Mito do complô judaico-comunista ajudou na implantação do Estado Novo
O mito da existência de uma conspiração judaico-comunista de domínio da sociedade brasileira persistiu no imaginário nacional durante muito tempo. De acordo com uma pesquisa realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da USP, na Era Vargas, esse mito foi usado como um dispositivo de poder para a implantação do Estado Novo por meio do Plano Cohen. “O Plano Cohen consistiu num documento de 1936 escrito por um capitão integralista do exército, membro do serviço secreto, e que teve como objetivo simular uma tomada de poder pelos comunistas através de uma revolução”, conta a autora da pesquisa, a historiadora Taciana Wiazovski.
A autora fez uma comparação dos argumentos no Plano Cohen com a obra “Protocolos dos Sábios de Sião”, entendendo que o primeiro pode ter influenciado o segundo. “Se a obra “Protocolos de Sábios de Sião” forja a intenção de os judeus dominarem o mundo, o Plano Cohen apresenta, também de maneira forjada, a mesma intenção dos comunistas no Brasil”, conta Taciana, lembrando que Cohen é um nome de origem judaica.
Taciana explica que os “Protocolos” são considerados um dos maiores “blefes” da história. Trata-se de um documento forjado que mostra o plano de dominação secreta do mundo pelos judeus. O texto é originário da Rússia czarista. Foi escrito por Sergei Nilus, funcionário do Sínodo — uma entidade paraestatal russa —, e foi baseado numa sátira escrita em 1864 por Maurice Joly contra Napoleão III. Foi publicado pela primeira vez na Rússia em 1905. “O livro influenciou Adolf Hitler a escrever Mein Kampf”, comenta. De acordo com a pesquisadora, “Protocolos dos Sábios de Sião” narra um suposto encontro entre os sábios das 12 tribos de Israel que debatem como irão dominar o mundo por intermédio dos meios de comunicação e de outras instituições.
Obras anti-semitas
Segundo Taciana, o mito judaico-comunista começou a ser divulgado no Brasil a partir do início do século XX, por meio, principalmente, da revista Vozes de Petrópolis fundada por alemães franciscanos e produzida por intelectuais ligados à Igreja Católica. A idéia da publicação era levar à sociedade os conceitos de uma “boa imprensa”, associada a valores católicos. “Para eles, os meios de comunicação eram dominados por judeus”, aponta. Outra publicação que ajudou a difundir o mito foi a Revista Ordem, produzida por intelectuais brasileiros como Hamilton Nogueira, Jackson de Figueiredo Martins, Tristão de Athaíde, entre outros. “Há ainda o livro ‘Servos do Talmud’, de 1948, do intelectual Luis Amaral, um especialista em questões agrárias, que faz duras críticas ao Sionismo e reproduz chavões anti-semitas ao longo de seu texto.”
A Vozes de Petrópolis era a representante brasileira do movimento mundial criado dentro da Igreja Católica para fortalecimento da imagem da instituição religiosa. Apesar da linha editorial voltada para a cultura, com artigos sobre música, teatro e até um dicionário de tupi, a revista publicava vasto material anti-semita, incluindo resenhas da obra “Protocolo de Sábios de Sião”, citada e resenhada pela primeira vez no Brasil em 1919. Ambas as revistas eram produzidas no estado do Rio de Janeiro e traduziam e publicavam textos anti-semitas de periódicos europeus, principalmente franceses.
“Ao mesmo tempo em que era feita uma ‘diabolização’ dos judeus, eles também eram colocados como potenciais inimigos, ao lado da maçonaria, do protestantismo, do espiritismo, do socialismo, do modernismo, do ateísmo e do positivismo”, conta Taciana. “Muitos textos se referiam aos judeus de maneira indireta como, por exemplo, ‘aqueles que assassinaram o coroado de espinhos‘ “, exemplifica.
Outro fator que ajudou na manutenção do mito judaico-comunista foi o fato de a primeira expressão do partido comunista da Rússia, o BUND, ter sido criada por operários judeus. “Eles também eram muito associados a partidos de esquerda e às vezes apenas o fato de serem imigrantes do leste europeu já os transformavam em comunistas, por causa da Revolução de 1917”, lembra Taciana.
A pesquisadora conta que, com o passar do tempo, o mito acabou chegando aos corredores do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS) onde a Polícia Política de Getúlio Vargas confundia associações judaicas de auxílio para refugiados de guerra com associações comunistas. “Até escolas de crianças foram alvo de investigação.”
Polícia Política considerou a pá, a enxada e a estrela do logotipo da Associação Keren Hayessod similares ao simbolo comunista da foice e martelo |
Sionismo
Taciana lembra que esta Polícia foi criada em 1924 para investigar estrangeiros residentes no País por conta das ideologias que traziam de seus países de origem. No livro “Servos do Talmud”, Luiz Amaral cita vários autores anti-semitas. O autor também associa o movimento sionista ao fanatismo. Ele acreditava que o Estado de Israel funcionaria como um centro irradiador do comunismo e da idéia de que eles queriam o domínio mundial. A Polícia Política vai usar essa associação para perseguir os judeus no Brasil sob a acusação de ‘comunismo’.
Além de pesquisar exemplares das revistas e de outras publicações anti-semitas do período, Taciana também analisou arquivos do DEOPS, onde pesquisou prontuários de judeus presos e os dossiês sobre sionismo, sobre associações estrangeiras e o do Centro de Cultura e Progresso de São Paulo, que reunia judeus de esquerda.
A pesquisa de Taciana teve orientação da professora Maria Luiza Tucci Carneiro. A historiadora pesquisou o tema durante o seu mestrado, apresentado em 2005 na FFLCH. O estudo deu origem ao livro O Mito do Complô Judaico-Comunista no Brasil – Gênese, difusão e desdobramento (1907-1954), publicado pela Editora Humanitas e que teve seu lançamento na última terça-feira (23), na Livraria da Vila, em São Paulo.
Mais informações: e-mail rod_taci{at}uol.com.br, com Taciana Wiazovski
Matéria de Valéria Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 30/06/2009.
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