Comitê propõe reduzir vazão do rio São Francisco para economizar água
Uma proposta em tramitação no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão presidido pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, promete causar muita polêmica. Com o objetivo de facilitar a economia de água da barragem de Sobradinho – pulmão do sistema hidrelétrico do Nordeste – em períodos de seca, ou de dar uso ao crescente parque de geração termelétrica da região, o comitê pretende obter licença para reduzir a menos de 1.300 metros cúbicos por segundo (m3/s) a vazão mínima do rio São Francisco a partir da barragem. O diretor-geral do Operador do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, membro do CMSE, sugere que a vazão mínima caia a 700 m3/s. Reportagem de Chico Santos, no Valor Econômico.
Chipp disse que foi criado um grupo de trabalho no âmbito do CMSE, coordenado pela Agência Nacional de Águas (ANA), para estudar a viabilidade e os impactos da proposta. “Pedimos na última reunião (do comitê) que a ANA agilizasse o processo. Evidentemente, terá que haver articulação com o Ministério do Meio Ambiente e com o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco”, disse, ponderando que a necessidade de discussão e de uma solução harmônica torna impossível prever quando a proposta estará em prática.
Atualmente, por licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e por resolução da ANA, a vazão mínima da barragem de Sobradinho, no norte da Bahia, é de 1.300 m3/s. O limite é considerado o mínimo necessário para não prejudicar outros usos das águas do rio, como abastecimento de cidades, irrigação e navegação, e nem causar danos ambientais no baixo São Francisco (basicamente, da barragem à foz, situada entre os Estados de Alagoas e Sergipe).
O problema é que quando as chuvas do chamado período úmido, de dezembro a abril, não chegam no tempo e na quantidade necessária, a vazão mínima prejudica a formação de estoque de água no lago para gerar energia no período normalmente seco, de maio a novembro. É necessário então uma complexa negociação, caso a caso, que permita baixar temporariamente o limite.
No passado recente, a permissão foi dada durante o apagão de 2001, quando a vazão caiu para 1.000 m3/s, e em 2004 e 2007, quando a mínima baixou para 1.100 m3/s. O objetivo do ONS, com o aval do CMSE, é tornar essa possibilidade de redução automática sempre que seja necessário.
A outra razão para baixar a cota mínima do rio é mais complicada e polêmica. O problema é que a passagem mínima de 1.300 m3/s de água por Sobradinho acaba fixando em 3.600 megawatts médios a geração mínima de energia hidrelétrica nas grandes usinas do Nordeste, todas no São Francisco.
Com todas as contratações de energia elétrica de origem térmica para a região feitas nos leilões de venda de energia promovidos nos últimos anos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os dados do ONS mostram que, em 2013, a capacidade de geração térmica da região estará em 10.200 megawatts médios, a maior parte vinda de usinas a óleo.
Com os 3.600 megawatts mínimos de geração das grandes usinas e mais 450 megawatts de pequenas usinas, o Nordeste terá uma capacidade de gerar em períodos secos até 14.250 megawatts médios, para uma carga (demanda) prevista de 9 mil megawatts.
Como as interligações com outras regiões hoje existentes só permitem que a região exporte até 3 mil megawatts médios, a região Nordeste teria uma sobra de energia de 2.250 megawatts, a não ser que haja uma expansão das linhas de transmissão inter-regionais.
O ONS avalia que, para dar uso às usinas térmicas quando houver necessidade de carga elétrica complementar (períodos de crise em uma ou mais regiões) fora do Nordeste, é mais vantajoso economicamente reduzir a geração hidrelétrica da região, baixando a vazão do rio para poupar água , do que ampliar rapidamente a capacidade de transmissão. Chipp defende também que as próximas concessões de usinas térmicas sejam feitas para áreas específicas e não livremente. Segundo ele, a região Sul é a que mais precisará de geração adicional.
O diretor do ONS disse ainda que qualquer decisão que venha a ser tomada sobre o rio São Francisco terá que prever a execução de serviços de modo a evitar prejuízos aos demais usos da água do rio. Segundo ele, as obras e serviços necessários não serão caros e poderão ser bancados pelo próprio setor elétrico.
O superintendente de operações da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), João Henrique Franklin, disse que já chegou a participar de reuniões na ANA sobre a redução permanente da vazão do rio, mas, segundo ele, a ideia na época era baixar a cota mínima para 1.100 m3/s.
A Chesf, estatal subsidiária da Eletrobrás, é dona de todo o sistema de geração do São Francisco. Franklin disse que, em 2001, – ano em que a vazão de Sobradinho baixou a 1.000 m3/s – quando determinadas embarcações transpunham a eclusa da barragem era necessário deixar passar uma “onda” de água para que elas conseguissem navegar até o destino.
EcoDebate, 31/07/2009
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Henrique, este, sim, é um assunto que merece um debate bastante apurado.
É verdade que, no passado, o rio São Francisco já apresentou vazão de descarga inferior a 700 m3/s. Entretanto, desde que se construiu a barragem de Sobradinho, ela tem regularizado a vazão de 1.300 m3/s. Isso tem possibilitado os multi-usos da água do rio, que levam em conta essa vazão mínima. É o caso, por exemplo, da navegação, que fica muito prejudicada quando o fluxo de água diminui, devido ao enorme assoreamento no leito do rio.
A reportagem chama a atenção para a invasão da água salina no leito do São Francisco, o que vem ocorrendo desde que se construiu a represa de Xingó. Com o decréscimo da vazão do rio, é evidente que essa intrusão vai aumentar.
Tivemos grandes debates sobre a transposição de águas do São Francisco e falávamos de cerca de 30 m3/s, incluídas s transposição para o Nordeste Setentrional e para a bacia do rio Sergipe, com o objetivo de abastecer a região metropolitana de Aracaju, esta já executada. Agora, o buraco é bem mais embaixo.
Caros.
A questão central da redução de vazões é quando ela será feita e por quanto tempo. No passado a vazão do rio flutuava, mas uma vazão tão baixa era muito rara. E durava pouco. E acontecia no meio do ano. Agora, por questões de gestão de energia, esta redução pode acontecer em outro período do ano e durar muito tempo, Isso interfere brutalmente com a biota local se for feito na época trocada e dificulta imensamente a navegação no baixo São Francisco, que vai se tornar quase iviável por todo o tempo em que a vazão cair abaixo de 1000 m3/s. E há ainda a questão da cunha salina e da invasão dos manguezais pelo mar. Enfim, não dá para imaginar uma coisa destas sendo aceita pelo MMA e pela ANA, que devem zelar pelo meio ambiente e pelo uso múltiplo das águas. Se se contratou a geração pelas termoelétricas, porque não se fez este cálculo antes? Por que pagamos o ONS se o pessoal não sabe fazer conta? É o fim da picada.