Agrocombustíveis. O Planeta suporta? Entrevista especial com Jean Marc von der Weid
Os agrocombustíveis são apresentados como uma das possíveis soluções para resolver os problemas ambientais e compor um novo modelo de matriz energética, mais limpa, sustentável e ecologicamente correta. Diante de tantas promessas, o economista Jean Marc Von der Weid alerta: “Apresentam essa alternativa como se ela pudesse ter uma influência muito significativa no abastecimento de combustíveis líquidos no mundo, quando na verdade não existe a possibilidade de se ter um efeito marginal”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista é enfático e assegura que “a necessidade de terras que envolve uma substituição maciça de gasolina ou óleo diesel por agrocombustível é impossível de ser suportada pelo planeta”.
Entre as matérias-primas sugeridas, está a cana-de-açúcar como potencial para reduzir as emissões de gases estufa. De acordo com Von der Weid, essa possibilidade só é viável se levarmos em consideração o aproveitamento do bagaço para geração de energia complementar, e se o restolho das culturas de cana for utilizado como combustível. Ainda assim, ele reiteira, “a cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento”.
Jean Marc von der Weid é formado em Economia. Ele é participa da ONG AS-APTA e faz consultorias para a FAO e ao PNUD na área de desenvolvimento sustentável, na África e América Latina. Em 1998 criou a Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que os agrocombustíveis ainda são percebidos como a energia da controvérsia? Quais são os aspectos negativos e positivos desse modelo de combustível?
Jean Marc von der Weid – Os agrocombustíveis ainda são controvertidos, embora o presidente Lula e alguns produtores pensem que essa é apenas uma questão política. Eles argumentam que países de Primeiro Mundo querem impedir a produção e comercialização dos agrocombustíveis, o que não é verdade.
Os EUA e os europeus também estão investindo nessa área e competem diretamente com o nosso produto. No entanto, estão defendendo o espaço deles. A controvérsia se situa no ponto mais crítico desse agrocombustível: apresentam essa alternativa como se ela pudesse ter uma influência muito significativa no abastecimento de combustíveis líquidos no mundo, quando na verdade não existe a possibilidade de se ter um efeito marginal. Digo isso porque a necessidade de terras que envolve uma substituição maciça de gasolina ou óleo diesel por agrocombustível é impossível de ser suportada pelo planeta. Então, estamos lidando com algo relativamente marginal, apesar da propaganda que é feita em cima do impacto ambiental, social e econômico.
A outra questão controversa diz respeito aos impactos ambientais. Os defensores dos agrocombustíveis dizem que ele irá reduzir a emissão de gases estufas e trazer benefícios para o meio ambiente. Por outro lado, avaliações apontam para uma diminuição de emissões de gases apenas para a produção à base de cana-de-açúcar, mas ainda assim todo o bagaço precisa ser aproveitado para geração de energia complementar, se o restolho das culturas de cana for utilizado como combustível.
É claro que há promessas de que novas matérias-primas possam desempenhar um resultado mais eficiente, mas até agora elas não estão no mercado. A partir do momento em que passarem a ser competitivas, darão um baque na produção atual de agrocombustível, em particular da cana-de-açúcar; seria uma competição possivelmente difícil de suportar.
Cana-de-açúcar como alternativa energética
A cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento. O governo brasileiro diz que isso não irá acontecer. Se pensarmos em termos de desmatamento direto, ou seja, cortar floresta para plantar cana, certamente não terá um efeito maior. Mas existe o efeito indireto, que é muito poderoso: o cultivo de cana está deslocando outras culturas e, sobretudo, a criação de gado das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oste, que está se expandindo para a área da Amazônia. Tanto é que, atualmente, existe uma grande discussão em torno dos criadores de gado que desmatam na Amazônia, e dos frigoríficos que não podem comprar carne desses matadouros. Há indícios de que 30% da produção de carne no Brasil vem da região amazônica. O argumento governamental é de que isso não precisa ser necessariamente assim, quer dizer, é possível aumentar a produtividade das pastagens nas outras regiões e, portanto, ter uma maior quantidade de gado sem crescimento de área de pastagem. Teoricamente, isso é possível, só que, por enquanto, é muito mais barato desmatar na Amazônia do que aumentar a produtividade em outras regiões. Nesse sentido, as vantagens que a cana-de-açúcar apresenta do ponto de vista do balanço de emissão de gases de efeito estufa se perde. Essa é a essência da controvérsia.
IHU On-Line – Se a tentativa de substituir combustíveis fósseis por agrocombustíveis na escala proposta não irá resolver o problema energético, agravando ainda os efeitos ambientais e a produção de alimentos, qual é o caminho para pensar o futuro energético? Como abandonar os recursos fósseis e garantir energias renováveis?
Jean Marc von der Weid – A verdade é que não existe uma solução única para esse impasse. Os combustíveis fósseis estão em processo de esgotamento que não deve ser superior a 10 ou 15 anos, com efeitos de crescimento desde já. No ano passado, tivemos um repique no valor do barril de petróleo, o qual posteriormente baixou com a crise. Algumas pessoas ficaram aliviadas, pensaram que o problema estava resolvido. Pelo contrário, não está. A tendência é o valor do petróleo subir significativamente; a demanda mundial decresceu, mas nem tanto. Toda a matéria-prima em processo de esgotamento vive esse tipo de situação. Entretanto, não é só o combustível fóssil que está em fase de colapso, mas também alguns minerais essenciais para o sistema agrícola convencional baseado na tecnologia da evolução verde, sobretudo o fósforo.
Existem várias soluções para encaminhar, em especial os investimentos em energia eólica e solar, que são ainda muito subutilizadas no mundo. Certamente, um imenso esforço de racionalização e economia no uso dos remanescentes do petróleo e do carvão poderia durar mais tempo. Há, sem sombra de dúvidas, uma necessária mudança na matriz energética e no consumo, em particular no que diz respeito aos combustíveis líquidos. É preciso começar a pensar num futuro em que os transportes não sejam centrados no consumo de gasolina e diesel. No ponto de vista da agricultura, a tecnologia pode dar uma contribuição muito grande à diminuição do efeito estufa e também a própria matriz energética, mudando o padrão de produção.
IHU On-Line – Por que os agrocombustíveis só serão importantes daqui a uma ou duas décadas?
Jean Marc von der Weid – Há interesses muito grandes das empresas de petróleo, sobretudo em esconder a escassez desse produto. Por outro lado, os índices de reservas novas descobertas não cobrem o esgotamento das reservas anteriores. Então, existe uma perda constante do ponto de vista de reservas, e mais: as reservas descobertas hoje têm um custo financeiro mais elevado. No começo da exploração do petróleo, quando descobriram os grandes poços na Arábia Saudita, se investia um barril de petróleo em termos de energia para extrair dez. Atualmente, se investe em um para extrair três. Além disso, não se encontra mais petróleo de fácil extração, pelo contrário: vamos extrair petróleo do pré-sal, de 4 metros de profundidade, em cima de lâmina d’água.
Informações mostram que o oil peack (pico do petróleo) – ponto a partir do qual as reservas começam a cair – já foi alcançado no ano passado. Descobertas como a do pré-sal, para nós, são muito significativas, mas do ponto de vista mundial representam muito pouco. As reservas indicadas no Brasil até agora são de 80 bilhões de barris, otimisticamente. Se tudo for transformado em petróleo, o que nunca acontece, teremos uma contribuição de mais de dois anos no consumo mundial. Isso, levando em conta os índices de consumo hoje, sem falar de que há uma progressão anual de 2 ou 3% no aumento de consumo. Se a economia se relançar proximamente, esses índices de consumo também irão aumentar bastante.
IHU On-Line – Com o esgotamento do petróleo, o senhor vislumbra transformações na economia mundial? Já podemos pensar em outro modelo ou novo ciclo econômico, mais sustentável?
Jean Marc von der Weid – Possível é. A grande dúvida é: as forças políticas e econômicas do mundo irão assumir a necessidade dessa transformação e conduzir o processo de transformação de uma forma inteligente e controlada? Se deixarmos para o mercado decidir, vamos caminhar para uma situação caótica, porque evidentemente quem está interessado na manutenção do padrão atual jogará com isso até o limite do possível. Quando o sistema começar a quebrar e o abastecimento de petróleo desaparecer de uma forma significativa, talvez fique difícil enfrentar uma crise energética violentíssima. Para fazer isso sem grandes solavancos, precisariam de uma série de medidas tanto econômicas, tanto no uso de recursos fósseis de energia quanto na mudança do padrão de consumo e na geração de outras formas energéticas sustentáveis. O problema todo é a falta de governabilidade nesse processo de transição. Se houver um acordo mundial para fazer essa mudança, teremos um resultado. Se não, teremos uma situação de caos e implicações econômicas e sociais muito graves no mundo todo.
IHU On-Line – Em que medida as crises econômica, ambiental e alimentar podem gerar uma crise social? Isso já está acontecendo?
Jean Marc von der Weid – Já existe de forma embrionária, e ela está oscilando em função de uma série de fatores. Os efeitos do aumento dos preços de petróleo já se fazem sentir na produção alimentar. Tivemos uma crise que é derivada, de um lado, do custo do petróleo e, de outro, do processo de produção de alternativas aos recursos fósseis. Não há dúvida de que a produção, sobretudo do milho americano convertido para o etanol , teve um efeito cascata em cima da economia alimentar mundial.
IHU On-Line – As energias renováveis terão poder de barganha para negociar crises financeiras, por exemplo?
Jean Marc von der Weid – A crise financeira cria uma dificuldade a mais, porque, evidentemente, representa menos dinheiro e recursos investidos em alternativas para o futuro. A reação talvez mais forte do governo em relação à crise financeira foi estimular a produção de automóveis no Brasil. Então, para sair de um problema de curto prazo, estamos reforçando uma matriz energética negativa para o futuro. Ao invés de se investir em substituição da matriz atual por alternativas mais sustentáveis, se prolongam os fatores de crise para o futuro.
IHU On-Line – Como está a produção de biocombustíveis no Brasil? Dizem que o país produziu biocombustível em excesso e não tem para quem exportar.
Jean Marc von der Weid – Não tenho essa informação detalhada, mas acredito que isso seja possível, porque a expansão na produção desse produto foi muito rápida. Entretanto, não acredito que no curto prazo isso seja um problema, porque a demanda continua aquecida. Os projetos mirabolantes foram adiados, algumas empresas se endividaram muito e estão vivendo uma crise porque não conseguem vender seus produtos. Mas isso não representa um golpe fatal, sobretudo na produção de etanol de cana-de-açúcar.
Na produção de biodiesel, que é infinitamente menor, o problema é de outra natureza, ou seja, político. A cana-de-açúcar tem viabilidade econômica nos marcos do sistema atual. O biodiesel não; ele depende de investimentos do governo. O Brasil não recua no estímulo ao uso de biodiesel porque o impacto político seria muito grande. O biodiesel foi prometido como a agroenergia dos pobres. Diziam que os pequenos produtores forneceriam a matéria-prima para a produção de biodiesel, mas isso não está acontecendo. Hoje em dia, o programa de biodiesel brasileiro é um programa de biosoja, ou seja, já mudou de rumo há muito tempo.
(Ecodebate, 30/06/2009) publicado pelo IHU On-line, 29/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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