologias para otimizar áreas de pastos já existentes promove o aumento da produtividade em pequenas e médias propriedades pastoris de Rondônia, poupando o desmatamento na Amazônia. A experiência vem sendo implementada em 22 propriedades do estado, como apoio e recursos do MMA, por meio do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), vinculado ao Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais no Brasil (PPG-7), do Banco de Desenvolvimento Alemão( KFW) e Cooperação Técnica Alemã (GTZ). O sistema silvopastoril, como é chamado, foi uma iniciativa experimental, de caráter demonstrativo, iniciada em junho de 2006, com encerramento previsto para o final de 2009.
O trabalho conduzido pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia (Fetagro/RO) demonstra que, mesmo quando o assunto é criação de gado, é viável implementar sistemas que promovam a pecuária associada à agroecologia e que gerem renda alternativa aos pequenos e médios produtores.
Realizado em nove municípios próximos a Ji-Paraná, segunda maior cidade de Rondônia, o projeto demonstrativo “Agricultores Familiares promovendo o Equilíbrio Ambiental em Rondônia” desenvolveu uma pesquisa para testar e descobrir que tipos de essências florestais (espécies vegetais) poderiam ser inseridas em pastos (sistema silvopastoril), com o objetivo de melhorar o microclima, promover maior rendimento econômico e evitar novos desmatamentos na floresta.
A proposta inclui ainda o reflorestamento de matas ciliares, nascentes e áreas degradadas com vegetação nativa e frutíferas, o que ajuda a recompor a cobertura vegetal original e adequar as propriedades às exigências da legislação ambiental.
Entre as espécies que se adaptaram bem às pastagens com alto nível de degradação destacam-se o cajá, ipê, cedro, cerejeira, jenipapo, ingá, pata de vaca, cumaru, mogno, jamelão, sete copas, mutambo e peroba. Já os diferentes tipos de palmeira, a bandarra e a copaíba, por exemplo, não alcançaram o mesmo resultado porque demoraram a crescer.
O presidente da Fetagro/RO, Lázaro Dobri, explica que o projeto é feito com a combinação de árvores, pastagem e criação de gado numa mesma área, ao mesmo tempo, com o manejo realizado de forma integrada. Outro objetivo é incrementar a produtividade por unidade de área com a preservação do meio ambiente. Atualmente, a estimativa é de que há 1,6 cabeças de gado por hectare, e o projeto pretende aumentar este índice para 5,2 animais na mesma área.
Para Dobri, não há outra alternativa melhor no momento, uma vez que a pecuária está consolidada no estado. “O sistema silvopastoril ameniza os problemas e os impactos dessa atividade, melhora a saúde do gado(que demora a ganhar peso e sofre estresse térmico devido ao calor excessivo da região, apresentando alterações fisiológicas graves), as condições de pastagem e promove uma recuperação parcial do meio ambiente”, explica.
O método utilizado pela maioria dos agricultores rondonienses é de pastagem ostensiva, que apresenta alto nível de degradação. Dobri considera fundamental a mudança do modelo convencional para uma metodologia agroecológica. “O consórcio de pastagens é importante, mas o mais importante é a recuperação de matas ciliares”, acrescenta.
De acordo com o analista ambiental do PDA/MMA Bruno Machado, a intenção do programa é promover iniciativas de experimentação que possam ser replicadas e servir de exemplos para outras áreas do País. “Buscamos a inovação destes projetos, que realmente têm um prazo estabelecido”, disse.
O estado de Rondônia tem como principal atividade econômica a pecuária, além da agricultura. Ocupada especialmente a partir da década de 70 – quando o governo federal incentivou agricultores de todo o País a povoarem a Amazônia, com receio de perder território para outras nações que faziam fronteira com a floresta-, a região foi povoada sem planejamento por meio de desmatamento ostensivo, prática que até hoje persiste como modelo para abertura de novas fronteiras agrícolas.
Um levantamento feito pelo IBGE demonstrou que, até 2004, 78% da cobertura vegetal original do estado estava desmatada. Cerca de 5 milhões de hectares estão ocupados por pastagens, e há uma forte tendência de haver aumento de desmatamento para ocupação de novas áreas para a pecuária.
Captura de carbono
A criação de animais associada ao plantio de árvores em bloco ao longo das pastagens pode reduzir a erosão e melhorar a conservação da água. Também reduz a necessidade de fertilizantes minerais e ajuda a capturar e fixar o carbono. Além disso, diversifica a produção, melhora o conforto dos animais e aumenta a biodiversidade e a geração de renda dos agricultores.
O sistema Voisin, aplicado na pesquisa, é um método intensivo de manejo pastoril baseado no trinômio solo-capim-gado, e consiste no piqueteamento das áreas, que são divididas entre pastos e blocos reservados para o plantio de mudas. Estes são separados por cercas elétricas, que garantem a conservação das novas espécies plantadas.
O gado só entra em um piquete quando o espaço completa um período mínimo de repouso suficiente para que o capim atinja um ponto ótimo de desenvolvimento, geralmente em torno de 21 dias. A permanência dos animais em cada piquete não deve ultrapassar três dias, sendo que o tempo ideal para uso do espaço é de um dia. Quanto maior for o número de divisões, mais liberdade de ação terá o condutor do manejo.
A agricultora familiar Clotilde Crepaldi, 40, avalia que o resultado superou as expectativas, pois sua produção teve um aumento de aproximadamente 15%, em menos de dois anos. Antes de adotar o sistema, ela retirava cerca de 40 litros de leite por dia, e agora este número chega a 60 litros/dia. Além de realizar o pasto rotativo, ela planta nos piquetes outros tipos de cultura, como quiabo, banana, cacau, abóbora, feijão de corda e maxixe. Só na primeira colheita, ela retirou cerca de 200 quilos de banana e 300 quilos com as outras espécies plantadas.
Para implementar o projeto nos municípios, os técnicos realizaram visitas para avaliar as condições das propriedades escolhidas, algumas delas degradadas há mais de 30 anos. Os agricultores beneficiados receberam sementes e todos os materiais necessários para a instalação dos piquetes e isolamento dos blocos de plantas. Houve ainda a produção de cerca de 60 mil mudas e a instalação de viveiros em algumas propriedades.
A proposta incluía a realização de atividades com aulas teóricas e práticas, e os agricultores visitaram todas as propriedades inscritas no projeto. Desta forma, os participantes trocaram experiências e métodos utilizados entre si, e esse intercâmbio estimulou os produtores a promoverem melhorias de uma forma geral nas propriedades.
Resultados
A agricultora familiar Clotilde Crepaldi, 40, avalia que o resultado superou as expectativas, pois sua produção teve um aumento de aproximadamente 15%, em menos de dois anos. Antes de adotar o sistema, ela retirava cerca de 40 litros de leite por dia, e agora este número chega a 60 litros/dia. Além de realizar o pasto rotativo, ela planta nos piquetes outros tipos de cultura, como quiabo, banana, cacau, abóbora, feijão de corda e maxixe. Só na primeira colheita, ela retirou cerca de 200 quilos de banana e 300 quilos com as outras espécies plantadas.
Diversificando as atividades, ela aumentou a renda familiar, já que antes o trabalho era focado apenas na criação de gado. A produção é entregue à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e também revendida nos mercados da cidade de Jaru. “Depois do piqueteamento, as vacas passaram a produzir mais leite e os bezerros estão mais saudáveis, porque os carrapatos diminuíram. As rotatividades ajudaram a eliminar as populações de insetos e parasitas que atacavam os animais”, explica Clotilde.
Outra preocupação também passou a fazer parte da rotina dos agricultores envolvidos: o reflorestamento de matas ciliares. A propriedade de Cirilo Cláudio Felício, 73, tem 38 hectares e está localizada no município de Presidente Médici. Ele realizou piqueteamento em 5 hectares e investiu na recomposição da mata ciliar do córrego, que hoje já tem jatobá, jenipapo, ipê amarelo, ingá e cedro. “Depois do reflorestamento, o córrego tem água boa parte do ano, e as árvores nem cresceram tando ainda”, constata.
Antes disso, ele insistiu na produção do café, que não se adaptou muito bem à sua propriedade. Com o piqueteamento, Felício alega que pôde ter mais qualidade na criação do gado, e que obtém maior produtividade com quase o mesmo número de animais no rebanho.
Já o agricultor Celino Greco implantou o sistema em 2 hectares de suas terras. Ele percebeu que o plantio de matas ciliares melhorou a conservação da água na área, e que com o pasto rotacionado o gado se alimenta de um capim mais nutritivo. “Tudo isso ajudou a aumentar a produção do leite, e agora já aumentei a renda familiar com o resultado dos plantios nos piquetes”.
Desenvolvimento de pesquisa
O assessor ambiental André de Almeida Silva, um dos técnicos responsáveis pela iniciativa, explica que este é o primeiro projeto silvipastorial na Região Norte a adotar esse modelo. De acordo com ele, a Embrapa do Acre está interessada na pesquisa da Fetagro, além de outros sindicatos e associações que também pretendem implementar as técnicas utilizadas.
A Embrapa/RO está acompanhando os resultados do projeto e já pesquisa outras plantas que se adaptam melhor às pastagens degradadas. Como a experiência é um processo novo na região, a definição das espécies adequadas é fundamental para o sucesso do sistema silvipastoril. Foi necessário buscar o maior número de características desejadas entre as essências florestais utilizadas: crescimento rápido, adaptação ao meio ambiente, tolerância a ataques de pragas e doenças e capacidade de fornecer sombra e abrigo.
As falhas encontradas no início do processo também contribuíram para o desenvolvimento de novas experiências. Silva esclarece que, apesar do caráter demonstrativo e experimental do projeto, o período de três anos, previsto para a execução, é curto porque impossibilita uma melhor avaliação dos resultados, que começam a surtir efeito a partir de 5 anos, já que as essências florestais precisam de tempo para se desenvolverem.
Ele ressalta que o processo poderia ser mais bem sucedido, mas para isso seria importante fazer primeiro uma avaliação do solo e recuperação da área degradada, além da eliminação da braqueárea( tipo de capim). Com o tempo curto não foi possível implantar estas técnicas antes, e a maior parte dos produtores está começando a perceber os benefícios agora, no final do projeto.
A engenheira Débora Massara, que também participa da ação, considera que a iniciativa é um sucesso devido à demanda de agricultores, prefeituras e instituições que querem promover a metodologia em outras áreas. “Acredito que esta causa deva ser abraçada pelo governo e servir de base para a criação de uma política pública para Rondônia, que promova o desenvolvimento de mais pesquisas e novas metodologias. Ainda estamos na fase de pesquisa, que é um processo demorado”.
O presidente da Fetagro/RO ressalta que foi importante sensibilizar os agricultores para o replantio de matas ciliares e para a mudança de um sistema degradante para um modelo sustentável. Dobri revela que no estado há muitas propriedades pequenas que podem adotar o sistema silvipastoril, mas que é necessário o acompanhamento técnico dos produtores e mais investimentos em projetos de médio e longo prazo. “A falta de continuidade impede o avanço da pesquisa e uma melhor avaliação de resultados. Assim, as famílias envolvidas podem perder o estímulo e a unidade gestora a capacidade de acompanhar os projetos”, alerta.
* Texto de Carine Corrêa, do MMA, publicado pelo EcoDebate, 24/10/2009
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