Crescimento da obesidade fez surgir uma nova categoria de pessoas hipertensas resistentes a medicamentos
Segundo as estatísticas, há cerca de 30 anos a hipertensão resistente ocorria entre 1% e 3% da população e, hoje, atinge entre 15% e 17% dos portadores. (Foto: Antoninho Perri)
Aumento do contingente de hipertensos resistentes gera novas frentes de estudos. Pesquisadores da FCM desenvolvem técnicas que identificam alterações vasculares
O acentuado crescimento da obesidade nas últimas duas décadas, sobretudo em crianças e adolescentes, fez surgir uma nova categoria de pessoas hipertensas, aquelas em que a doença resiste a regredir mesmo que medicadas com até três diferentes hipertensivos. Esses pacientes de alto risco são o alvo de estudos desenvolvidos na Unicamp, no âmbito do Laboratório de Farmacologia Cardiovascular da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Ambulatório de Hipertensão Resistente do Hospital de Clínicas (HC). Técnicas inovadoras têm permitido identificar cada vez mais precocemente alterações vasculares decorrentes da hipertensão arterial e relacionados às causas de morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares, como infarto e derrame cerebral. Os diagnósticos podem alertar para a necessidade de medidas preventivas antes que lesões se instalem e comprometam o sistema vascular de maneira irreversível, e contribuem para avaliar a eficácia de medicamentos controladores.
As razões da obesidade nas faixas etárias mais jovens são sobejamente conhecidas: além de predisposição motivada por herança genética, as causas incluem o sedentarismo e os hábitos alimentares inadequados, baseados em ingestão excessiva de carboidratos e gordura. O problema se agrava com a incidência cada vez maior de pressão arterial alta na população obesa – fenômeno que passou a ser diagnosticado com maior frequência em crianças e adolescentes -, devido a um desequilíbrio entre os hormônios produzidos pelos adipócitos (células do tecido adiposo), entre os quais se destaca a leptina, e aqueles responsáveis por regular a pressão arterial, como a angiotensina II.
Portanto, não só a convivência das pessoas com a hipertensão é mais prematura do que se pensava, como também, devido ao aumento da expectativa de vida, poderão carregar a doença por muito mais tempo. O quadro aponta para a importância de métodos diagnósticos capazes de avaliar precocemente riscos advindos desse maior convívio com a doença e para a necessidade de antihipertensivos cada vez mais eficazes, até porque vem aumentando significativamente o número de hipertensos resistentes às drogas atualmente disponíveis.
Há cerca de 30 anos, a hipertensão resistente ocorria entre 1% e 3% da população de hipertensos; hoje, entre 15% e 17% dos portadores de pressão alta apresentam hipertensão de difícil controle, revela o médico cardiologista e farmacologista Heitor Moreno Junior, do Departamento de Clínica Médica da FCM e coordenador dos estudos na Unicamp.
“Tínhamos historicamente menor número de hipertensos resistentes porque o índice de massa corporal era menor na população. Nos últimos vinte anos, concomitantemente com o aumento da população de obesos, cresceu também o número de pessoas com níveis de pressão arterial mais difíceis de serem controlados. Estima-se um preocupante aumento desse contingente, já que a tendência é de se viver mais tempo com a hipertensão”, observa o especialista.
Frentes de ataque
Uma das frentes das pesquisas conduzidos na Universidade é, conforme explica Moreno, o estudo de novos hipertensivos ou de associações e combinações sinérgicas entre fármacos dotados de diferentes mecanismos de ação sobre a hipertensão, capazes de melhorar a eficiência do tratamento de pacientes resistentes. Outra frente é a aplicação de métodos avançados de diagnósticos para identificar e possibilitar a prevenção de riscos de mortalidade cardiovascular em hipertensos, como a aterosclerose, doença crônico-degenerativa que leva à obstrução das artérias (vasos que levam o sangue para os tecidos) devido ao acúmulo de lipídios, como o colesterol, em suas paredes. A aterosclerose pode causar danos irreversíveis a órgãos vitais e até mesmo levar à morte.
Um dos exames é o ultrasom das carótidas (artérias localizadas no pescoço e responsáveis por transportar o sangue do coração ao cérebro) para a avaliação da estrutura do endotélio, tecido que reveste a parede dos vasos sanguíneos. O exame permite observar microscópicas alterações na espessura da parede vascular resultantes do acúmulo de ateromas (placas de gordura). Os dados obtidos possibilitam estabelecer o tempo de instalação do processo de espessamento e prognosticar sua eventual evolução na direção da aterosclerose.
Outra técnica consiste na análise da velocidade da onda de pulso. Quando o sangue é ejetado pelo coração, há um impacto na parede da artéria aorta que se propaga por todo o sistema arterial. A velocidade de propagação dessa pulsação pode ser mensurada e eventuais alterações de onda são consideradas marcadores de risco cardiovascular precoce. Se o vaso perder a elasticidade e tornar-se mais rígido devido à deposição de ateromas em seu interior, haverá importantes alterações na velocidade, e essa manifestação pode sinalizar uma forte propensão para a aterosclerose.
Envelhecimento
Alterações vasculares em geral estão associadas ao processo degenerativo do organismo decorrente da senilidade. Porém determinadas doenças, além da hipertensão arterial, representam um alto fator de risco para o desenvolvimento precoce de lesões ateroscleróticas, como a intolerância à glicose ou o diabetes, a obesidade e a dislipidemia, que é a denominação do aumento anormal da taxa de lipídios no sangue. Batizado de síndrome metabólica, o conjunto desses achados tem respondido por elevados índices de morbidade e de mortalidade cardiovascular em diferentes faixas etárias.
“Nossos estudos são orientados, portanto, por uma dupla preocupação: a primeira é identificar mais precocemente o risco de mortalidade por doença cardiovascular e a segunda é poder proporcionar aos pacientes medicamentos com o poder de evitar a progressão acelerada das complicações cardíacas e vasculares”, acentua Heitor.
O grupo de pesquisa que ele coordena vem avaliando o efeito da terapêutica com diversos fármacos sobre essas alterações precoces da aterosclerose em um universo de pacientes de alto risco que não é pequeno.
“Se a hipertensão resistente atendida nos postos da rede pública de saúde e nos consultórios manifesta-se, proporcionalmente, segundo a média estatística de cinco pacientes para cada uma centena de hipertensos, em nosso ambulatório o número chega a 30 portadores refratários, levando-se em consideração o nível terciário do HC”, salienta o cardiologista.
A Unicamp, relata ele, adota os avançados métodos diagnósticos desde 2001 e foi precursora da implantação das técnicas no Brasil, apenas dois anos após a sua adoção nos Estados Unidos. O alto custo dos equipamentos ainda torna proibitiva sua utilização em larga escala em clínicas e postos da rede básica de saúde. Nestes, contudo, destaca Heitor, é necessário se dedicar cada vez mais atenção à identificação e prevenção precoces de problemas cardiovasculares, valendo-se de exames clínicos e de sangue simples e rotineiros, porém capazes de auxiliar na verificação do risco vascular, como o cálculo do índice de massa corporal (IMC), a medida da pressão arterial e os exames laboratoriais para a determinação do colesterol, triglicérides e glicose no sangue.
Os estudos conjuntos do Laboratório de Farmacologia Cardiovascular e do Ambulatório de Hipertensão Resistente contam com a participação de doze alunos da FCM e financiamento das principais agências de fomento. As pesquisas já resultaram em trabalhos de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de doutorado, as quais foram publicadas em periódicos nacionais e internacionais.
* Matéria de PAULO CESAR NASCIMENTO, do Jornal da Unicamp, 1 a 14 de junho de 2009 – ANO XXIII – Nº 431, publicada pelo EcoDebate, 15/06/2009
** Matéria indicada por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebare.
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