Marketing abusivo: Publicidade entra nas escolas com brindes, gincanas e teatrinhos
Até modelo de pijama já foi usada em ações de marketing em colégios de SP para promover produtos destinados ao público infanto-juvenil
Em uma escola particular do Espírito Santo, prova de matemática pedia que alunos desenhassem um produto da L”acqua di Fiori
É terça-feira, são sete da manhã. À porta do colégio, uma modelo de pijamas se espreguiça sobre uma cama com cabeceira de coração e entrega aos alunos amostras do creme facial Clean Clear Morning Energy, da Johnson & Johnson, que promete acabar com aquela “cara de sono” matinal. Matéria de Daniel Bergamasco, da Folha de S.Paulo.
“É para vocês passarem nos rostinhos”, dizia, segundo testemunhas, a moça a crianças e adolescentes que chegavam às aulas, em ação de marketing em dez colégios, entre os quais os paulistanos Pueri Domus, Agostiniano Mendel e Batista Brasileiro.
Em tempos de cerco à publicidade infantil na TV -e da extinção de outdoors em São Paulo- as escolas da cidade são cada vez mais alvo do chamado “marketing de guerrilha” de grandes anunciantes, interessados em promover ali produtos de apelo infanto-juvenil.
Muitos ultrapassam os portões do colégio, em ações como as palestras do “Dia Nutricional Sustagen Kids”, a gincana “Gatorade nas Escolas” e um teatrinho sobre a dengue do repelente Off Kids. Em todas essas campanhas, as empresas distribuem brindes.
“A publicidade tem buscado alternativas aos meios tradicionais. Nessas ações, a eficácia é grande, porque a marca está envolvida em uma experiência dentro da escola”, diz João Matta, consultor de publicidade infantil para empresas e professor do tema na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
O próprio Matta, contudo, faz a ressalva: “Eticamente, acho as ações exageradas. Nada contra a criança participar do mundo das marcas, que é o mundo real, mas escola não é shopping center.”
O Instituto Alana, ONG que trata de consumo infantil, critica a tendência. “A escola é o primeiro ambiente de socialização depois do familiar. É como se esses produtos tivessem respaldo do professor. A criança assimila que é positivo consumir aquilo que é apresentado a ela no mesmo lugar onde assiste às aulas”, diz Lais Fontenelle Pereira, psicóloga que trabalha para a ONG e tem atividades focadas em educação.
“É importante os pais ficarem atentos ao que acontece nas escolas”, afirma a psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha e autora de “Como Educar Meu Filho?”.
Prova e perfume
No Batista Brasileiro, em Perdizes (zona oeste), uma mãe de alunos pequenos protestou contra a ação da modelo no edredon, em outubro do ano passado. “A empresa tinha pedido autorização para fazer algo do outro lado da rua. Mas acabaram vindo para a porta da escola”, afirma a diretora, Maria Martinez de Lima.
Já a Johnson & Johnson diz que “a ação de Clean & Clear aconteceu nas ruas próximas às escolas (…) e terminava na porta das mesmas, sempre com o consentimento da diretoria”.
Em São Mateus (ES), um pai se queixou à Escola Alternativa Coopresma por ter distribuído a crianças da terceira série do Ensino Fundamental catálogos da perfumaria L”acqua di Fiori em uma prova de matemática.
“Suponhamos que Bianca tenha R$ 50. Qual produto que ela poderia comprar na L”acqua di Fiori [?]”, questionava a prova, aplicada às vésperas do Dia das Mães de 2007. Em outro tópico, dizia: “Desenhe o [produto] que você escolheu para presentear sua mãe do seu jeitinho e escreva um bilhete bem carinhoso para ela.”
Segundo a diretora Lúcia Mattos, a prova não foi encomendada. “A professora precisava de algum encarte para a prova e escolheu o da L”acqua di Fiori. Não houve intenção de vender nada”, diz. A perfumaria diz que não faz esse tipo de ação e que, devido a mudança de dono na franquia, não pode saber se foi uma iniciativa local.
O juiz de direito Leandro Silveira, pai de alunos, não gostou. “As crianças são inocentes e legitimam essas ações, porque confiam na escola. Em outra ocasião, a escola permitiu a entrada de um palhaço enviado por uma concessionária que prometia dar um cachorrinho para o pai que comprasse um carro naquele fim de semana. Achei péssimo”, diz ele.
[EcoDebate, 01/07/2009]
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