Ecoturismo na cultura de consumo: possibilidade de educação ambiental ou espetáculo?
Pesquisa da ESALQ revela que lógica do mercado permeia oferta de roteiros ecológicos
Os números de mercado do ecoturismo alcançaram a casa dos 30% ao ano, segundo estatísticas que demonstram seu desenvolvimento mundial. “Estes são os maiores índices dentro do campo do turismo, contudo, tal desenvolvimento parece não ser acompanhado por uma crescente preocupação com a prática de uma educação ambiental”. Esta afirmação está presente na dissertação de Mestrado “Ecoturismo na Cultura de Consumo: possibilidade de educação ambiental ou espetáculo?”, de autoria de Hélio Hintze, apresentada ao programa de pós-graduação em Ecologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ). O estudo teve orientação do professor Antonio Ribeiro de Almeida Junior, do departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES) da ESALQ e abordou o ecoturismo, sua origem e contexto a partir de suas relações com a cultura do consumo, que obedece à lógica da busca incessante pelo lucro.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, Hintze procurou revelar a atual condição do ecoturismo no mercado turístico. Questiona ainda se esta atividade é a reafirmação do turismo convencional sob uma nova ótica, como estratégia para sua manutenção e se devemos trabalhar a educação ambiental e procurar promover reflexões nos praticantes das atividades ecoturísticas. A fim de investigar tais questões, o objetivo central da pesquisa foi averiguar a existência de uma preocupação com a educação ambiental nas atividades e pacotes ecoturísticos comercializados.
A pesquisa tem como pano de fundo constatações de um estudo sobre a condição da contemporaneidade, da qual o autor destaca que as questões da velocidade e das fragmentações pós-modernas e a superficialidade, que partir delas surge como conseqüência, são essenciais para a compreensão do tempo atual e de seus fenômenos: a cultura de consumo, a sociedade do espetáculo e o ecoturismo neste contexto
Para tanto, fora realizado levantamento bibliográfico referente ao tema e, ao mesmo tempo, procurou mensurar a preocupação com a educação ambiental nas atividades desenvolvidas pelas operadoras de ecoturismo. A partir disso, foram entrevistados proprietários e gerentes de operadoras de ecoturismo da cidade de São Paulo, todas membros da ABETA – Associação Brasileira de Turismo de Aventura. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas com questões abertas e foram propostas as seguintes questões: 1. Para que levar pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos) para visitar a natureza?; 2. Sua empresa vê diferenças entre ecoturismo e turismo ‘convencional’? 3. Como sua empresa vê a relação entre ecoturismo e educação ambiental? 4. Quanto ao planejamento das atividades de educação ambiental nas atividades ecoturísticas comercializadas por sua empresa, há alguma fundamentação teórica para o trabalho de campo? 5. Como são trabalhadas as questões da educação ambiental pelos condutores de grupos junto aos turistas?
Segundo o pesquisador, a utilização do prefixo “eco” funciona como um sedativo para a consciência das classes médias. “O uso mercadológico do eco atua como uma nova roupagem para o que ainda pode ser antigo. Tudo agora é eco. Por exemplo, postos de gasolina ecológicos, ecoresorts, ecoempreendimentos, programas de Ecoeficiência em empresas de diversos ramos utilizam-se desta estratégia de marketing. Ser ecologicamente correto está definitivamente na moda”, destaca.
Muitas operadoras turísticas têm se utilizado do ambiente natural apenas como cenário para a realização das atividades e a busca pelo consumo da experiência no ecoturismo aproxima-o de seu par, o turismo convencional. “As semelhanças entre a prática do ecoturismo e a do turismo convencional merecem questionamento, pois obedecem aos ritmos que condicionam nosso tempo. Se o ecoturismo busca ser uma alternativa ao turismo convencional, não será apenas por ser realizado em um ambiente natural ou por visitar casas de pessoas de uma comunidade tradicional que ele poderá obter tal chancela. Quanto à questão do planejamento das atividades educacionais, pudemos perceber nas falas dos representantes das operadoras uma espécie de consenso sobre o não embasamento conceitual de tais atividades por eles praticadas”, lembra Hélio Hintze.
De acordo com a pesquisa, existe explicitamente a crença de que através de manuais ou materiais impressos se faz educação ambiental por meio da transmissão de informações a respeito do destino e de sua complexidade. Mas o estudo aponta que utilizar-se apenas de tais materiais é uma forma reducionista que reforça a fragmentação pós-moderna da compreensão do meio ambiente e, obviamente, das complexas relações ambientais e sócio-ambientais que o compõem. Este tipo de material pode ser utilizado se for associado a outras ações educativas. “Analisando criticamente a produção deste tipo de material, constatamos que ela é uma prática espetacular, pois assumindo ares de defensoras do meio ambiente, as empresas interessadas na manutenção de sua área de exploração turística unem-se pela causa, produzindo apostilas para entregar a seus visitantes, agregado a causa ambiental ao seu logotipo, por exemplo”, ressalta.
A configuração mercadológica dos pacotes ecoturísticos em ambientes naturais pode ser flagrada por obedecer o mesmo ritmo intenso da vida cotidiana dos ecoturistas e interferir de maneira nem sempre adequada nos destinos de viagens. “A viagem acaba por obedecer aos mesmos ritmos da vida cotidiana dos ecoturistas. Inclusive pela inserção irônica do “dia livre” em roteiros ecoturísticos. Se o ecoturismo é uma atividade praticada no tempo livre das pessoas, como é possível haver um “dia livre” na programação? Para além da ironia, tal dia tem a função de período no qual se pode vender uma programação local não incluída no pacote original. Para as comunidades receptoras, a imposição vem com a necessidade da adequação de seu modus vivendi e da adaptação de seu lugar de vida para o atendimento às demandas das operadoras e seus clientes”, finaliza o pesquisador.
Texto de Caio Albuquerque, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), publicado pelo EcoDebate, 16/06/2009.
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