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SLAPR é a principal saída para conter a devastação produzida pela pecuária, afirma ambientalista

Dois estudos – A hora da Conta, da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, e A Farra do Boi – do Greenpeace, analisaram os impactos da pecuária na Amazônia. Ambos afirmaram que os grandes investimentos de bancos públicos são os principais fomentadores da pecuária, uma das principais responsáveis pela devastação da floresta.

Como consequência, o braço para setor privado do Banco Mundial , o IFC (sigla em inglês para International Finance Corporation ), cancelou o contrato de financiamento do frigorífico Bertin, o maior exportador de carne do Brasil e segunda maior empresa do setor no mundo.

Neste contexto, o Amazonia.org.br, 15-06-2009, fez um entrevista exclusiva com Mário Menezes, diretor adjunto da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, para aprofundar o tema. Nela, Menezes faz um panorama geral da pecuária na região e analisa o Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais (SLAPR), que, segundo ele, é a principal saída para se conter a devastação produzida pela atividade.

Eis a entrevista.

Qual é o panorama da pecuária no Brasil e na Amazônia?

Um aspecto que eu acho que é destaque, no processo da produção bovina no Brasil é que ele tem sido atividade de frente do processo de colonização e ocupação. O que antes acontecia com a cana-de-açúcar e com a mineração, hoje é a pecuária. A gente vive o ciclo da pecuária. Nós tínhamos ciclos mais localizados antigamente. Nordeste, cana; sudeste, ouro. Hoje, porém, a pecuária é praticamente um processo nacional, não é só regional.

A pecuária na Amazônia é a principal atividade de frente de desmatamento e, ao mesmo tempo, o principal vetor do processo de expansão sobre a floresta. Primeiro ela é uma atividade que facilita a ocupação do território, porque é de baixo custo de implantação. Ou seja, o produto que você está trabalhando é um semi-movente, como a gente diz, ele anda. Você pode passar o rebanho de uma área para outra sem muita dificuldade. O transporte também não é muito problemático.

É uma atividade, deste ponto de vista, facilitadora da ocupação territorial. E então, tem outros componentes nesse processo que é importante pensar. Você desmata pra quê? O cara desmataria ali, só para tirar madeira? Dificilmente. Pelo menos em grandes expedições, não. Com o lucro da venda da madeira da área, é possível implantar a pastagem.

Então produzir gado na Amazônia é mais lucrativo do que em outras regiões?

Não é que é lucrativo. O custo é mais baixo. Porque vêm depois os outros fatores que são tão importantes, ou mais, que a própria pecuária. O que eu quero dizer com isso: você desmata, tira a madeira, bota a pastagem, vai ao banco pega dinheiro emprestado e bota o rebanho.

O que, na verdade estimula o desmatamento e a pecuária é o que vem depois. Por exemplo, o rendimento da pecuária na Amazônia, está em cerca de 100 reais, por ano/hectare. A soja está em torno de 500, 600.

Então ele já faz a pastagem pensando na soja, no sojicultor que vai chegar. Quando o sojicultor chegar o preço do solo dele, de um terreno que ele não comprou, que ele grilou, com as benfeitorias vai estar muito mais alto.

A pecuária sozinha seria capaz de fazer o estrago que ela faz? Na minha avaliação, não. Porque vale muito o que vem depois. O cara que desmatou, ele pensou na pastagem, mas já está pensando no sojicultor que vai chegar.

Então não podemos dizer que o problema não é causado pela da pecuária em si, mas por todo processo produtivo…

É essencialmente um problema de política pública. Para que a pecuária cause o mínimo de impacto na Amazônia, é preciso de tecnologia, delimitar áreas, ter condicionamento ecológico-econômico. É necessário que ver a disponibilidade de tecnologia e ter linhas de financiamento voltadas para isso. Então, é política pública.

E justamente nesse momento foi divulgado o relatório do Greenpeace, e antes o da Amigos da Terra. Começou que incentivou o diálogo com as empresas. Mas esse seria o caminho correto?

Mas você viu quais são as empresas? É do frigorífico pra frente. Frigorífico e o mercado de varejo. Já que o governo não tem disposição para fazer isso, então a sociedade diz “tudo bem é assim? Não vou consumir”. Daí você tem o efeito pra trás também.

Se tivesse uma ação do poder público efetiva, na direção correta, de só botar pecuária nas áreas desmatadas, a situação seria outra. Nós temos na Amazônia 73 milhões de hectares desmatados, têm 60 milhões para a pecuária, mas a base política não quer. Eles querem continuar avançado sobre o território para acumular patrimônio e, ao mesmo tempo, eles querem liberdade.

Se fizermos com que essas empresas mudem, sem que exista política pública coerente, isso não pode se repetir com outro produto?

Mas o objetivo é exatamente esse: você pressionar. Já que o governo, por livre e espontânea vontade não toma a iniciativa de adotar política, o mercado diz assim: “Olha, eu não compro”.

Eles [políticos] estão começando a entender esse processo, essa reação. Esse papel está sendo exercido porque o poder público não exerceu o dele. Se ele tivesse feito isso, a sociedade não teria que se mobilizar dessa maneira. Porque o governo não representa bem a sociedade, neste caso. E a sociedade agora tem que se mobilizar.

Vai funcionar? É complicado, mas não tem outra forma. Ou você pressiona a cadeia para trás, porque de lá pra cá eles não vão tomar essa iniciativa, tanto é que estão sendo flagrados comprando carne de área desmatada ilegal, de gado tirado de terra indígena, etc. Não tem alternativa, ou você faz assim, ou você faz assim. Senão, você cruza o braço e deixa a coisa rolar.

E existe algum processo para garantir a legalidade na produção da pecuária na Amazônia?

Sim: o Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais. Esse é o instrumento adequado. Porque se o pecuarista for um grileiro ele não tem como licenciar. E se o SLAPR é condição básica para a negociação, ele não vende a carne dele.

E por que o mecanismo nunca foi implementado?

Porque ele é tão bom, ele é tão efetivo que existe uma resistência enorme para implementar. Mesmo o Mato Grosso deve ter hoje em torno de 7 mil, 8 mil hectares e foi lá que começou. Eu estava no Ministério ainda e a gente implantou no Pará, no Mato Grosso, em Rondônia, no Tocantins. Porque, como é que ele funciona? Ele funciona, primeiro dentro da OEMA [Órgão Estadual de Meio Ambiente], que pega o Estado inteiro e monta uma base georrefenciada. Você tem um sistema que te dá acesso a tudo.

O SLAPR, significa Sistema de Licenciamento Ambiental EM, e não DE, propriedade rural. Se eu tenho minha área lá, e tem mil hectares e não vou mexer nela, eu não tenho que licenciar. Mas se eu vou desmatar 10 hectares, 1 hectare, vou pedir autorização para desmatar, eu tenho que licenciar.
O SLAPR é fundamentalmente o Código Florestal. E, digamos que o cara tenha lá alterado a reserva legal além do que ele devia alterar, ele faz um TAC – um Termo de Ajustamento de Conduta. Ele apresenta o projeto técnico de recuperação daquela área e aquele projeto uma vez aceito e assinado pelas partes, vai pro Ministério Público que monitora. Por isso que o SLAPR é muito efetivo e por isso que eles não implantam. Com a justificativa de que não tem pessoal, não tem recurso. Não tem mesmo. Eles não botam o pessoal na OEMA pra não fazer!

Primeiro é o problema fundiário, o ambiental vem depois. Então, por isso que esse sistema não é implementando, porque ele é efetivo. Ele funciona bem! O SLAPR pode servir para qualquer atividade. Pode ser a soja, inclusive, a moratória um esforço é fazer o SLAPR funcionar.

Não é interessante pra quem? Quem não quer deixar ele ser implementado?

Não é interessante para o produtor ilegal. Por exemplo, se eu sou grileiro, a minha terra não é legalizada e, assim, como é que eu vou querer o SLAPR? Porque eu estou me denunciando que a terra não é legal.
E mais, no conjunto, “eu” sou o cara que patrocina as campanhas de políticos o que faz com que não exista a vontade política. São os aliados do governo.

O que aconteceu com a Fundação do Meio Ambiente? Colocaram a OEMA para funcionar em cima do SLAPR. A arrecadação da OEMA multiplicou em dez vezes. Porque quem faz o licenciamento tem que atualizar anualmente, senão você não tem controle.

O que o Maggi fez quando assumiu? “Não, isso está errado! O OEMA não é para arrecadar! OEMA é para educar. Fiscalizar e educar!”. O que aconteceu é que o OEMA começou a ficar independente, não precisava mais de verba do estado para funcionar. Porque o próprio sistema de licenciamento bancava a OEMA. O cara pagava uma taxa para se licenciar e tinha que renovar e tinha essas taxas anuais.

Não conseguiram acabar com tudo. Daí você me diz “Por que não o SLAPR não é implantado?” Porque os interesses não deixam que ele se implante. Mas ele é o instrumento mais efetivo que existe! Comprovadamente ele

(Ecodebate, 18/06/2009) publicado pelo IHU On-line, 16/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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