Combate à escravidão moderna na Europa é tarefa árdua
‘Escravo moderno’ e filho na produção de carvão em Grão Mogol, Minas Gerais
Antes, sua mão-de-obra era negociada abertamente, já que, aos olhos da lei, o comércio de escravos não constituía crime. Embora proibido e combatido, o tráfico humano continua florescendo – na clandestinidade.
Em todo o mundo, milhões de pessoas são mantidas em servidão e forçadas a trabalhar. As principais vítimas são mulheres obrigadas a se prostituir contra a própria vontade. Mas também na gastronomia e em residências particulares perduram formas de escravidão moderna. Raramente o fenômeno está visível sendo, portanto, difícil de combater; também na Europa e especificamente na Alemanha.
Descobertas por acaso
A refeição estava excelente, os clientes do restaurante etíope plenamente satisfeitos. No entanto, se soubessem sob que condições sua comida fora preparada, possivelmente ela teria ficado entalada na garganta. Pois na cozinha uma mulher trabalhava da manhã à noite, sem falar uma palavra de alemão, totalmente isolada do mundo, pelo salário de fome de 500 euros em um ano e meio – menos de um euro por dia.
Em maio de 2009, as desgraças dessa mulher da Etiópia foram manchete na Alemanha. E lembraram o destino de uma outra, indonésia, que durante anos fora explorada como escrava nos serviços domésticos da casa de um diplomata iemenita em Berlim.
Ambos os casos vieram à tona mais ou menos por acaso, pois, via de regra, os implicados são os únicos a tomar conhecimento da “moderna escravidão”. Mais raro ainda é as vítimas receberem justiça, na forma de uma indenização financeira ou da condenação de seus algozes.
Leis e prática corresponsáveis
A rigor, não existem números confiáveis sobre o tráfico humano e o trabalho forçado. De acordo com estimativas de organizações nacionais e internacionais, mais de 10 milhões de pessoas seriam afetadas, em todo o mundo. A Alemanha é considerada uma espécie de eixo de conexão para esse tipo de delito, tanto como país de trânsito como de destino.
Ao que tudo indica, é na nação mais populosa e economicamente forte da Europa que a escravização se revela mais lucrativa, seja nas zonas de meretrício, na construção civil, ou na gastronomia.
Segundo a especialista em direitos humanos Heike Rabe, tanto a legislação quanto a prática das autoridades competentes contribuem para que apenas raramente um ou outro caso espetacular venha à tona. Nos setores como a construção civil ou a agricultura, submetidos a controle estatal, o foco de atenção está antes na relação trabalhista, na legalidade e em documentos, “não se presta tanta atenção se há vítimas ou se elas têm direitos”.
Índia: 80 centavos por cada mil tijolos carregados
Medo da deportação
Por encomenda do Instituto Alemão de Direitos Humanos, Rabe realizou em estudo sobre o comércio humano no país, e juntamente com a fundação Memória, Responsabilidade, Futuro, participa de um projeto-piloto em prol dos direitos das vítimas da escravidão.
Uma de suas metas é obter ressarcimento financeiro pelos vencimentos não pagos. Entre os poucos sucessos registrados, está o caso do diplomata iemenita, condenado a pagar 23 mil euros à doméstica que explorava. Segundo estatísticas, entre 2006 e 2007 o número de casos de escravidão investigados elevou-se de 356 para 454.
Porém é raro os atingidos procurarem as autoridades ou os centros de aconselhamento, ou por estarem intimidados ou por temerem a deportação, já que muitos são imigrantes clandestinos. E, embora sendo chamados a testemunhar, têm poucas chances de ser indenizados, devido a seu estatuto ilegal.
Direitos inalienáveis
O diretor do Instituto Alemão de Direitos Humanos, Heiner Bielefeldt, insiste que esses direitos inalienáveis sejam colocados à frente da legislação de estrangeiros.
“Mesmo as pessoas que, do ponto de vista das leis de imigração, encontram-se de fato na ilegalidade, também para essas vigoram os direitos humanos. Estes independem de qualquer tipo de status, inclusive do estatuto de permanência num país.”
Segundo Bielefeldt, o governo alemão compartilha essa opinião, e por isso ele apela a Berlim para que ratifique a convenção do Conselho da Europa contra o tráfico de seres humanos, formulada em 2005.
Tema penoso
Trabalhadores poloneses explorados na agricultura do sul da Itália
Seja como for, há movimento em torno do tema. No segundo semestre deste ano, a Comissão Europeia propôs uma série de emendas legislativas no sentido de um combate mais eficiente ao abuso sexual de menores e ao comércio humano em geral.
Discute-se tanto a adoção de penas mais duras para os infratores, como o bloqueio de websites de pornografia infantil – introduzido recentemente na Alemanha, após meses de debates. No entanto, são grandes as dificuldades no caminho de uma solução comum europeia, já que sua aceitação teria que ser unânime.
A tentativa fracassada da coalizão governamental alemã de enfrentar com maior rigor a prostituição forçada e a exploração sexual ilustra bem quão penoso é esse tema. Praticamente no fim da atual legislatura, conservadores (CDU/CSU) e social-democratas (SPD) não conseguiram até hoje chegar a um projeto de lei consensual.
Autor: Marcel Fürstenau
Revisão: Carlos Albuquerque
Matéria da Agência Deutsche Welle, DW-WORLD.DE, publicada pelo EcoDebate, 24/08/2009
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