O que fazer com 250 mil toneladas de resíduos nucleares?
Depósito de resíduos nucleares na França, foto de AVENTURIER PATRICK, no Le Monde
“Por que razão se tiraria das gerações futuras a possibilidade de decidirem por elas mesmas?” A pergunta feita pelo sociólogo Michel Callon, professor na École des Mines [grupo de faculdades de Engenharia na França], está no cerne da nova doutrina francesa sobre os resíduos nucleares. Ela se apoia no conceito de “reversibilidade” das soluções técnicas, mas também das escolhas políticas. Um colóquio acaba de ser organizado sobre esse tema, em Nancy, pela Agência Nacional para a Gestão dos Resíduos Radioativos (Andra), prelúdio para uma conferência internacional prevista para 2010.
“O estoque de combustíveis usados acumulado no mundo chega a 250 mil toneladas”, lembra Bernard Bouillis, do Comissariado para a Energia Atômica (CEA). Mesmo se amanhã se parassem todas as centrais, o problema continuaria existindo. Na França, 1.150 toneladas de combustíveis irradiados são despejados a cada ano dos 58 reatores do grupo EDF, entre as quais 850 toneladas reprocessadas. Matéria de Pierre Le Hir, no Le Monde.
Esses resíduos finais só representam um volume relativamente pequeno: pouco menos de 50 mil toneladas para a França, provisoriamente armazenadas nas usinas de reprocessamento, em La Hague (Mancha) e Marcoule (Gard). Mas esses rejeitos concentram mais de 99% da radioatividade total. Alguns são de altíssima atividade. Outros, de vida longa: milhares, até milhões de anos.
Para essas substâncias muito nocivas, a opção mundialmente mantida é o armazenamento em formações geológicas profundas, capazes de confiná-las durante várias centenas de milhares de anos. Foi para validar essa solução que, sob o município de Bure (entre Meuse e Haute-Marne), a Andra escavou, a 490 metros de profundidade, em uma camada de argilito, um laboratório.
“Trata-se de uma instalação de pesquisa, que não constituirá o futuro local de armazenamento”, explica Marie-Claude Dupuis, diretora-geral da Andra. Este estaria situado em um perímetro de 30 quilômetros quadrados em torno de Bure, onde seria enterrada uma rede de 15 quilômetros quadrados de galerias e alvéolos subterrâneos.
Se, pelo menos, o Parlamento e o governo derem o sinal verde. Um debate público está previsto para 2013, antes de uma investigação e um pedido de autorização de construção em 2015, para uma possível ativação em 2025.
Nada é certo. Apesar da promessa de 700 a 1.000 empregos diretos, a oposição local continua forte: mais de 50 mil eleitores dos dois departamentos pediram um referendo local. Foi a hostilidade persistente de uma parte da população, junto com a constatação de que os estudos sobre a gestão dos resíduos radioativos pedem para ser mais detalhados, que conduziu o Parlamento a inserir na lei, em junho de 2006, a exigência da reversibilidade. Isso por uma duração de no mínimo cem anos. “Esse princípio é crucial para dar aos cidadãos a melhor segurança, mas também para deixar à ciência uma chance de propor alternativas no futuro”, justifica Claude Birraux, presidente da Comissão Parlamentar de Avaliação das Opções Científicas e Tecnológicas (Opecst, sigla em francês).
Nem todos os países fizeram a mesma escolha, ressalta Claudio Pescatore, da Agência para a Energia Nuclear da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nos Estados Unidos e na Suíça, a reversibilidade é, como na França, exigida por lei. No Canadá e no Japão, pelo governo. Na Suécia e na Finlândia, ela não é requerida, mas é prevista pelos exploradores da atividade nuclear. Na Inglaterra, ela é objeto de debate.
A reversibilidade pressupõe que se possa, a qualquer momento, retirar a carga radioativa de seus alvéolos subterrâneos. Mas também que se possa voltar atrás nas escolhas de gestão de resíduos. O que levanta diversas questões. Como garantir o mesmo nível de segurança para um armazenamento suscetível a ser reaberto que a uma obra selada definitivamente? Como ter certeza que, nas próximas décadas ou séculos, as instituições políticas serão pelo menos tão estáveis quanto as formações geológicas, e que elas garantirão os processos de decisão democráticos? Como imaginar seriamente que, uma vez lançado, se poderá voltar atrás em um projeto orçado, entre a construção e a exploração por um século, em € 15 bilhões?
Por enquanto, a Suécia é o primeiro país a ter escolhido um local de armazenamento profundo, em granito. Todos os outros fazem rodeios. Nos Estados Unidos, o projeto de enterramento na rocha vulcânica da Montanha Yucca, no deserto do estado de Nevada, acaba de ser “enterrado” por Barack Obama. Na Alemanha, o armazenamento na mina de sal de Görleben foi suspenso pela moratória nuclear. O Japão, o Canadá e a Inglaterra estão procurando locais. A Espanha por enquanto privilegia o armazenamento. A China, a Índia e a Rússia não se posicionaram.
Tradução: Lana Lim
* Matéria do Le Monde [Que faire des 250 000 tonnes de déchets nucléaires ?], no UOL Notícias.
[EcoDebate, 26/06/2009]
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