Desespero, um mau conselheiro, artigo de Fábio Alves dos Santos
[EcoDebate] Há alguns meses, Belo Horizonte vem acompanhando o drama vivido por mais de mil famílias sem-casa e sem-terra das comunidades Dandara, do Céu Azul, e Camilo Torres, da Vila Santa Rita, no Barreiro.
A comunidade Dandara, embora amparada em decisão do Tribunal de Justiça que a mantém na posse de um latifúndio urbano pertencente à Construtora Modelo – cerca de 400 mil metros quadrados, ou seja, cerca de 40 hectares -, se vê permanentemente violada em seus direitos pela Polícia Militar e hostilizada nos meios de comunicação pelo prefeito Márcio Lacerda. O Município não somente trata cerca de três mil pobres como inimigos, como se nega a prestar-lhes assistência médica, educacional e assistencial, conforme os imperativos legais. A ilegalidade da Polícia Militar e do Município saltam aos olhos. Tudo para favorecer uma empresa que sequer paga impostos e que mantinha há mais de vinte anos uma imensa área em completo abandono. A Construtora Modelo deve mais de 2 milhões de reais de IPTU.
No Barreiro, a Comunidade Camilo Torres, com cerca de 140 famílias, vive o drama do iminente desalojamento. Para atender os interesses da empresa Victor Pneus – cuja área era pública e foi irregularmente cedida a particulares pela CODEMIG – o Tribunal de Justiça concedeu liminar de reintegração de posse em desfavor daquela comunidade.
O Município, embora se tenha postado do lado das empresas, em ambos os casos, pretende lavar as mãos ao singelo e cínico argumento de que se trata de conflito entre particulares. O prefeito chega a dizer que nos últimos dez anos não tem ocorrido ocupações de imóveis em Belo Horizonte. Que as duas comunidades são manipuladas por grupos radicais.
Duplamente equivocado o prefeito Márcio Lacerda. Em primeiro lugar, porque os registros de ocupações de imóveis abandonados, em Belo Horizonte, são inúmeros nos últimos anos. Em segundo lugar, porque ele pretende tratar reivindicações justas e legítimas como subversão da ordem. Tem sido mais cruel do que seus algozes militares, quando o prenderam nos tristes anos da ditadura militar. Talvez pelo convívio com os seus algozes, introjetou idéias e comportamentos que todos sempre condenamos.
Neste diapasão a violência se arma contra milhares de pobres desarmados e clamando por justiça. A elas a Prefeitura de Belo Horizonte, nas últimas décadas, tem negado políticas públicas de habitação. As estatísticas aí estão para dizer que as pessoas com renda de 0 a 3 salários mínimos em Belo Horizonte não têm vez nos planos de habitação popular. Os de renda maior é que são majoritariamente contemplados.
Monta-se o cerco para se perpetrar a violência. Os meios de comunicação são acionados para desenharem um perfil de marginais dos trabalhadores ameaçados. As autoridades públicas abastecem o noticiário com calúnias e difamações dos pobres. Defendem interesses escusos de poderosas empresas.
A Polícia Militar, na perseguição à comunidade Dandara, tem colocado os Tenentes-Coronéis Queiroz e Teatini como os comandantes dos desmandos. O primeiro, foi comandante do GATE e, como tal, esteve presente na chacina da ocupação Bandeirinhas, em Betim, que culminou com a morte de um sem-casa. O segundo, se torna célebre pela truculência com que comanda a tropa de choque na repressão aos movimentos sociais. Em passado recente, na cidade de Goiânia, no Goiás, milhares de famílias sem-casa foram despejadas de uma ocupação. O rastro de mortes e sangue marcou indelevelmente aquela cidade. Famílias em desespero reagiram à injustificada violência do Estado. Defendiam como podiam a VIDA. Os insensíveis administradores e magistrados defendiam outros interesses.
Oxalá as Comunidades Dandara e Camilo Torres não sejam levadas ao desespero. O desespero é mau conselheiro.
Fábio Alves dos Santos – professor na PUC Minas e advogado.
Belo Horizonte, 12/07/2009.
* Colaboração de Frei Gilvander Moreira, colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 14/07/2009
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