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Artigo

A Igreja e os golpistas da América Latina, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

Roberto Malvezzi (Gogó)
Roberto Malvezzi (Gogó)

[EcoDebate] Estive em Tegucigalpa exatamente quando Zelaya concorria à presidência da República. Hoje, rememorando aqueles autdoors pelas ruas da cidade, vejo como a história pode ser incômoda e irônica.

Àquela época estive no país a convite do Cardeal Maradiaga, hoje presidente da Cáritas Internacional, àquela época presidente da Comissão de Justiça e Solidariedade do CELAM. Ele era um “papábile”, com a fala desenvolta da justiça social no mundo, na defesa de uma Igreja encarnada na América Latina. Eu imagina: “Maradiaga jamais será Papa”. Estive com ele ainda na Cidade do México e Roma. Confesso que sua pessoa me impressionava, por isso, fiquei perplexo com seu envolvimento com os golpistas.

Visitando a praça central da cidade, eu e outros amigos ouvimos o som de “Solo le pido a Dios”. Aproximamos-nos para ver quem tocava aquela música tão cara aos movimentos sociais da América Latina. Era exatamente Rafael Alegria num megafone, agricultor, coordenador internacional da Via Campesina. Já tínhamos nos visto em Fóruns Sociais Mundiais. Fazia sua campanha para deputado.

O tempo passou. Hoje Maradiaga está envolvido com o golpe hondurenho. Rafael está na defesa de Zelaya.

Olhando para o que acontece em Honduras, penso no que poderia ter acontecido na Bolívia, na Venezuela, no Equador e até mesmo no Brasil. Será que aquelas notícias de golpes militares contra esses governos não eram fatos reais, muito mais que imaginação das esquerdas? Em Honduras é fato consumado e na Venezuela o próprio Jimy Carter reconhece que houve a tentativa contra Chávez.

Aí entra a cúpula da Igreja Católica. Será que não aprendemos o suficiente com todas as ditaduras militares que aconteceram na América Latina? Todo sangue, toda tortura, toda morte, toda poda de liberdade, toda corrupção que ontem banharam esse continente já foram esquecidos?

Peço a Deus que não. Em todo caso, dada a onda histérica contra Chávez e esses governos, é melhor botar as barbas de molho. Afinal, ainda são melhores e mais democráticos os plebiscitos – o que mais democrático que plebiscito? – de Chávez, Morales, Correa, Zelaya, que os fuzis dos militares.

Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, colaborador e articulista do EcoDebate.

EcoDebate, 25/09/2009

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3 thoughts on “A Igreja e os golpistas da América Latina, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Ouvi, há muitos anos, uma palestra do Prof. Darcy Bessone, grande jurista,que ficou gravada em ninha memória. Era sobre ditaduras disfarçadas que, segundo ele, são piores do que as enrustidas, tipo Chaves. As militars têm lados definidos, você sabe exatamente contra quem você está lutando. As outras não, há misturas de intersses populares, fomentados pelos ditadores, que não deixam as faces livres para srem atingidas. Por isso tendem a durar muito mais. No caso de Honduras, não há santos envolvidos, pois o tal de Zelaya não inspira confiança nenhuma, pois tudo indica que ele gostaria de se tornar ditador como outros que estão por aí, escorado em eleições sucesivas. Ainda estou com muitas dúvidas a respeito da legalidade da retirada dele do poder. O nosso presidente disse que ele foi eleito democraticamente para quatro anos e ninguém tem o direito de tirá-lo. Quem pode dizer isso não é o Lula, mas a constituição de Honduras. Se assim fosse, o Lula cometeu um pecado a apoiar a retirada de Collor. Ele também não foi democraticamente eleito? Não tinha, assim, com o raciocìnio exposto, direito absoluto de ficar todo o perìodo?

  • Faces do golpismo

    Há duas atitudes aparentemente distintas perante o golpe de Estado hondurenho.
    Uma destila o tradicional veneno antidemocrático, de retórica agressiva e valores distorcidos. Encontramo-la no udenismo renovado que aflorou no vácuo moral das classes médias urbanas. Para a vertente, Zelaya caiu porque mereceu, porque o “chavismo” deve ser combatido a porrete.
    A outra face, enganadoramente inofensiva, escuda-se na apatia manhosa do pior provincianismo. Prefere a omissão do colonizado jeca, escancarando a banguela, tirando o chapéu para o painho estadunidense. Tem vergonha de ser brasileiro e defende que o país ocupe seu lugar na latrina do mundo subalterno. Convenientemente ignóbil, não “consegue” perceber que as próximas eleições hondurenhas vão justamente sacramentar o golpe, tornando-o irreversível e impune.
    Ambas as posturas são complementares e indissociáveis. Mescladas nas diversas gradações combinatórias possíveis, constituem o estofo ideológico de todo movimento golpista: sempre há uma vanguarda atuante, apoiada na massa de manobra servil, que lhe garante a ilusão da legitimidade.
    É importante entender esse mecanismo em funcionamento durante episódios externos e distantes, para reconhecê-lo quando operar em nosso próprio ambiente.

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