O negócio do veneno é mais rentável do que o do remédio. Entrevista com Sebastião Pinheiro
Hoje, assegura Sebastião Pinheiro, todos os seres vivos estão contaminados com resíduos de DDT, o maior causador de câncer de próstata e de mama
A IHU On-Line conversou, por telefone, com o agrônomo Sebastião Pinheiro, responsável, junto com outros pesquisadores gaúchos, pela pesquisa divulgada em 1996, que avaliava a relação entre o índice de suicídio, o cultivo de fumo no município de Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul e os agrotóxicos. Pouco mais de dez anos depois de realizar um trabalho denunciando casos de suicídios na região, Pinheiro diz que novos estudos não chegaram a nenhuma conclusão, e relata que crianças em idade escolar, no município de Santa Cruz do Sul, até recentemente tomavam medicamentos para curar a depressão. Segundo ele, a justificativa para a aumento da doença na região é clara: os jovens “colhem fumo com as mãos, o veneno que está nas folhas da planta entra no corpo deles e provoca uma depressão”.
De acordo com o pesquisador, o negócio financeiro mais rentável, atualmente, é transformar petróleo em medicamento ou veneno. “Não é possível, através de remédios, fazer com que toda uma população fique doente, mas é fácil criar uma agricultura deficiente”, alerta. A invasão dos agrotóxicos não se restringe apenas à agricultura. Sebastião Pinheiro conta que, no Rio de Janeiro, estão vendendo uma mistura tóxica conhecida como “chumbinho”, que tem na sua base um dos inseticidas mais perigosos do mundo, o TEMIK. “Os traficantes misturam esse TEMIK com cocaína, e essa combinação faz o efeito do tóxico aumentar muito. A pergunta é: Misturar veneno com cocaína é um conhecimento que traficante, analfabeto tem condições de saber? De onde vem essa ideia? Não será de uma fábrica gigantesca?”, questiona.
O pesquisador enfatiza ainda que o “índice de envenenamentos, de nascimento de crianças com distúrbios neurológicos, com alterações hormonais chamados de disrupção endócrina, é a maior catástrofe que existe nesse planeta fora a contaminação dos alimentos, dos rios”.
Sebastião Pinheiro é engenheiro agrônomo, engenheiro florestal e ex-analista do Laboratório de Resíduos de Agrotóxicos do Meio Ambiente, e funcionário do Núcleo de Economia Alternativa (NEA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor participou de uma pesquisa em 1996 que advertia, entre outras coisas, que o uso de agrotóxicos pela indústria do fumo induzia a suicídios no município de Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul. Como está a questão atualmente?
Sebastião Pinheiro – Após aquela pesquisa inicial, o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ) financiou um novo estudo com médicos e doutores, da qual eu não participei. Nessa análise, eles fizeram alguns levantamentos e, ao que me consta, não chegaram a nenhuma conclusão. Suicídio não tem uma origem única, cartesiana, direta; ele pode ter uma série múltipla de fatores. Assim, um grupo de médicos não tem condições de analisar alterações no campo eletromagnético de pessoas expostas a praguicidas ou agrotóxicos. No momento em que eles não têm capacidade de avaliar isso, o resultado do trabalho não condiz com a realidade.
Hoje, sabemos que a maioria dos agrotóxicos altera o campo eletromagnético das pessoas, levando a uma série de fatores, entre eles a pré-disposição ao suicídio. No entanto, se analisarmos qualquer documento, seja ele civil ou militar, percebemos que uma das causas mais importantes é a depressão causada pela intoxicação, a qual desencadeia os suicídios. Como o assunto é complexo, necessitaria uma equipe multidisciplinar com amplo conhecimento de venenos para investigar o caso. Entretanto, não há, no hemisfério sul, nenhuma equipe com esse gabarito.
Fumageiras no RS
Em Santa Cruz do Sul, a prefeitura tinha, até recentemente, um serviço de dar às crianças remédios faixa-preta. Crianças com idade escolar não podem tomar esses medicamentos. Por que os jovens do município têm depressão? Porque eles colhem fumo com as mãos. O veneno que está nas folhas da planta entra no corpo deles e provoca uma depressão; a nicotina por si só já é um depressivo. As empresas de agrotóxicos conseguem derrubar um presidente em algumas horas. Então, não podemos ser ingênuos e pensar que esses assuntos serão esclarecidos rapidamente.
IHU On-Line – Que fatores favorecem a contaminação através de agrotóxicos?
Sebastião Pinheiro – No Rio Grande do Sul, existem duas grandes bacias hidrográficas. Quase toda a água que chove sob o estado vai para a Bacia do Jacuí ou para a Bacia do Ibicuí. Assim, os herbicidas, inseticidas e fungicidas contaminam as pessoas, primeiramente através da água. Além disso, a contaminação se dá também pelo ar e, pior ainda, através dos alimentos ingeridos. Quando comemos, estamos ingerindo resíduos tóxicos de elementos aplicados no campo, e esses resíduos chegam um milhão de vezes mais tóxicos nos alimentos do que quando aplicados na agricultura. Isso acontece porque a molécula química sofre uma alteração pela luz do sol, pela oxidação química, pelo calor etc. Então, o veneno utilizado nas lavouras se transforma em uma substância mais perigosa.
IHU On-Line – Há quanto tempo somos contaminados por essas substâncias?
Sebastião Pinheiro – Os primeiros venenos foram inventados na Europa e começaram a ser utilizados a partir de 1900. Eles foram inventados para serem usados nas guerras e também para matar pragas, ou seja, começaram a ganhar destaque a partir da Primeira Guerra Mundial. Com isso, a atividade militar passou a ser uma atividade civil.
O negócio mais rentável, atualmente, é transformar petróleo em medicamento ou veneno. Não é possível, através de remédios, fazer com que toda uma população fique doente, mas é fácil criar uma agricultura deficiente. Assim, o negócio financeiro do veneno é muito mais importante e rentável do que o do remédio. Todos os países precisam ter um estoque de armas químicas, e ele é obtido mais barato conforme mais veneno se usa. Essa é uma questão econômica. Por isso, todos os países procuram ter um complexo industrial para fabricação de armas químicas.
Quando Saddam Hussein brigou com Bush, os americanos foram buscar no Iraque fábricas de veneno, vendidas em 1981 pelos alemães. Se fosse uma coisa criminosa, os alemães não teriam vendido. Venderam porque ganharam seis bilhões de dólares e depois ainda invadiram o país. Então, essas questões de agrotóxicos são estratégicas do ponto de vista econômico, político e ideológico.
Contaminação no Brasil
O rio mais importante do Brasil, Paraíba do Sul – entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais –, está localizado na maior área de PIB do país, pois nessa região se concentram grandes empresas. Há um mês, caíram 300 mil litros de um veneno proibido em todo o mundo, chamado Ensosulfan. Essa informação não saiu na grande imprensa porque as empresas de veneno não deixam que isso venha a público. Nessa região extremamente estratégica, quantas pessoas estão tomando água contaminada? Quantos casos de câncer e leucemia irão existir? Mas esses questionamentos não representam um problema para a indústria do agrotóxico; pelo contrário, é lucro, porque a mesma empresa que faz o veneno fabrica o antídoto e vende o tratamento de desintoxicação.
Hoje, no Rio de Janeiro, estão vendendo um tal de “chumbinho”, um inseticida chamado Temik, um dos mais perigosos do mundo. Os traficantes misturam esse Temik com cocaína, e essa combinação faz o efeito do tóxico aumentar muito. A pergunta é: Misturar veneno com cocaína é um conhecimento que traficante, analfabeto tem condições de saber? De onde vem essa ideia? Não será de uma fábrica gigantesca?
O problema do uso de venenos, hoje, é mil vezes pior do que em 1980, quando não existia lei. Isso porque vivemos uma ditadura econômica, e antes havia uma ditadura militar. Naquela época, os generais eram gerentes das fábricas de agrotóxicos e ganhavam propina sobre as vendas. Atualmente, a comercialização está aumentando de 12 a 15% ao ano. Qual é a função desse crescimento? É por necessidade ou por que é um negócio sem controle?
IHU On-Line – Como e onde são feitos os testes com agrotóxicos? Os países subdesenvolvidos estão mais susceptíveis a contaminação?
Sebastião Pinheiro – A Suíça, um país extremamente rico, tem a primeira maior empresa de agrotóxicos do mundo, chamada Ciba-Geigy. Essa companhia, na década de 80, utilizou crianças latino-americanas como cobaias para testar um agrotóxico comprovadamente causador do câncer em seres humanos. Na Suíça – já estive lá –, existe um movimento muito forte de jovens e ambientalistas para que as empresas não usem animais em pesquisas laboratoriais. Não querem usar animais, mas utilizam crianças. Eu estava na Alemanha quando isso foi denunciado, e o gerente da empresa suíça disse que, a partir daquele momento, as pesquisas deles não usariam mais papel timbrado, porque os relatórios foram feitos nesses papéis e ali estavam registradas todas as pesquisas feitas com crianças na América Latina.
Os venenos deixaram de ser utilizados em grandes quantidades na Europa, e os europeus, a partir de 1970, passaram a transferir todas as fábricas de agrotóxicos do território europeu e norte-americano para a Índia, Brasil, Argentina, o México e a China. As empresas montaram as mesmas fábricas em países periféricos. Os governos corruptos brasileiros aceitam essas empresas, oferecem terrenos e condições para que elas funcionassem aqui. Com dinheiro público, foi instalada em Camaçari, Bahia, uma fábrica de herbicidas.
Um grupo de pessoas que não tem um objetivo para seus filhos e netos não forma um país, uma sociedade; é um grupo de bandoleiros que espera para levar vantagens. O Brasil é o maior mercado de agrotóxicos do mundo, o mais rentável.
Danos à saúde
O desastre que aconteceu em Bhopal, na Índia, em dezembro de 1984, revela o perigo que os agrotóxicos representam para a sociedade. Nessa data, cerca de 40 toneladas de metil isocianato e outros gases letais vazaram da fábrica de agrotóxicos da Union Carbide Corporation, e mais de 15 mil pessoas foram intoxicadas. Durante mais de 10 anos, as crianças nasceram sem o globo ocular.
O índice de envenenamentos, de nascimento de crianças com distúrbios neurológicos, com alterações hormonais chamados de disrupção endócrina, é a maior catástrofe que existe nesse Planeta, fora a contaminação dos alimentos, dos rios. No fundo do oceano Atlântico, existem 120 milhões de toneladas de DDT depositadas na lama. Hoje, não existe um ser vivo que não tenha em suas células resíduos de DDT. Não há leite materno que não tenha DDT – essa substância é o maior causador de câncer de próstata e de mama. Sempre que denunciei isso, fui levado para o FMI ou punido pelo Ministério da Agricultura; segundo eles, eu era contra o progresso.
IHU On-Line – Na cultura do fumo, qual é a média de agrotóxicos utilizada nas lavouras?
Sebastião Pinheiro – Em um ano de muita seca, há cerca de 10 anos, se chegou a utilizar 30 quilos de agrotóxicos por hectare, e alguns dados dizem que já se utilizou 100 quilos por hectare.
Fumo é um cultivo muito raro e um dos mais recentes do mundo, e não existia antes de 1452. Cristovão Colombo, quando chegou a América, descobriu uma coisa rara: os índios cultivavam uma planta que secavam, enrolavam, faziam o charuto, fumavam e ficavam muito relaxados.
Imediatamente, sementes foram levadas para a Espanha. A partir daí, a cultura do fumo é uma cultura que passa a ser oferecida pela Coroa Espanhola. Como o negócio do fumo virou um vício, os ingleses também queriam dominar esse comércio. Então, a Inglaterra invadiu a colônia Espanhola na América do Norte e instalou uma colônia de imigrantes para plantar fumo. Hoje, todo o negócio do fumo pertence à Coroa Inglesa, que aluga a terra de forma barata, e não paga o que deveria. Além disso, tem no agricultor uma pessoa descartável e que, quando fica doente, joga fora. Empresas como a Souza Cruz são fachada. O maior negócio do mundo é vender fumo, porque esse é um narcótico legalizado.
Aqui no Brasil, quando um agricultor quer plantar fumo, ele é obrigado a ir a uma empresa fumageira, e a comprar a semente, o fertilizante e o agrotóxico dessa companhia. Além disso, precisa a entregar toda a sua produção. Além do mais, deve pedir um crédito no Banco do Brasil em nome da fumageira, que recebe esse crédito e o revende ao agricultor.
IHU On-Line – Como compreender que a indústria fumageira é apontada como modelo de tecnologia e ao mesmo tempo expõe os trabalhadores desse ramo a péssimas condições de trabalho?
Sebastião Pinheiro – Quando vejo essas informações na mídia, fico assustado. Qual é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul, onde se cultiva fumo? Eles não estão entre os cem primeiros, porque toda a riqueza criada pelo fumo não é uma riqueza que se divide entre a população, em desenvolvimento social e humano. Isso é uma forma de roubo concedido. 73% de um maço de cigarro são impostos federais. Então, o maior beneficiário disso é o governo na arrecadação de impostos. Por isso, administrações como a de Yeda Crusius estão subordinadas a essas empresas. As fumageiras são as responsáveis no Brasil por todo o contrabando de fumo. Existem empresas aqui que foram compradas com dinheiro da primeira Guerra do Golfo.
Plantações no RS
No Rio Grande do Sul, existem 500 mil plantadores de fumo. As taxas de juros seriam baixas se esses agricultores se reunissem e tirassem um empréstimo só, como a Souza Cruz faz. No momento em que a Souza Cruz é responsável por esse intermédio, ela fica com parte das taxas, ou seja, ganha dinheiro ao revender o crédito. As empresas de fumo arrecadam com antecedência os impostos, mas, para isso, exigem que o banco dê crédito para seus agricultores plantarem o fumo. Então, eles oferecem o pagamento do imposto adiantado e abatem o valor das taxas sobre esse pagamento. Isso não é democrático, mas tributariamente é legal.
A Souza Cruz, no passado, comprava 18 navios de agrotóxicos da Alemanha. Ela não pagava taxa nenhuma e vendia o produto a preço de varejo. Quanto ela ganhou? De 400 a 600% sobre a venda. Isso mostra que o negócio do fumo é financeiro. No entanto, não existe um centro nacional de pesquisa sobre esse produto. A Embrapa tem centros de pesquisas sobre vários produtos, menos de fumo. Por quê? É proibido! É proibido nas faculdades de agronomia se estudar esse modelo de cultivo.
IHU On-Line – Como a lavoura do fumo e o uso de agrotóxico praticado nela ajudam a solidificar a monocultura e extinguir a agricultura familiar?
Sebastião Pinheiro – O cultivo do fumo é muito débil, cada pé da planta chega a 1,80 de altura e necessita de um cuidado fantástico. Além disso, esse plantio precisa de uma mão-de-obra gigantesca. Uma família rural com dez pessoas não pode tomar conta de mais de 30 mil pés de fumo. O trabalho é maciço, é preciso cuidar de pé por pé para que não nasça inço. Como necessita de uma grande quantidade de mão-de-obra, a indústria do fumo destrói a agricultura familiar, porque o agricultor familiar é obrigado a plantar tudo que necessita. O agricultor do fumo, por sua vez, não pode ter outros cultivos dentro da sua propriedade, porque a fumageira não permite. Então, esse homem passa a ser um assalariado na área rural. Ele trabalha na terra, é dono dela, mas o vínculo que tem com essa terra é de salário. Descendentes de plantadores de fumo não querem dar continuidade a essa atividade e saem da propriedade para trabalhar de operário em uma fábrica de calçados. Para o pai que criou esse filho, ver isso é o maior golpe, pois esse fato representa uma ruptura entre gerações e o respeito. O modelo econômico das fumageiras é uma das causas incidentes dos suicídios. O veneno faz mal, e esse modelo de exploração é diabólico.
IHU On-Line – Que percentual de terras do estado é destinado a esse plantio?
Sebastião Pinheiro – Um terço dos municípios do Rio Grande do Sul tem áreas plantadas de fumo. Planta-se fumo no estado em aproximadamente 200 municípios; desses, alguns plantam de 30 a 40% da área de todo o município. Por volta de 1960, a Rodésia, uma região da África no período da colonização, tinha um regime racista e não permitiam que os negros vivessem no país. Hoje, a região da Rodésia em que existia fumo se transformou em Zimbábue, Zâmbia, Uganda. Essa gente emigrou porque os árabes passaram uma moção às Nações Unidas dizendo que, em função do racismo, nenhum país poderia comprar fumo da Rodésia. Por isso, houve uma grande migração de capitais ingleses da Rodésia para o Brasil, que passou a produzir fumo principalmente no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. As áreas de colônias que já existiam nesses estados foram utilizadas para esse fim.
IHU On-Line – O que mais choca nesse tipo de trabalho?
Sebastião Pinheiro – O mais dramático é o trabalho final. O ponto mais grave é que, depois de plantar o fumo, precisa secá-lo num forno e isso obriga as pessoas a trabalharem dia e noite. Não podem dormir, porque qualquer descuido pode incendiar toda a produção. Outro problema dramático é a venda. Quem determina a qualidade e o preço do produto são as fumageiras. Elas fazem uma pesquisa e averiguam como está a produção em outros países. Então, alteram a classificação aqui no Brasil. Todo o fumo de alta qualidade é comprado como de segunda categoria para aumentar a margem de lucro delas, que ganham sobre o trabalho dos agricultores. Então, a concentração de suicídios nos municípios é sempre próxima à comercialização da safra, logo depois da colheita. O trabalhador imagina que irá receber por uma classificação máxima, e recebe menos. Assim, se acha incompetente e acaba se suicidando. A indústria do fumo é uma máfia
(Ecodebate, 11/06/2009) publicado pelo IHU On-line, 10/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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