A morte dos rios não traz desenvolvimento, artigo de Ruben Siqueira
[EcoDebate] A civilização nasceu entre os rios Tigre, Eufrates e Nilo, o chamado “Crescente Fértil”. Mais tarde Roma desenvolveu-se à beira do Tibre e de seu império fez-se a “civilização ocidental cristã”. Esta, hoje, na sua mais grave crise, devia se ver refletida nos rios que poluiu…
No Brasil os rios foram os caminhos para a interiorização desta civilização trazida pelos portugueses. As “entradas e bandeiras” paulistas seguiram o rio Tietê. Pelo São Francisco entraram os senhores de terra, postando currais de gado e famílias de escravos – nascia a “civilização do couro” às margens do “rio dos currais”. Antes, os povos originários de Pindorama procuravam os cursos d’água e deles faziam os eixos de suas culturas. Acabaram ensinando o português a tomar banho…
Mas não apenas da civilização humana as águas são a fonte e o sustento, também da incomensurável biodiversidade. Todo mundo já aprendeu, ou deveria, que sem água não há vida.
Hoje, porém, no campo e nas cidades, os rios estão moribundos. De cada dez rios brasileiros sete estão poluídos. Todos os rios que cortam cidades, das megalópolis aos vilarejos, viraram esgotos, latrina, lixeira. Preservar as águas não é da lógica que rege o desenvolvimento. Hoje nos damos conta do grave problema que são a corrosão dos recursos naturais e o lixo excessivo que nosso estilo de vida produz. As águas são as primeiras a sinalizar o início do fim…
Da combinação de terra, água, luz solar e zelo feminino, nasceu a agricultura, há 12 mil anos. De lá para cá, a tecnologia evoluiu não só no controle dos fatores de produção agrícola, como até ao ponto de prescindir destes fatores. No vale do São Francisco, há fazendas em que o solo não é mais que sustentáculo da planta, toda a nutrição é artificial, feita por microgotejamento eletrônico. O “agricultor” está sentado ao computador numa sala climatizada, teclando as quantidades de fertilizantes que vão pela água bombeada do rio… Os gases liberados pelos fertilizantes químicos são dos piores de origem agropecuária, que respondem por 25% dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta.
Calcula-se que nas fazendas de irrigação de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), no São Francisco, sejam despejadas três toneladas de agrotóxicos diariamente. O rio é o destino da maior parte deste veneno. O Brasil tornou-se em 2008 o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, perto de 400 mil toneladas, um negócio que mobilizou US$ 7 bilhões. Falta pouco para um quarto do que consome o mundo: 2 milhões de toneladas.
O modelo da moderna agricultura, também chamada “Revolução Verde”, se impôs para “desenvolver” as áreas rurais. A concentração da terra e da água, das sementes e dos investimentos públicos em grandes empresas agropecuárias aumentou a produção, mas de commodities (soja, carne, suco de laranja e, logo, etanol) para exportação e especulação no mercado de capitais. Cai o consumo de arroz e feijão, o que significa má alimentação e fome. As cidades violentas e inseguras, não param de inchar. O campo restou esvaziado para domínio do agronegócio globalizado, miséria camponesa e degradação ambiental.
Apesar dos sinais mais que evidentes de que por esse caminho não há futuro, vive-se hoje no Brasil franca expansão do agronegócio hidrointensivo, na onda dos agrocombustíveis, falsa solução para o aquecimento global. Intensifica-se a irrigação, que já consome 70% das águas disponíveis do planeta, inclusive no Brasil.
A transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional é exemplo cabal. A sede humana é só justificativa marqueteira. O verdadeiro interesse é expandir o modelo falido. A irrigação no Nordeste não funcionou como indutora do desenvolvimento, é duvidosa economicamente e um desastre social e ambiental.
Ao par da irrigação e dos esgotos, as barragens e hidrelétricas condenaram nossos rios. E não param de aumentar, sem que não se discutam os custos, nem para que e para quem tanta energia.
Se é verdade que “um rio é como um espelho que reflete os valores de uma sociedade”, a nossa não vale o que bebe e come…
Esgotado o “desenvolvimento”, precisamos recuperar o “envolvimento”. Aí, só a agroecologia pode nos salvar, salvando a terra, os rios, a agrobiodiversidade, os territórios, as tradições culturais, a soberania alimentar. Nisto os povos originários, sobreviventes à colonização, têm muito a nos ensinar.
A gestão territorial e participativa das águas através dos comitês de bacias poderá até contribuir para piorar o quadro, se for subserviente aos interesses expansionistas do capital. A luta maior é pela revitalização integral. Por isso bradamos “São Francisco vivo, terra e água, rio e povo”.
Ruben Siqueira, Sociólogo, agente da CPT na Bacia do Rio São Francisco, colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 11/07/2009
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Já escrevi aqui sobre produtividade agrícola e conservação ambiental. O aumento populacional no mundo está a exigir mais alimento, tudo agravado com o desperdício provocado pelo conumismo concentrado essencialmente nas cidades. O aumento de produtividade, para não aumentar áreas de cultivo, deixando mais reservas ambientais, também tem custos sérios, como os relatados no artigo. Aumento de produtividade não vem de graça. Pergunto, então , ao autor: como conciliar aumento de consumo com a volta aos sistemas agroecológicos? Como desenvolver agricultura familiar com a proibição de qualquer trabalho para o menor de 16 anos? Há muitas incongrências a serem vencidas para um mundo mais harmônico. As leis e códigos vão sendo montados isoladamente e não é assim que a natureza nos ensinou e nos ensina todo dia.