Células-tronco injetadas em ratos com insuficiência dos rins são capazes de prevenir e até de regenerar a função e o tecido renal
Eficiência do tratamento com células-tronco: na imagem A, células renais de um rato sadio; na B, as de um animal com insuficiência renal; as outras mostram células renais de ratos que receberam uma (C) e três (D) doses de células-tronco (fotos: Lúcia Andrade)
Células-tronco para doenças renais – O tratamento atual das doenças renais crônicas se resume à terapia de hemodiálise ou ao transplante. Mas, de acordo com estudos apresentados durante a 24ª Reunião Anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizada em Águas de Lindoia (SP) no mês passado, portadores de insuficiência renal poderão, no futuro próximo, contar com alternativas mais simples e eficazes no combate à doença.
No simpósio em que se discutiu o uso de células-tronco para o tratamento de portadores de doença renal crônica, os trabalhos projetaram possibilidades concretas, como o estudo coordenado pela nefrologista Lúcia Andrade, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Após introduzir células-tronco retiradas da medula óssea de ratos saudáveis em outros com insuficiência renal, a técnica gerou uma reversão do quadro da doença. Os resultados sugerem que as células-tronco, provenientes de animais adultos, são capazes de prevenir e até mesmo de regenerar a função e o tecido renal. Se resultados similares fossem obtidos em humanos, o método poderia, por exemplo, dispensar a diálise.
“O que fizemos até o momento é tudo experimental, em modelo de doença renal crônica em ratos. Agora, estamos propondo começar a fazer estudos terapêuticos com cães”, disse Lúcia à Agência FAPESP. O estudo tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
O grupo utilizou roedores que passaram por cirurgias para simular a doença. Na simulação, os animais ficaram com apenas 20% da função renal. Foram aplicadas duas estratégias diferentes de tratamento. Duas semanas depois da cirurgia, um grupo de ratos recebeu uma injeção com 2 milhões de células-tronco na corrente sanguínea e outro recebeu três aplicações.
No quarto mês após o início do experimento, os dois grupos de ratos tiveram recuperação da função renal, conseguindo 50% de filtração. Segundo Lúcia, em humanos 20% da função renal implica a necessidade de se fazer diálise. “Já com 50% é possível levar uma vida normal, com dieta e acompanhamento médico.”
“O modelo que utilizamos é semelhante ao que ocorre em seres humanos. Os resultados apontam que a doença não só parou de progredir como as funções renais foram recuperadas em parte. Isso é algo bastante entusiasmante”, disse. O estudo foi publicado na revista Stem Cells.
Os testes feitos inicialmente com ratos serão conduzidos com cães com insuficiência renal. De acordo com a coordenadora da pesquisa, em reunião com veterinários foi descartada a possibilidade de se fazer o estudo com gatos.
“Nos gatos, a progressão da doença é muito lenta. E como queremos resultados mais rápidos optamos por realizar testes em cães porque, com uma única dose, a evolução da doença renal crônica é mais rápida e o resultado mais satisfatório”, disse.
Segundo ela, é necessário entender melhor o mecanismo, uma vez que as células injetadas podem migrar para tecidos não desejados. “Para a área de nefrologia, é arriscado estabelecer uma previsão a médio prazo. Em outras áreas, como a cardiologia, há um avanço, uma vez que os testes são feitos com humanos”, contou.
A pesquisadora destaca que não existe ainda uma explicação para a melhora da função renal a partir da aplicação de células-tronco. Uma possível resposta seria que elas migrariam para o tecido lesionado e liberariam tanto substâncias inibidoras dos agentes inflamatórios que causam a insuficiência renal como elementos que induzem a regeneração das células do rim.
“Mas acreditamos, a partir de nossos estudos, que o mecanismo de ação das células-tronco seja mais imunológico que regenerativo”, disse.
Outras frentes
Pesquisas de destaque na área também têm sido conduzidas pelos grupos liderados por Nestor Schor, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e por Niels Olsen Saraiva, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, que coordenaram a mesa sobre células-tronco e doença renal na Fesbe.
Schor, que coordena o Projeto Temático “Mecanismos moleculares, celulares e fisiopatologia da insuficiência renal aguda”, apoiado pela FAPESP, abordou no encontro o impacto das células-tronco na insuficiência renal.
O objetivo é tentar entender a fisiopatologia, ou seja, qual a contribuição das células-tronco, como controlá-las e quais as melhores células a serem utilizadas – se as da medula óssea, embrionárias ou do tecido adiposo –, entre outras questões.
Niels falou sobre o uso de um tipo de células-tronco, as mesenquimais, que são capazes de atenuar o processo inflamatório em doenças renais agudas e crônicas. Em doença renal aguda isquêmica, a inflamação é um componente chave.
“Qualquer terapia que possa amenizar a resposta inflamatória e, ao mesmo tempo, reparar precocemente o tecido, será benéfica para um tratamento futuro em pacientes com insuficiência renal”, disse.
O estudo – cujos resultados correspondem a duas teses de doutorado orientadas por Niels, concluídas este ano com o apoio da FAPESP – indicou que as células mesenquimais, derivadas de medula óssea ou gordura periférica, foram capazes de reverter a inflamação.
“Demonstramos que essas células, derivadas de medula óssea ou de gordura, são capazes de reverter o processo inflamatório desencadeado pela isquemia, diminuindo moléculas que têm ação mais inflamatória e aumentando outras com capacidade de proteger o tecido agredido. A diminuição desse processo inflamatório se traduz em menor cicatriz no órgão a longo prazo”, explicou.
Outro lado da pesquisa, salientado pelo professor da USP, é demonstrar que células-tronco derivadas de tecidos como o cerebral (neuroesferas) são também capazes de atenuar a inflamação renal por meio da secreção de fatores solúveis que agem em outras células.
“Mesmo a distância, uma célula com potencial de ‘ser tronco’, independentemente da origem, tem esta capacidade de diminuir a inflamação e aumentar as chances do tecido (do rim) se regenerar mais rapidamente”, disse.
Resultados dos trabalhos coordenados por Niels foram publicados nas revistas Stem Cells, International Imunopharmacology e Nephron Experimental Nephrology.
O professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP colaborará com o projeto de pesquisa em que células-tronco serão testadas em cães, em parceria com o grupo de Lúcia Andrade na Faculdade de Medicina.
Reportagem de Alex Sander Alcântara, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 11/09/2009
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Olá! Minha esposa possui rins policísticos e já existem vários e tamanhos consideráveis. Ela tem 37 anos e está grávida de quase 8 meses. Já há estudos ou testes em humanos no caso dos rins?
Prezado Daniel,
Nossas informações publicadas tem objetivos jornalísticos e não substituem as necessárias orientações médicas.
A reportagem cita pesquisas renais ainda em fase experimental, distante, ainda, de utilização terapeutica. Nos próximos anos ela, certamente, ainda não estará disponível.
Assim sendo, recomendamos que procure o serviço público de saúde para que sua esposa seja avaliada por médicos e, se necessário, seja submetida aos testes e exames para identificar os eventuais tratamentos já disponíveis e com eficácia demonstrada.
Atenciosamente,
Henrique Cortez
coordenador do EcoDebate