Agrotóxicos são ameaça no Aquífero Guarani
Vista aérea da Fazenda Chitolina, em Mineiros (GO), onde foram coletadas muitas amostras de á e solo para a pesquisa; no alto da foto, uma voçoroca (grande erosão), que é outro problema na região; na parte inferior, curso d’água do rio Araguaia em área de recarga do Aquífero Guarani (Foto: Renê Georges Boulet – Embrapa Meio Ambiente/Divulgação)
Método detecta agrotóxicos na água e no solo de áreas do Aquífero Guarani – Pesquisas feitas em parceria IQ-Embrapa concentraram-se na divisa de Goiás e Mato Grosso
Métodos simples e econômicos para determinar a presença de agrotóxicos na água e no solo das áreas de recarga do Sistema Aquífero Guarani (SAG) acabam de ser desenvolvidos e validados pelo Instituto de Química (IQ) da Unicamp, em parceria com a Embrapa Meio Ambiente de Jaguariúna (SP). O SAG é o maior reservatório de águas subterrâneas da América do Sul e o terceiro do planeta, localizando-se em sua quase totalidade no território brasileiro e se estendendo até a Argentina, Uruguai e Paraguai. As áreas de recarga são aquelas de afloramento das águas que, próximas à superfície, estão mais sujeitas à contaminação.
Lais Sayuri Ribeiro de Morais, autora da tese de doutorado orientada pela professora Isabel Cristina Sales Fontes Jardim, concentrou suas pesquisas na região das nascentes do rio Araguaia, na divisa de Goiás e Mato Grosso. “A escolha se deve à expansão dos cultivos de soja e de milho na região e ao uso também crescente de agrotóxicos, o que pode comprometer o aquífero. Estima-se que apenas 0,1% do agrotóxico aplicado em cultivos atinja seu alvo; o restante penetra no ambiente contaminando solo, água e ar”.
A pesquisadora explica que agrotóxicos depositados no solo podem ser transportados até as águas subterrâneas principalmente por meio de degradação, adsorção e lixiviação. A avaliação dos níveis desses produtos ganha relevância devido à existência de outras regiões de recarga do Aquífero Guarani sob risco de contaminação, como nos estados de São Paulo (cultura de cana-de-açúcar), Paraná (milho), Santa Catarina (maçã) e Rio Grande do Sul (arroz).
Segundo a professora Isabel Jardim, a parceria com a Embrapa foi motivada pela ausência de métodos atualizados e confiáveis para determinação de agrotóxicos em água e solo, mesmo depois que a Anvisa criou o Programa de Monitoramento de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), em 2001. “Nosso laboratório já desenvolveu métodos para frutos que precisam passar por análises rigorosas quando exportados, evitando-se o risco de devolução pelos países importadores. Agora surge a preocupação com o aquífero, devido a possível contaminação ambiental e danos à saúde humana”.
A propósito, Lais de Morais recorda que a Anvisa começou a baixar portarias visando à certificação de laboratórios para análise de alimentos justamente por causa de um episódio envolvendo a soja. “Foi quando a China embargou um carregamento do produto devido à presença de agrotóxicos acima do limite máximo de resíduos (LMR) permitido. E é bom frisar que em 2008, segundo a própria Anvisa, o Brasil se tornou o maior consumidor mundial desses insumos”.
Entrevistas com produtores da região das nascentes do Araguaia permitiram que a autora da pesquisa levantasse os agrotóxicos mais utilizados nas culturas de soja e milho e, destes, os que apresentam maior probabilidade de se infiltrarem no solo e atingirem o Aquífero Guarani. Foram selecionados o imazetapir, nicossulfurom, imazaquim, carbofuram, atrazina, linurom, clorimurom-etil e diflubenzurom.
Micro-ondas
O desenvolvimento dos métodos de separação, identificação e quantificação de agrotóxicos envolveu desde um micro-ondas caseiro até equipamentos de última geração, como o espectrômetro de massas. Inicialmente, prepararam-se amostras de água e de solo misturadas aos agrotóxicos selecionados, que depois de um tempo de interação foram extraídos por técnicas variadas.
A professora Isabel Jardim considera que dois métodos estudados por sua orientada representam uma grande contribuição para o monitoramento de agrotóxicos. “Em relação à água, o método com melhor resultado foi a extração em fase sólida, com a separação e quantificação dos agrotóxicos através da cromatografia liquida de alta eficiência empregando o detector para arranjo de diodos e espectrômetro de massas. O detector por arranjo de diodos não é o recomendado por órgãos oficiais, mas se trata de alternativa viável para este objetivo e é bem mais disponível e econômico do que o espectrômetro de massas”.
De acordo com Lais de Morais, o trabalho consiste, basicamente, em percolar a amostra de água em cartuchos contendo um solvente denominado C18, que interage com os agrotóxicos, deixando-os retidos. Com outro solvente, recolhe-se dos cartuchos o extrato de agrotóxicos, que é então evaporado e injetado no cromatógrafo para identificação e quantificação. “Usei tanto o arranjo de diodos como o espectrômetro de massas para medir a porcentagem de agrotóxicos que consegui recuperar”.
Nas amostras de solo, a pesquisadora recorreu a três técnicas de extração: por agitação mecânica, com ultrassom e utilizando micro-ondas industrial e caseiro. “Os procedimentos com agitação mecânica e ultrassom demoram cerca de duas horas. No micro-ondas obtive as mesmas porcentagens de recuperação de agrotóxicos em apenas dois minutos. O equipamento caseiro, devido ao baixo custo, é uma ótima alternativa em relação às outras técnicas, com a ressalva de que necessitam de dispositivos de segurança para controle de pressão e temperatura”.
Monitoramento
Desenvolvidos e validados os métodos, a etapa seguinte da pesquisa foi a análise de amostras de água e de solo coletadas na região das nascentes do Araguaia – somente as de água chegaram a 100. Isabel Jardim esclarece que todos os agrotóxicos estudados estavam abaixo do limite máximo de resíduos que pode ser ingerido sem prejuízo à saúde humana. “Entretanto, é preciso advertir que as culturas de soja e de milho estão apenas começando na região e que o uso de agrotóxicos pode atingir níveis críticos”.
Em sua tese, Lais de Morais sugere um monitoramento constante, juntamente com o trabalho de conscientização dos produtores sobre como proteger as áreas de recarga do Aquífero Guarani, trabalho que também fez parte do projeto. “Acredito que a Embrapa Meio Ambiente, que possui um laboratório de referência em Jaguariúna, agora conta com os métodos para realizar um monitoramento eficiente”.
Área tem 1,2 milhões de km2
Informações reunidas por Lais de Morais para sua tese de doutorado dão conta de que nosso planeta possui 97,5% de água salgada e somente 2,5% de água doce. A maior parcela de água doce (68,9%) está na forma de gelo nas calotas polares e em regiões montanhosas; as águas subterrâneas representam 29,9%; lagos e rios comportam apenas 0,3%. Entretanto, em se tratando da água potável, aproximadamente 98% se encontram no subsolo.
Um aquífero ou sistema aquífero, explica a autora do estudo, é definido como uma formação geológica capaz de armazenar e transmitir quantidade significativa de água subterrânea entre os seus poros ou fissuras. No Brasil, as águas subterrâneas abastecem 61 % da população para fins domésticos. No estado de São Paulo, 80 % das cidades dependem integral ou parcialmente destas águas, percentual que é o mesmo no Piauí e de 70% no Maranhão.
O Sistema Aquífero Guarani (SAG), que faz parte da Bacia Geológica Sedimentar do Paraná, cobre uma superfície de 1,2 milhões de km2: 839.800 km2 no Brasil, 225.500 km2 na Argentina, 71.700 km2 no Paraguai e 58.500 km2 no Uruguai. Com uma reserva de água estimada em 46 mil km2, a população atual em sua área de ocorrência está em quase 30 milhões de habitantes.
A água do SAG é de excelente qualidade em diversos locais, principalmente nas áreas de afloramento e próximo a elas, onde é remota a possibilidade de enriquecimento da água em sais e em outros compostos químicos. Nestas áreas (indicadas no mapa) a população é de cerca de 3,7 milhões de pessoas.
Reportagem de Luiz Sugimoto, do Jornal da Unicamp, ANO XXIV – Nº 439, publicada pelo EcoDebate, 002/09/2009
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