O pacote anti-ambiental. A ofensiva dos grupos econômicos
O caso brasileiro é emblemático. Assiste-se a uma ofensiva sem precedentes de grandes grupos econômicos, capitaneados pelo agronegócio, sobre os recursos naturais. “Seja por intermédio de suas bancadas na Câmara e no Senado ou através de suas entidades de classe, os setores ligados ao agronegócio e às obras de infra-estrutura estão mobilizados de Norte a Sul para reverter pontos da legislação ambiental por eles considerados como um entrave ao desenvolvimento produtivo do país”, afirma Maurício Thuswohl.
Segundo ele, os ruralistas iniciaram a maior ofensiva contra leis ambientais jamais vista na história brasileira. “Ao que tudo indica, diz Maurício Thuswohl, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistados pelo Brasil em sua política ambiental”.
Algo semelhante, afirma a senadora Marina Silva: “A atual temporada de caça à proteção ambiental não arrefece”, constata a ex-ministra acerca do lobby permanente, incessante e vigoroso dos ruralistas para o desmanche da legislação ambiental que obstaculiza os seus interesses exploratórios.
Marcio Santilli do Instituto Sócio Ambiental (ISA), enxerga um verdadeiro complô contra a legislação ambiental. Segundo ele, “os ruralistas querem se livrar da reserva legal, que exige a manutenção de cobertura florestal em parte das propriedades rurais; empreiteiras querem fragilizar o licenciamento de obras e pagar o mínimo como compensação ambiental; grileiros querem legalizar a ocupação privada de terras públicas; e todos eles fizeram um pacto sinistro, para reunir os votos de parlamentares que lhes devem favores em torno de uma agenda negativa comum”.
Nunca tantos projetos que afetam o ambiente tramitaram no Congresso brasileiro como agora. No pacotão anti-ambiental, que Santilli classifica de pacto sinistro, encontram-se, entre outras, as seguintes iniciativas: Medida Provisória 452; Medida Provisório 458 – conhecida também como MP da Grilagem; alteração do Código Floresta; asfaltamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
Para Nilo D’Ávila, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, iniciativas como a MP 452, a MP 458 e as propostas de alteração no Código Florestal vão na contramão das metas de redução de desmatamentos assumidas internacionalmente pelo governo brasileiro no Plano Nacional de Mudanças Climáticas: “o governo tem um discurso mais verde para uso externo e outro, bem mais sombrio, para ser usado dentro do país”.
Todas as iniciativas têm em comum o ataque às poucas conquistas ambientais inscritas na constituição brasileira. A MP 452, acabava com a necessidade de licenciamento ambiental para intervenções de reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais, inclusive as que cortam a Amazônia. A MP chegou a ser aprovada na Câmara, mas foi obstruída no Senado por falta de quorum. A iniciativa, um projeto de lei de José Guimarães (PT-CE), passou na Câmara graças ao apoio da base governista.
Por outro lado, a MP 458, aprovada na Câmara, permite legalizar milhares de posses de terras públicas com até 1.500 hectares (15 km2) nos Estados amazônicos. Com os adendos, chancela o festival de grilagem na região e abre portas para mais concentração agrária. Segundo a ex-ministra Marina Silva, a MP coloca a Amazônia em risco: “É a consagração da política nefasta do fato consumado. Avança-se sobre áreas públicas na certeza de que mais dia menos dia tudo será legalizado. É um convite a surtos futuros de grilagem, na expectativa de mais uma regularização que, como essa, beneficiará os grandes em nome dos pequenos e da questão social”, diz ela.
Para o especialista em ocupação humana e conflitos agrários na Amazônia e professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a MP 458 só serve aos interesses de grileiros e funcionários do Incra. Os ambientalistas acusam o senador José Sarney de ter indicado a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), da tropa de choque ruralista, como relatora da Medida Provisória 458 no Senado. Segundo os ambientalistas a decisão equivale a raposa tomar conta do galinheiro.
Na esteira de ataque à legislação ambiental, encontra-se ainda a guerra contra o Código Florestal. A bancada ruralista protesta contra a exigência de cumprimento do Código Florestal e quer alterá-lo por considerá-lo rigoroso. Henrique Cortez, coordenador do EcoDebate, lembra que a aprovação do código é de 1965. Segundo ele, “em 1965 a expansão da fronteira agropecuária praticamente não atingia o Cerrado e a Amazônia. De 1965 para cá quem desmatou além do permitido sabia que estava desmatando ilegalmente e o fez deliberadamente. Não é uma vítima inocente de uma lei injusta aprovada ‘ontem’”, afirma. O ambientalista comenta que “a Constituição brasileira ou de qualquer lugar do mundo não garante direitos adquiridos pela ilegalidade. A ninguém é facultado o direito de cumprir ou não a lei. Ilegalidade não se relativiza”.
Os ataques, e desrespeito sistemático à legislação ambiental, estão por detrás da lenta, mas vigorosa destruição da biodiversidade brasileira. Quatro décadas é o tempo que resta de vida para a Mata Atlântica — a floresta que, em 1500, recobria todo o litoral brasileiro e da qual, hoje, restam 7,9% — se o atual ritmo de destruição for mantido. É o que revela o estudo realizado pelo Atlas dos Remanescentes Florestais divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Estudo mostra que, a despeito de campanhas e alertas, o desmatamento persiste inabalável, no ritmo de 34 mil hectares ao ano desde 2000. Nessa velocidade, a floresta tem data para acabar: 2050.
Ainda mais grave. O Greenpeace acusou o governo brasileiro de financiar e lucrar com o desmatamento da Amazônia. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), segundo a Ong ambientalista é sócio de empresas frigoríficas que têm como fornecedores fazendas que derrubaram floresta recentemente. Entre 2007 e 2009, as cinco maiores empresas do setor, responsáveis por mais da metade das exportações brasileiras de carne, receberam US$ 2,6 bilhões do BNDES em troca de ações, aponta o Greenpeace em relatório divulgado, no qual investiga a cadeia de custódia da carne amazônica.
Acerca da Amazônia, a ativista ambiental indiana Vandana Shiva em entrevista ao jornal La Repubblica, com tradução postada no sítio do IHU, afirma que “a Amazônia não é só uma floresta. Não é só do Brasil. É, antes de tudo, o maior depósito de biodiversidade do mundo, a contribuição mais importante para a estabilidade climática e hidrogeológica que restou na terra. Por isso, é uma questão mundial. E posso dizer, por ter visto com os meus próprios olhos, que a destruição que está ocorrendo ali e a luta ímpar dos índios contra as empresas que querem madeira e matérias-primas e a quem não importa nada deles é uma questão global, e como tal deve ser tratada. Pelos governos em primeiro lugar”.
Vandana Shiva defende que uma atitude radical em relação à Amazônia. Segundo ela, “deveriam, sobretudo, se esquecer da palavra lucro quando se fala sobre essa área do mundo. Os únicos investimentos na Amazônia deveriam ser dirigidos para se garantir a sua sobrevivência e proteção. Só isso deveria ser considerado um ganho, em termos de estabilidade. O que eu espero concretamente é a formação de uma aliança global entre os países em nome da conservação da Amazônia”.
Conjuntura da Semana. Uma leitura das ”Notícias do Dia’’ do IHU de 27 de maio a 02 de junho de 2009
(Ecodebate, 04/06/2009) publicado pelo IHU On-line, 03/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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