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Na COP-15, em Copenhague, o planeta negociará seu futuro com o clima

COP-15 deve incluir mecanismos alternativos para para manter a temperatura em níveis seguros

O mundo descobriu que precisa fazer mais para conter as emissões de gases do efeito estufa e se prepara para tomar decisões que podem selar uma nova era na luta contra o aquecimento global. As atenções – e também as esperanças – se voltam para a COP 15, a conferência agendada para dezembro, em Copenhague, na Dinamarca, reunindo os países signatários da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima.

Na visão do economista britânico Nicholas Stern, autor dos primeiros estudos sobre o custo global para controlar o clima no planeta, “o encontro será tão decisivo quanto a reunião de Bretton Woods, onde os aliados definiram a geopolítica do mundo após a II Guerra”. Reportagens de Sergio Adeodato e Gustavo Faleiros, no Valor Econômico.

“Trata-se certamente do processo internacional mais importante do ano”, afirma o negociador-chefe do Brasil, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado. A COP 15 poderá resultar em metas mais ambiciosas para a redução de carbono, em ações mais efetivas dos países em desenvolvimento, maior abertura para a conservação de florestas e regras para financiar todo esse esforço.

Com base em relatórios científicos, os países concordam – dentro do que se chama de “visão compartilhada” – que a elevação da temperatura em 2oC em relação à era pré-industrial é o limite máximo de segurança para o planeta.

Acima desse nível, a situação pode sair do controle e tornar-se catastrófica, com graves impactos econômicos e sociais. Hoje o aumento é de 0,7oC, mas os gases já lançados na atmosfera têm o poder de elevar a temperatura para 1,6oC, mesmo se todas as emissões fossem cortadas. O foco da disputa está em evitar o aumento além de 0,4º C na temperatura média da Terra.

O Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, estipulou metas obrigatórias para os países industrializados diminuírem as emissões em média 5,2% até 2012, em relação a 1990. No entanto, os últimos estudos científicos do IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Change), divulgados em 2007, constataram que o acordo é insuficiente para conter o aquecimento global.

Como resultado, os esforços se voltaram para a negociação de cortes mais ambiciosos dos países ricos e soluções para que também os países em desenvolvimento entrem no jogo após 2012.

A principal proposta em debate, apresentada por um bloco de 36 países em desenvolvimento sob a liderança do Brasil, é a redução dos gases-estufa nas nações desenvolvidas em 40% até 2020. O corte seria suficiente para manter a temperatura planetária em níveis seguros, contando com a participação dos Estados Unidos.

A União Europeia acenou com 20% de diminuição de gases em relação a 1990 – exceto Reino Unido, que aceita 34%. Os americanos, que não assinaram o Protocolo de Kyoto, mas dão sinais de que se engajarão no esforço global, falam em apenas 8% de redução. “Isso não é compatível com a urgência do problema da mudança climática”, adverte José Domingos Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia, integrante do grupo brasileiro de negociação.

O impasse exige novas cartas na mesa. Mecanismos alternativos deverão ser criados em Copenhague para que os países em desenvolvimento assumam algum nível compromisso, sensibilizando os ricos para a adoção de metas maiores e para o repasse recursos financeiros à mitigação dos gases nas regiões emergentes.

“Há consenso que o esforço global deve ser significativo, seja pelas metas de redução do bloco desenvolvido ou pelas ações voluntárias de mitigação dos países em desenvolvimento”, revela Miguez.

“É preciso um esforço grande para que a reunião de Copenhague tenha sucesso, mas temos esperança de um acordo justo”, afirma João Talocchi, coordenador da campanha de clima do Greenpeace no Brasil. O jogo é complexo: “O que temos hoje é comparável a jogar peças de cinco quebra-cabeças para o alto e tentar montar apenas um”, ilustra o ambientalista, retratando o resultado da recente reunião preparatória para a COP-15, realizada em Bonn, na Alemanha. “É importante chegar a um documento-base com propostas em condições de serem negociadas em Copenhague”, explica Talocchi.

O cenário esperado para Copenhague resulta de um processo que começou na década de 80 com os primeiros debates sobre a influência do homem no efeito estufa. O tema ganhou corpo com a Convenção da ONU sobre Mudanças do Clima, na Rio 92, culminando cinco anos depois no Protocolo de Kyoto.

Quando a Rússia finalmente ratificou o acordo em 2005, somando um número de países que totalizou o mínimo de 55% das emissões globais, o Protocolo passou a vigorar em todo o mundo com metas para reduzir emissões até 2012.

O desafio é definir o que fazer a partir de 2013. As negociações seguem duas diferentes rotas. No chamado AWG (Ad Hoc Working Group for Kyoto Protocol), o objetivo principal é definir novas metas de emissão para a temperatura global não subir além dos 2oC.

Os países desenvolvidos aceitam a metade do que reivindicam os emergentes até 2020. A diferença equivale a 4,3 Gigatons de carbono, ou seja, duas vezes as atuais emissões do Sudeste Asiático e quatro vezes a do Brasil.

“A União Europeia aumentará a redução se os Estados Unidos entrarem no acordo com compromissos compatíveis”, analisa Carlos Ritti, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil. A posição americana, segundo ele, poderá dar uma guinada na luta contra o aquecimento.

A segunda frente é a AWGLCA (Long-Term Cooperative Action under the Convention), na qual os países se dividem em blocos para o debate de temas polêmicos, como a mitigação dos gases-estufa. O debate inclui também a adaptação aos efeitos da mudança climática, a exemplo da elevação do nível do mar e mudanças na produção de alimentos. O financiamento e a transferência de tecnologia para os países mais pobres completam a lista.

Os grupos ambientalistas calculam que os países em desenvolvimento precisam de US$ 160 bilhões por ano para crescer economicamente sem aumentar o aquecimento global. O primeiro ministro inglês, Gordon Brown, já falou em US$ 100 bilhões e o tema será discutido na próxima reunião do G -20, em Pittsburg (EUA), em setembro.

Uma das propostas em jogo é criar um novo organismo financeiro, uma espécie de agência mundial do clima, para gerir os recursos de maneira equitativa. Os recursos poderão ser levantados via leilão das reduções obtidas pelos países além da meta ou com a definição de um percentual do PIB.

Discute-se também o tempo de duração dos compromissos pós-2012. Há propostas para dez, oito e cinco anos. O período menor contribui no caso de haver necessidade de novas metas, após os resultados do próximo estudo do IPCC sobre clima, a ser divulgado entre 2014 e 2015, que vai avaliar o teor seguro de carbono na atmosfera nos próximos dez anos. O assunto está hoje em negociação com vistas a Copenhague.

A atmosfera concentra atualmente 387 partes por milhão de carbono. As Ilhas Tuvalu propõem não ultrapassar 350 partes por milhão, pois o país sofre sério risco de submergir pelo avanço do oceano. Os cientistas do IPCC consideram 450 partes por milhão como limite aceitável, mas quanto maior a concentração de carbono, maior o nível de incertezas sobre o futuro.

“Para existir 70% de chance de não ultrapassar o limite da segurança na temperatura, é preciso cortar até meados do século 80% das emissões globais referentes a 1990, o que significa a quase completa descarbonização dos países desenvolvidos”, afirma o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Não dá para China, Índia e Brasil crescerem com os mesmos padrões dos Estados Unidos e Europa.”

Há vários grupos e interesses em disputa: o G 77+China, que reúne países em desenvolvimento; a União Europeia, com suas 27 nações representadas pela Suécia; a Alliance of Small Island States, envolvendo os países-ilha; e o Africa Group, além de outros blocos que agrupam os países mais pobres e o Environmental Integrity Group, com México, Coréia do Sul e Noruega.

O princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, adotado pela Convenção do Clima, ganhará novas luzes. O conceito significa que todos os países têm de fazer alguma coisa contra o aquecimento global – mas nem todos devem fazer o mesmo, pois sujam o planeta em intensidades e formas diferentes.

A tendência é a responsabilidade histórica dos países que desenvolveram suas economias ao custo da poluição permanecer como critério para depois de 2012. Mas, sob pressão das nações industrializadas, deve surgir um novo mecanismo que permitirá o bloco em desenvolvimento também assumir compromissos, mesmo voluntários.

A novidade é o Namas (sigla em inglês para Ações Nacionalmente Apropriadas de Mitigação), que funciona como um registro internacional no qual ficam listadas as ações dos países como um compromisso externo, passível de auditoria. Também fica registrado o suporte financeiro necessário para colocar as medidas em prática.

Aprovação do Redd pode injetar recursos nas florestas

A 15ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas pode tornar-se um momento histórico para ambientalistas que há anos lutam por mais recursos financeiros para a preservação da Amazônia. Isso porque entre os principais pontos do novo acordo climático que será negociado em Copenhague está o mecanismo chamado Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, mais conhecido como Redd.

Segundo estimativas feitas por relatório do governo britânico encomendado ao empresário Johan Eliash, o Redd, se aprovado em Copenhague, poderá gerar um fluxo de recursos de até US$ 30 bilhões de países desenvolvidos para as nações com largas porções de florestas tropicais, como o Brasil.

A inclusão em um acordo climático das emissões de carbono geradas pelas mudanças do uso da terra – ou seja, desmatamentos e queimadas agrícolas – já era discutida desde a Rio 92.

De acordo com estimativas utilizadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a destruição das florestas pode representar até 20% (ou 1,6 gigatoneladas de carbono equivalente) das emissões globais de gases de efeito estufa. No entanto, no Tratado de Kyoto as delegações optaram por deixar esse capítulo de fora, devido às complicações de se monitorar com precisão as emissões florestais.

Entretanto, desde 2005, a criação de um mecanismo que possa gerar compensações financeiras para interromper o desmatamento está na pauta da ONU. O Redd ganhou lugar no acordo climático pós-Kyoto em 2007, na reunião de Bali, quando foi aceito como parte do chamado Mapa do Caminho, o documento que lista quais devem ser os itens que serão incluídos no tratado de Copenhague.

“Estou muito otimista sobre a aprovação do Redd, há avanço em todos os elementos do instrumento e em várias escalas”, avalia o presidente da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgílio Viana. Ex-secretário de Meio Ambiente do Estado do Amazonas, ele coordena, através da fundação, os fundos privados que são destinados por grandes empresas a comunidades na floresta. Os recursos são distribuídos através do programa estadual Bolsa Floresta, a primeira experiência no Brasil de compensação de proprietários rurais para a manutenção da floresta em pé.

O caso mais bem-sucedido entre as iniciativas do Bolsa Floresta é o da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, no sul do Amazonas. Ali, com doações do Grupo Marriott e da Coca-Cola, o programa paga cerca de R$ 500 por ano aos comunitários que se comprometem em não desmatar. O projeto inclui ainda uma parceria com a Visa, que fornece os cartões onde são depositados os benefícios. Nos cálculos da FAS, 210 mil toneladas de carbono deixarão de ser emitidas até 2050 com a preservação das matas do Juma.

Para o Marriott e a Coca-Cola, por enquanto, investir no não-desmatamento vale pelo marketing de dizer que suas emissões de carbono estão sendo compensadas na Amazônia.

No entanto, falar em um mercado de créditos de carbono florestal ainda está no campo das especulações. Pois determinar se o Redd vai funcionar com recursos públicos ou do mercado é, no momento, a polêmica mais quente entre as delegações da Convenção do Clima.

O Brasil, por possuir a maior floresta tropical do planeta, é um ator chave, senão o principal, nas discussões do Redd. E, desde o início, a posição da delegação brasileira tem sido contrária à inclusão da redução por desmatamento no mercado de carbono.

A aversão do governo brasileiro a um acordo que inclua o mercado baseia-se no argumento de que seria muito fácil aos países desenvolvidos comprarem compensações geradas por projetos na Amazônia, ao mesmo tempo em que mantêm níveis elevados de consumo de combustíveis fósseis.

Além disso, algo sempre frisado pela climatóloga Thelma Krug, do Inpe, negociadora de florestas na delegação do Brasil, é que muitos países com floresta tropical na África e na Ásia não têm capacidade de monitorar o ritmo de desmatamento com efetividade, como hoje tem o Brasil.

Por isso, a proposta brasileira para o Redd dá preferência ao financiamento público de iniciativas de combate ao desmatamento. Nesse sentido, o Fundo Amazônia, lançado em Bali, e gerenciado pelo BNDES, é o modelo que o Brasil gostaria de ver seguido pela Convenção da ONU.

O professor Andrew Mitchell, da Universidade de Oxford, acha que a decisão que tem que ser tomada em Copenhague é se o Redd vai trabalhar com recursos reduzidos, no caso de priorizar o uso de fundos públicos, ou utilizar volumes mais significativos, o que aconteceria se as delegações optassem pelo mercado de carbono.

“Não podemos esperar mais por soluções no futuro, precisamos de uma solução imediata, porque as florestas estão sendo destruídas com muita rapidez”, explica Mitchell, que também coordena o Global Canopy Program, um grupo de pesquisadores que busca valorar economicamente a floresta em pé.

EcoDebate, 27/08/2009

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2 thoughts on “Na COP-15, em Copenhague, o planeta negociará seu futuro com o clima

  • Clarisse Marchi

    ótimo texto, parabéns ao EcoDebate. Já o enviei aos auditores de crédito de carbono da minha empresa.

    O mais engraçado é ver o governo federal na contramão, investindo horrores na exploração do pré-sal…

Fechado para comentários.