Trabalho Escravo: uma vergonha a ser definitivamente abolida, por Henrique Cortez
[EcoDebate] Mais de um século após a Lei Áurea , continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país.
O governo federal continua apertando o cerco aos escravocratas, tendo, nos primeiros sete meses de 2009, libertado 1.492 trabalhadores rurais escravizados ou tratados de forma degradante. O estado do Pernambuco, em 2009, ocupou o primeiro lugar no ranking do trabalho escravo, com 369 pessoas entre janeiro a julho.
AÇÕES DO GRUPO MÓVEL EM 2009
UF | N.º Operações | N.º Fazendas Fiscalizadas |
Trabalhadores Resgatados |
Pagamento Indenização |
AIs Lavrados |
AC | 3 | 3 | 9 | 5.802,07 | 40 |
BA | 2 | 2 | 188 | 18.851,31 | 54 |
ES | 2 | 2 | 81 | 100.354,60 | 19 |
GO | 3 | 12 | 17 | 26.841,05 | 122 |
MA | 3 | 9 | 63 | 51.276,78 | 44 |
MG | 1 | 1 | 99 | 389.970,79 | 46 |
MS | 2 | 4 | 14 | 0,00 | 86 |
MT | 10 | 38 | 90 | 408.987,64 | 188 |
PA | 10 | 19 | 140 | 138.626,07 | 306 |
PE | 6 | 9 | 369 | 794.235,36 | 280 |
PR | 9 | 30 | 67 | 181.148,60 | 251 |
RS | 1 | 1 | 4 | 4.909,33 | 24 |
SC | 4 | 7 | 38 | 87.172,19 | 126 |
SP | 1 | 1 | 17 | 54.400,00 | 9 |
TO | 6 | 26 | 296 | 245.347,69 | 154 |
TOTAL | 63 | 164 | 1.492 | 2.507.923,48 | 1.749 |
**Informações do MTE
No período de 2003 a 2008, o Grupo Móvel libertou 26.890 trabalhadores em 1.368 estabelecimentos. Somente no ano passado foram resgatadas 5.016 pessoas em 301 fazendas fiscalizadas.
A “lista suja” é um passo importante para erradicar a irresponsabilidade empresarial. Como consumidores/cidadãos devemos exigir que estas empresas criminosas sejam eliminadas do cenário econômico nacional. Caso contrário, os automóveis continuarão a ser abastecidos com uma triste mistura de álcool e sangue. Mas, diante a atual legislação, os escravocratas continuarão impunes, porque apenas as multas não os inibem. É imperativo que sejam criminalmente responsabilizados.
E, como se isto não bastasse, mediante liminares judiciais, diversos escravocratas continuam imunes à lista suja.
Conheçam a lista suja através do site do MTE em http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_2009_07_22.pdf, através da qual e possível identificar as propriedades exploradoras do trabalho escravo através do nome do proprietário, estado, município, nome da propriedade, ramo de atividade.
Há quem questione ou não compreenda a preocupação de ambientalistas para com o trabalho escravo, com o argumento que não é um tema ambiental. O assunto nos interessa e preocupa porque é evidentemente socioambiental. Um verdadeiro ambientalista não aceita uma cidadania parcial ou direitos humanos pela metade.
O trabalho escravo, por outro lado, está associado às madeireiras ilegais e à grilagem de terras públicas na “amazônia sem lei”. Nas palavras do gerente do IBAMA em Belém, Marcílio Monteiro – “O crime ambiental é primeiro do iceberg. Atrás vem formação de quadrilha, falsificação de documento, trabalho escravo. Em síntese: é toda uma atividade ilegal que o Ibama, junto com outros órgãos federais que estão atuando na região buscam eliminar”.
Sempre insistimos nas nossas preocupações com o mais do que conhecido consórcio amazônico da devastação: grilagem-madeireiras ilegais-queimadas-pecuária-monocultura da soja. É igualmente importante destacar o crescimento das denúncias de trabalho escravo e degradante na mesma medida da expansão da fronteira agropecuária na amazônia, principalmente porque o trabalho escravo é intensamente utilizado na primeira fase do processo – o desmatamento ilegal.
É importante reafirmar que não falamos da agricultura sustentável e responsável, nem do agronegócio em si, mas dos agrobandidos que se escondem atrás daqueles que produzem de forma correta e responsável.
Defendemos a aprovação da PEC 438 que permite a expropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades em que for comprovado trabalho escravo. Defendemos, inclusive, que seja criado uma marco legal igualmente firme com o trabalho escravo urbano. É necessário agir para que a PEC seja votada com urgência. O trabalho escravo é um perverso “subsídio” que a todos prejudica, inclusive os produtores rurais que cumprem a lei.
A imensa maioria dos produtores rurais é social e ambientalmente responsável. Neste sentido nada tem a temer com a PEC 438, que apenas atingirá os escravocratas. Seria importante que a bancada ruralista compreendesse que obstruir o andamento da PEC 438 resulta como contrário aos interesses da maioria dos produtores rurais, apenas servindo para subsidiar a uma minoria criminosa.
Há ainda a necessidade de ampliar o combate ao trabalho escravo nos grandes centros urbanos, com destaque para São Paulo, no qual a mão de obra de imigrantes ilegais é escravizada para fins de produção, destacadamente em confecções. O trabalho escravo e/ou degradante nos centros urbanos é tão vergonhoso quanto o seu equivalente rural.
A exploração do trabalho escravo contamina toda a cadeia produtiva, levando às nossas casas a carne, a madeira e as roupas produzidas a partir do suor escravo. Não temos como saber, mas podemos exigir a partir da lista suja que a cadeia produtiva seja interrompida e que os frigoríficos e lojas não comprem produtos que tenham origem do trabalho degradante.
Aliás, já estamos enfrentando boicotes e restrições não alfandegárias, como a recente iniciativa de parlamentares norte-americanos em imporem restrições à importação de produtos siderúrgicos “contaminados” pelo trabalho escravo e do desmatamento ilegal. É evidente que é uma medida protecionista maquiada com a responsabilidade social, mas somos obrigados a reconhecer que os motivos realmente existem e por nossa responsabilidade.
Como cidadãos devemos pressionar o presidente da Câmara dos Deputados para que a PEC 438 seja retirada da gaveta e colocada em votação.
O país está combatendo o trabalho escravo e os avanços foram significativos, mas ainda há muito que fazer.
Henrique Cortez, henriquecortez{at}ecodebate.com.br
Ambientalista e coordenador do Portal EcoDebate
EcoDebate, 04/09/2009
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