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A luta pela terra em Carajás: ilícitos, justiça, estado e acomodações, artigo de Rogério Almeida

[EcoDebate] A data alusiva ao Trabalhador Rural é comemorada no dia 25 de julho. Mesma data da passagem do aniversário de uma das maiores expressões na defesa da reforma agrária no país, o dirigente maranhense Manoel Conceição Santos, hoje radicado no município de Imperatriz, oeste do estado.

No mesmo dia se celebra a ocupação da fazenda Maria Bonita, no município de Eldorado do Carajás, sudeste do Pará. A peleja pela posse da fazenda envolve o MST, família Mutran e Daniel Dantas.

A fazenda se encontra logo depois da Curva do S, PA-150, onde no ano de 1996, o município sairia do anonimato da História graças ao Massacre de Eldorado, quando 19 lavradores sem terra foram executados pela PM do Pará. A chacina é considerada uma das mais brutais na memória recente da luta pela terra do Brasil.

O governador Almir Gabriel (PSDB) e o secretário Sette Câmara ordenaram o Massacre. Até hoje não há ninguém preso e os soldados envolvidos foram promovidos a cabo. A execução de pobres tem sido um expediente dos poderosos desde os tempos colônias: Palmares, Cabanagem, Canudos, Corumbiara (RO), Eldorado ….Raimundo Nonato (Tucuruí/2009), Luis Lopes Barros (Conceição do Araguaia/2009).

O sol é escaldante nesses dias de julho nas terras dos Carajás. O rio Tocantins já recuou suas águas e oferta praias nos municípios onde o mesmo incide. Assim também o faz o Araguaia. É tempo de queimada para a renovação de pasto. A região é coberta por fuligem e muita poeira. Os hospitais públicos ficam engarrafados de crianças com problemas respiratórios. A pecuária é uma das expressões do lugar. A cerca que acode o gado não oculta os crimes.

Agropecuária- uma cadeia de ilícitos?

A atividade é indutora de tragédias sociais e ambientais: grilagem de terra, trabalho escravo, assassinato de militantes e camponeses e destruição da floresta. Neste mês de julho os pecuaristas festejam seus gados numa festa no município de Marabá. A cidade é pólo da região. Mais que festejar gados a exposição agropecuária é palco de alinhavos políticos.

Os mesmos fazendeiros que tanto pediram a cabeça da governadora no inicio do ano, capitaneados pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO), ora celebram a mediação da mesma junto ao Ministério Público Federal (MPF) contra o embargo da produção ilegal de gado. Comitivas de parlamentares descobriram o caminho do MPF. O episódio aconchegou opositores figadais. Essas coisas da política….

Os fazendeiros chegaram a pedir várias vezes intervenção Federal no estado, contrariados pelas ocupações de fazendas em nome da pessoa jurídica de Dantas no Pará, a Agropecuária Santa Bárbara. Com mais de quatro anos com “investimentos” no estado, não se sabe quantas fazendas a Santa Bárbara controla.

A mesma energia empregada pelo Estado e representantes dos legislativos estadual e federal na defesa dos pecuaristas não se registrou com as execuções dos camponeses Raimundo Nonato do Carmo, morto no dia 16 de abril no município de Tucuruí, véspera do Massacre de Eldorado e Luis Lopes Barros, assassinado no município de Conceição de Araguaia, corpo encontrado no dia 15 de junho. A banalização parece nublar os assassinatos de camponeses e a libertação de trabalhadores em condições de escravidão. Registre-se que a região é top no ranking.

Grilagem de terras, trabalho escravo e bala 38 para curar aftosa

No calor da indignação dos fazendeiros por conta de inúmeras ocupações de áreas em nome da empresa do indiciado banqueiro Daniel Dantas, o MPF publicizava um estudo de mais de três anos sobre a apropriação indevida de terras públicas.

A pesquisa sobre grilagem de terras desnudou que os títulos produzidos pelos cartórios do Pará ultrapassam em quatro vezes o território do estado. Os títulos falsos somam mais de seis mil. Ainda assim a Justiça local não anulou os mesmos. O MPF e outros órgãos envolvidos na pesquisa recorreram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

No mesmo período 27 fazendeiros das terras dos Carajás foram condenados por trabalho escravo. Um fato inédito. Se a mídia se esmerou em linchar as ocupações de terras, perdeu o fôlego ante as evidencias de grilagem de terras, trabalho escravo e os crimes ambientais que conformam a produção agropecuária na região e que resultaram no embargo na venda de carne.

O primeiro semestre foi bem agitado na disputa pela terra no Pará. A Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (FAEPA) foi flagrada pela má aplicação de verbas públicas na campanha de combate da febre aftosa. Leia-se o presidente da entidade, Carlos Xavier, o mesmo que premiou a Agropecuária Santa Bárbara como empresa do ano.

Um jantar orçado em quatro mil reais é um dos questionamentos. A reportagem foi veiculada no jornal da TV Globo, Bom dia Brasil, do dia 25 de março de 2009. A reportagem realizada por Roberto Paiva explica que 40% da carne consumida no estado não passa por fiscalização sanitária.

Até hoje não se conhecem as prestações de contas de 1.441 milhão repassados desde 2007 através de três convênios para o presidente do Fundo, o mesmo senhor Carlos Xavier. Os recursos são oriundos da Agência de Defesa Agropecuária do Estado Pará (ADEPARÁ).

Entre as notas flagradas pela auditoria consta uma compra de 150 projéteis para armas de calibre 38. Interroga-se: cura-se aftosa na bala ou seriam para os “seguranças” das fazendas? Tem-se ainda nota de 21 mil reais para aluguel de carros.

Ocupações e conflitos

A fazenda Maria Bonita ocupada pelo MST é um dos fios do novelo do capítulo da disputa pelo território nas terras do Araguaia-Tocantins nos recentes cinco anos. A terra apropriada pela família Mutran foi repassada ao banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity. A família Mutran tinha o direito de uso da terra para fins de extrativismo da castanha do Pará e não a posse da terra. Os pecuaristas devastaram a floresta e implantaram a pecuária.

Dantas que até chegou a ser preso pela PF e liberado pelo ministro Gilmar Mendes, foi indiciado por um cipoal de crimes, entre eles: formação de quadrilha, evasão de divisa, lavagem de dinheiro e espionagem. Assim como Dantas, o gerente da Agropecuária Santa Bárbara e ex-cunhado do banqueiro, Carlos Rondenburg também foi indiciado pelos mesmos crimes. Não bastasse todo o cenário tortuoso na disputa pelo território na Amazônia o governo federal sancionou a MP 458, avaliada como uma medida favorável ao crime de grilagem.

Além da Maria Bonita o MST ocupou a fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara, sudeste da região. A ocupação batizada de Vladimir Maiakóvski foi o palco da ação de empresas seguranças contra os sem terra em abril. Atentado que a os repórteres que foram levados por um avião fretado pela da Santa Bárbara conseguiram inverter a lógica. Por mais que as imagens mostrassem os disparos dos “seguranças” contra os sem terra. Outra área ocupada pelos sem terra e que envolve a família Mutran e Dantas é a fazenda Cedro, localizada no município de Marabá e notabilizada nas publicações do agronegócio pelo caráter de excelência na produção de gado zebu.

Soa irônico algumas nuances da moldura na disputa pela terra na região. A fazenda é um dos entes da Santa Trindade da Igreja Católica. Já a ocupação é o nome de um poeta da experiência do socialismo de estado russo. Imagino o que Paulo Freire avaliaria sobre o nome da ocupação. O educador que sinaliza para que busquemos compreender o mundo a partir dos contornos da nossa realidade. Não seria mais prudente nomear a ocupação com algum poeta local?

As ditas “empresas de segurança” configuram outra questão delicada. A Polícia Federal arrecadou as armas das empresas de segurança Escolta e Delta, contratadas por fazendeiros do sul do Pará. Ambas atuavam irregularmente: sua licença cobre apenas o Estado do Tocantins, conforme o blogue Quaradouro, do jornalista Ademir Braz, de Marabá. As denúncias de tais “empresas de segurança” datam desde 2001.

Uma questão “curiosa” na cena local foi o lobby do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh no ano de 2008 pró Daniel Dantas. Conforme entrevista da governadora Ana Júlia Carepa ao repórter Leandro Fortes, da revista Carta Capital, edição de nº 544, no mês de maio de 2009. Greenhalgh até pouco tempo era celebrizado como defensor dos direitos humanos e chegou a participar do Tribunal da Terra há 23 anos no Pará. O tribunal de caráter simbólico condenou o latifúndio e as grandes corporações pela expropriaram e assassinatos de camponeses, extrativistas, indígenas e ribeirinhos…..É mais triste o rio da minha aldeia?

Rogério Almeida é colaborador da rede www.forumcarajas.org.br

EcoDebate, 22/07/2009

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One thought on “A luta pela terra em Carajás: ilícitos, justiça, estado e acomodações, artigo de Rogério Almeida

  • POETA ZÉ DE LOLA: CIDADE: EQUADOR RN.

    POESIA:
    CONVERSANDO COM OS PÁSSAROS.

    I
    Mim diga o motivo
    Conseqüência ou razão
    Algum crime eu pratiquei?
    Ou serei algum ladrão?
    Se não sou um delinquente
    Mim diga aí seu demente
    Por que estou na prisão?
    II
    Existem organizações
    Pra cuidar dos animais,
    Mas permite uma licença
    Veja só o que se faz
    Você paga um tostão
    O bicho vai pra prisão
    Não se solta nunca mais.
    III
    Não há motivo qualquer
    Que possa justificar
    Tirar nossa liberdade
    Que a natureza nos dá
    É uma grande covardia
    Praticada dia a dia
    Quando isso vai parar?
    IV
    Ninguém por preço nenhum
    Quer que viver engaiolado
    Até mesmo um criminoso
    Contrata um advogado
    Pra fazer sua defesa
    E às vezes com sutileza
    Ele solta um culpado.
    V
    “Coloque-se” em nosso lugar
    Use sua consciência
    Fique preso numa gaiola
    Faça uma experiência
    Pra burrice tem limite
    Por que você não admite
    Essa sua incoerência?
    VI
    O pássaro vive feliz
    Em seu habitat natural
    Os homens ignorantes
    Que gostam de fazer mal
    Tira sua liberdade
    E esta imbecilidade
    Eles acham que é normal.
    VII
    Se eu fosse funcionário
    Da defesa ambiental
    Ficaria muito triste
    Por ver como é natural
    O crime que é praticado
    Como está sendo depredado
    O nosso reino animal.
    VIII
    Oh! Como seria bom
    Que o homem se ligasse
    Respeitasse a diferença
    Que existe em outra classe
    Depredar a natureza
    É uma indelicadeza
    Seria bom que mudasse

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