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‘Os rios da Amazônia são os corredores da biodiversidade da floresta’. Entrevista especial com Glenn Switkes

rio na Amazônia

Um dos principais críticos do sistema de geração de energia via hidrelétricas, Glenn Switkes, coordenador da ONG International Rivers, concedeu entrevista por telefone à IHU On-Line para falar dos projetos do desenvolvimento de projetos de produção de energia na Amazônia. Enfático, o estadunidense aponta impactos sociais e ambientais bastante importantes para a vida daqueles que vivem nas regiões que serão inundadas e que vivem dos rios. “No caso do Rio Madeira, nossos estudos mostram que é bem possível que a espécie que irá dominar os lagos é a das piranhas, que criam situações muito perigosas e de pouca qualidade de alimentação para as populações locais. As inundações, que podem ser uma coisa catastrófica, também irão interromper o caminho de vários nutrientes favoráveis à agricultura”, salienta Glenn.

Jornalista, cineasta e historiador, Glenn Switkes representa a International Rivers na América Latina e vive no Brasil há muitos anos. Tanto que já conhece o problema de grande parte dos nossos rios, principalmente aqueles que serão modificados em função desse projeto de desenvolvimento via construção de hidrelétricas na Amazônia. “Eu acho que a visão de conquistar os rios da Amazônia com a construção de grandes barragens é antiquada, obsoleta, que vem dos anos 1980, ou seja, é uma visão militar de ocupar a Amazônia e transformá-la numa estratégia econômica e política”, critica.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quem defende a construção das hidrelétricas diz que para garantir energia é preciso avançar na Amazônia. Em quanto tempo o Brasil irá sentir as consequências da evolução desses projetos sobre a floresta?

Glenn Switkes – O Brasil está numa situação muito tranquila em termos de energia nesse momento. O consumo de energia está abaixo do nível consumido no ano passado, principalmente devido à recessão econômica. É um momento muito oportuno para o país reorientar seu planejamento energético. Então, primeiro, não há emergências, ninguém está ameaçado a ficar a luz de velas, por isso os projetos não precisam sair “na marra”. Segundo: eu acho que a visão de conquistar os rios da Amazônia com construção de grandes barragens é antiquada, obsoleta, que vem dos anos 1980, ou seja, é uma visão militar de ocupar a Amazônia e transformá-la numa estratégia econômica e política por parte de gente mal intencionada e ignorante, mas principalmente de grandes empreiteiras que querem construir essas barragens de qualquer forma. Sabemos bem o nome delas: Camargo Correa e Andrade Gutierrez, Odebrecht. A política está justificada pelos interesses de quem está empurrando o projeto. Os rios da Amazônia são os corredores da biodiversidade da floresta. Mexendo com isso, o impacto será muito sério na possibilidade de sobrevivência da floresta e dos povos da floresta.

IHU On-Line – Quais são os principais efeitos socioambientais desses empreendimentos?

Glenn Switkes – Obviamente, tem um impacto direto: inundação das casas das pessoas, sendo preciso mandá-las embora. A história mostra que os interesses de construtores de barragens não são no sentido de promover o desenvolvimento, de levar esses pobres para uma vida melhor. Basicamente, eles querem se livrar desses “obstáculos para o desenvolvimento do país”. No caso do Rio Madeira, estão pegando os ribeirinhos e colocando numa fazenda longe do rio, em terra muito pobre. Ao invés de ter peixes e uma base para plantar e colher, eles vão para um deserto receber cestas básicas durante dois ou três anos e depois ficam à sua própria sorte. Essa é uma das características de como se trata as pessoas atingidas. No caso da Amazônia, existe outro impacto social e econômico muito importante: as mudanças abruptas na natureza dos rios. Muitas pessoas na Amazônia têm como principal fonte de alimentação os peixes do rio e, ao construir barragens, estamos mudando a natureza do rio e transformando-o num lago de águas paradas que favorecem mais algumas espécies no detrimento da maioria das espécies de peixes. Ao invés de ter centenas de peixes, depois da construção, apenas meia dúzia sobrevive bem e isso cria uma situação de empobrecimento para os pescadores. No caso do Rio Madeira, nossos estudos mostram que é bem possível que a espécie que irá dominar os lagos é a das piranhas, que criam situações muito perigosas e de pouca qualidade de alimentação para as populações locais. As inundações, que podem ser uma coisa catastrófica, também irão interromper o caminho de vários nutrientes favoráveis à agricultura e, com isso, você vai empobrecer as bases que perderão a possibilidade de viver bem. Quem irá sofrer essas consequências são pessoas que, teoricamente, não são atingidas pelas inundações e, por isso, não irão receber nenhum tipo de indenização e vão sofrer muito.

Projetos como o de Belo Monte terão impactos fortes nas cidades. Altamira e Xingu serão inundados com migrantes, que virão em busca de trabalho. A população da região vai mais do que dobrar durante a época de construção. Já é uma região carente, que necessita de atendimento de saúde, escola, atendimento básico. Durante esse período, será uma tristeza total: aumentarão a violência, o círculo de drogas, a prostituição. Então, essas cidades serão transformadas em grandes canteiros de obras com condições muito precárias.

IHU On-Line – Com tantos alertas e demonstrações que provam os riscos desses empreendimentos, por que, em sua opinião, os projetos continuam avançando?

Glenn Switkes – Porque rola uma “grana” para as empresas que estão tocando esse projeto e também rola por “debaixo do pano” para os políticos. Isso aconteceu na empresa Camargo Corrêa, por exemplo. Há esquemas feitos diretamente entre políticos e empreiteiras. O governo é, obviamente, cúmplice desse esquema, assim como o Ibama. Estamos numa época, com as eleições chegando, em que há um esforço muito grande para atropelar os direitos das populações locais e para empurrar os projetos a qualquer custo. Isso ocorreu com os militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens, que foram presos por protestar na barragem de Tucuruí e já estão há mais de 20 anos sem receber uma indenização justa. Há quatro lideranças que estão na prisão de segurança máxima do Pará, ou seja, são presos políticos.

IHU On-Line – O senhor falou que a paralisação da não-construção da hidrelétrica de Santa Isabel é uma explicação para entendermos as alianças políticas que estão se formando para as próximas eleições. Que alianças são essas e de que maneira a paralisação da hidrelétrica de Santa Isabel lhes interessa?

Glenn Switkes – Essa questão de Santa Isabel é muito curiosa. A única manifestação da desistência foi feita numa comunicação via oral numa instância da Câmera Técnica do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Não houve nada escrito. Foi uma estratégia do governo para calar e cortar qualquer debate sobre a questão das hidrelétricas no Rio Araguaia. O Carlos Minc vem espalhando que ele e Lula são contra hidrelétricas no Araguaia, mas isso, para nós, não vale muito. Qualquer coisa que Minc fale não vale muito hoje em dia. Essa questão, se for realmente conduzida, é temporária. O projeto já está no Ibama, ou seja, não há uma desistência do processo de licenciamento. Provavelmente, eles irão prosseguir com o projeto depois que resgatarem os guerrilheiros que lutaram na Guerrilha do Araguaia.

(Ecodebate, 12/06/2009) publicado pelo IHU On-line, 09/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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