O mito dos piscinões na cidade de São Paulo, artigo de Julio Cerqueira Cesar Neto
TPI-7 Eliseu de Almeida, Taboão da Serra / Córrego Pirajuçara, Vol 113 000 m3. Foto do Departamento de Águas e Energia Elétrica- DAEE
[EcoDebate] Considerando a forma como a construção dos piscinões no município de São Paulo tem sido conduzida posso imaginar que o título acima também poderia ser: “A indústria dos piscinões” ou ainda “A máfia dos piscinões”. Tomando conhecimento de dois processos recentes para contratação de piscinões pela SIURB da Prefeitura e somando ao histórico sobre esse assunto que já conhecia senti necessidade de escrever esse texto.
Os dois processos recentes
Se referem aos piscinões das bacias do Anhangabaú e Avenida 9 de Julho, em fase de licitação, e da Rua Abegoaria no Jardim das Bandeiras com contrato já assinado com a firma empreiteira.
O que chamou mais atenção não diria nem a semelhança dos procedimentos mas a “igualdade” das ações. Em ambos os casos havia processos para suas contratações no final da gestão Marta Suplicy (final de 2004), o primeiro com licitação já feita tendo sido vencida pela empresa Andrade Guttierrez mas ainda não assinado contrato e a segunda com projetos e estudos de viabilidade ambiental prontos. Nos dois casos os piscinões apareceram como alternativa única para a solução dos problemas de inundação das bacias.
Em 2005 iniciando a gestão José Serra o comando das ações de drenagem urbana foi entregue ao Eng° Antônio Arnaldo de Queiroz e Silva – Secretário da SIURB – que suspendeu os dois processos para reavaliação e inclusão de análise de soluções alternativas. Em ambos os casos concluiu que as soluções alternativas eram melhores do que as soluções através de piscinões e acabou arquivando os respectivos processos e iniciando novos com as soluções alternativas. O prefeito José Serra saiu da Prefeitura para concorrer ao Governo do Estado mas o Engº Antônio Arnaldo foi mantido, numa primeira etapa na própria SIURB e em seguida chefiando grupo de assessorias junto ao Gabinete do Prefeito Gilberto Kassab, onde veio a falecer em 05/12/2008.
Em seguida ao falecimento do Eng° Antônio Arnaldo os dois processos foram reativados indicando a necessidade urgente de contratação dos mesmos piscinões propostos no final de 2004. Os dois processos foram retomados a partir da situação existente no final de 2004 ignorando completamente as ações da gestão José Serra. Em agosto deste ano saiu a licitação para o Anhangabaú e Avenida 9 de Julho e foi assinado o contrato para construção do Jardim das Bandeiras.
Ambos estão sendo questionados pelo Ministério Público.
Antecedentes
Os reservatórios para retenção de águas em ocasiões de cheia para reduzir os seus efeitos a jusante são conhecidos e empregados desde a mais remota antiguidade, porém entre nós ganharam notoriedade a partir do final da década de 90 quando foram apelidados de “piscinões” após o sucesso do piscinão do Pacaembu. Até esta data não tinham sido empregados pela Prefeitura de São Paulo em áreas urbanas.
Origem da indicação para uso em áreas urbanas
Em 1996, dez anos após o início das obras de Ampliação da Calha do Rio Tietê, pelo DAEE, com financiamento do Governo Japonês, o Comitê da Bacia do Alto Tietê promoveu a elaboração do Plano de Macrodrenagem da Região Metropolitana de São Paulo. Esse Plano constatou que a garantia da obra projetada em 1986 para um período de retorno de 100 anos já se encontrava muito aquém dessa situação tendo em vista que a urbanização da região que continuou sendo caótica e desordenada ultrapassou bastante as previsões dos projetistas.
As autoridades de plantão de um lado preocupadas que o Governo Japonês tomando ciência dessa situação pudesse suspender o financiamento da obra e de outro com as dificuldades que encontrariam para ampliar as dimensões da calha concluíram por tentar manter o tempo de retorno de 100 anos e as dimensões projetadas para a calha reduzindo as vazões de projeto através do estabelecimento de vazões de restrição para os afluentes do Rio Tietê.
Nesse ponto é importante destacar duas áreas da bacia com características diferentes. A parte da bacia a montante da barragem da Penha que ainda permitia a aplicação de medidas de controle de uso e ocupação do solo através do planejamento, articulação e integração das políticas públicas para não permitir a ocorrência de vazões maiores que a vazão de restrição para ela estabelecida em 500 m³/s. A outra parte, a jusante da barragem da Penha, na qual predomina fortemente a área do município de São Paulo, na qual pouco será conseguido através de políticas urbanas tendo em vista que já está praticamente toda urbanizada. Para conseguir impor vazões de restrição somente com o emprego dos piscinões.
Configurada essa situação, especialmente no município de São Paulo imediatamente surgiram os arautos dos piscinões.
A evolução
No primeiro mês da gestão Maluf em 1997 foi proposta a execução do 1° piscinão na bacia do Pacaembu para resolver o problema de inundação da bacia ao custo de 7 milhões de reais quando havia projeto de ampliação da galeria que custaria 20 milhões de reais. A promoção começou torta procurando induzir a compra do produto através do preço subestimado deixando de incluir itens que ao longo das obras foram sendo incorporados atingindo no final quase os 20 milhões de reais da ampliação da galeria. O inicio já se deu através da manipulação de dados e informações.
Como não poderia deixar de ser a solução foi um sucesso e tudo o mais foi esquecido.
Daí para a frente os arautos tomaram conta dos dois principais contratantes: a Prefeitura de São Paulo e o DAEE. Esse domínio prosseguiu na Prefeitura nas gestões Maluf e Marta Suplicy tendo sido interrompido com o início da gestão Serra como já descrito. No DAEE acredito que não houve interrupção.
A pertinência do processo no DAEE
O DAEE responsável pela macrodrenagem da região e portanto na preservação do novo canal do Tietê cumprindo o Plano de Macrodrenagem aprovado pelo Comitê da Bacia elaborou um programa de construção de piscinões na parte da bacia à jusante da barragem da Penha em sub-bacias estratégicas como a do Tamanduateí. Perfeitamente dentro da orientação traçada.
Observe-se que os piscinões tecnicamente são eficazes para os fins que se destina. Porém se constituem em equipamentos que a região não tinha porque nunca precisou ter: o seu sistema de drenagem sempre funcionou por gravidade aproveitando a topografia favorável da região.
Agora estamos sendo obrigados a construir e pior, operar e manter diversos equipamentos desse tipo como penitência para pagar os pecados de permitirmos o desenvolvimento caótico e desordenado da região.
O piscinão na verdade resolve um problema, porém cria outro que é a sua própria existência; é um mal necessário.
A impertinência do processo na Prefeitura de São Paulo
Os arautos aproveitando a onda partiram com tudo para cima da Prefeitura de São Paulo. Porém a situação aí já não dispõe do respaldo que tem o DAEE. Por que a impertinência?
· A drenagem urbana no município de São Paulo se caracteriza por uma série de bacias hidrográficas independentes uma das outras, na sua maioria pequenas em face da macrodrenagem, cada uma apresentando características e peculiaridades próprias, que despejam no sistema de macrodrenagem da região metropolitana constituído especialmente pelos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí. Não existe sistema de macrodrenagem no município. Essas características e peculiaridades próprias são o fundamento para a adoção da melhor solução de engenharia urbana para solucionar o problema das inundações em cada uma delas.
· A engenharia hidráulica apresenta três soluções para as inundações numa bacia: a eliminação de obstáculos e interferências ao livre escoamento, incluindo desassoreamentos, a ampliação da capacidade das galerias e/ou canais e a construção de reservatórios de contenção.
Características das soluções hidráulicas (para uso na maioria das bacias da cidade de São Paulo)
· A eliminação de obstáculos e ampliação da capacidade das galerias:
– foram sempre adotados em são Paulo e se caracterizam por permitir o escoamento das águas por gravidade aproveitando a topografia favorável da cidade (não temos notícia de projetos com elevatórias);
– se trata de obras enterradas que não modificam a paisagem existente;
– além dos custos de construção incluem apenas a necessidade de manutenção com períodos relativamente longos, a não ser quando apresentam assoreamento, e seus custos podem ser considerados desprezíveis ao longo da sua vida útil. Não necessitam de operação.
· Piscinões:
– Introduzem na cidade uma instalação de porte não desprezível, que ocupará um espaço no sub-solo já extremamente congestionado com outras utilidades e espaço na superfície que frequentemente necessitam de desapropriações e apresentam além dos custos para sua construção e desapropriações, exigem da Prefeitura a implantação de sistemas permanentes para sua operação e manutenção, cujos custos não tem sido considerados na avaliação do custo global do empreendimento como deveria para permitir comparação com as outras alternativas para resolver o mesmo problema; ou seja, introduz na cidade um ônus não desprezível, que ela não tinha antes e que precisa se adaptar para conviver com ele; na realidade se trata de uma solução que para ser adotada deveria ser muito bem avaliada;
– se trata de uma instalação “não desejável” pelos seus aspectos sanitários negativos considerando que a SABESP impôs à cidade um sistema de esgoto “misto” que faz a coleta em separado mas usa o sistema de drenagem para completar o seu transporte até os rios; além dos esgotos se constituem em receptores de lixo tendo em vista as deficiências dos sistemas municipais de coleta e a falta de educação sanitária de boa parte da população;
– a única vantagem que apresenta é diminuir os custos e dificuldades que possam existir para ampliação da capacidade das galerias a jusante;
– pelo exposto se conclui que eventualmente possa vir a ser indicado o piscinão como solução para o problema dos alagamentos em alguma bacia da cidade de São Paulo, porém, além de uma avaliação muito bem feita em comparação com as alternativas tradicionais é preciso ter sempre presente que ela resolverá um problema e ao mesmo tempo criará outro para a Prefeitura.
Evidentemente se mantida a tendência atual de proliferação dessa solução os ônus resultantes para a Prefeitura ficarão multiplicados pelo número dessas propostas.
* Artigo de Julio Cerqueira Cesar Neto
** Colaboração de Álvaro Rodrigues dos Santos para o EcoDebate, 15/10/2009
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