Pesquisa em agricultura precisa correr para incluir aquecimento global, artigo de Vinicius Neder
Mudanças no ambiente impõem desafio à ciência agrícola brasileira. Simpósio debateu o tema no último dia da Reunião Magna Anual da Academia Brasileira de Ciências, no Rio
A pesquisa científica em agricultura precisa correr contra o tempo para alertar governantes a respeito dos impactos das mudanças do clima e ajudar na formulação de políticas públicas capazes de adaptar a atividade agropecuária a novas realidades marcadas pelo aquecimento global.
Para o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), trata-se de pensar um novo modelo de desenvolvimento que preserve a Floresta Amazônica, cujo desmatamento por queimadas é o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa por parte do Brasil. “A base seria uma revolução de ciência e tecnologia”, afirmou Nobre.
O pesquisador do Inpe coordenou nesta quarta-feira, dia 6, o simpósio “Mudanças Climáticas e Agricultura”, no último dia da Reunião Magna Anual da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio. “Não há país tropical plenamente desenvolvido”, completou Nobre, para lembrar que não existem modelos de desenvolvimento a serem copiados pelo Brasil.
Estudo da Embrapa apontou que, por volta de 2020, o Brasil poderá ter perda anual de US$ 7,4 bilhões na produção de grãos por causa das mudanças no clima, segundo informou no simpósio o pesquisador Eduardo Assad, da estatal de pesquisa agrícola. Para buscar novas tecnologias capazes de minimizar os efeitos negativos, seria preciso investir cerca de US$ 450 milhões ao ano, ainda segundo estudos da Embrapa.
Os ganhos de produtividade que colocam o Brasil atualmente como uma potência agrícola estão assentados em ciência e tecnologia. “O Brasil é o responsável pelo desenvolvimento de ciência e tecnologia em agricultura tropical”, destacou Luiz Cláudio Costa, reitor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e especialista em meteorologia agrícola, também em palestra no simpósio desta quarta-feira. A necessidade de mitigar os efeitos do aumento das temperaturas oferece “um novo paradigma para a ciência agrícola tropical”, completou o pesquisador.
A busca desse novo paradigma enfrenta algumas lacunas científicas, conforme enumerou Carlos Nobre na apresentação de abertura do simpósio. Uma delas é responder se a produção de biocombustíveis oferece riscos de aumentar o desflorestamento da Amazônia e de ameaçar a segurança alimentar. Se há evidências de que a produção de etanol a partir do milho nos Estados Unidos influencia o preço de alimentos, o mesmo não se verifica no Brasil.
O problema é a influência indireta da produção da cana-de-açúcar na Amazônia. O avanço da área plantada de cana sobre o Cerrado leva à expansão da pecuária e da soja na Região Amazônica. Segundo Nobre, monitoramentos indicam aumento do desmatamento na Amazônia a partir do crescimento do plantio de soja no Mato Grosso e a expansão do número de cabeças-de-gado na Amazônia, entre 1992 e 2006, foi de 150%, muito acima da média nacional.
Em relação à pecuária, a baixa produtividade se apresenta como um problema. A densidade média dos rebanhos no Brasil é de 1 cabeça-de-gado por hectare – e ela é ainda menor na Amazônia. Há 26 anos, a Empraba apresenta estudos sobre a importância de se incentivar a integração entre pecuária e plantio de grãos nas propriedades rurais, mas as pesquisas não se traduzem em políticas públicas, afirma Eduardo Assad.
O pesquisador pondera que a política de integração deverá sair ainda neste ano e que a proposta de reduzir a zero o desmatamento da pecuária na Amazônia, feita pelo Ministério da Agricultura, poderá induzir ao aumento de produtividade.
O plantio controlado da cana-de-açúcar, capaz de garantir o fornecimento para a produção de biocombustíveis sem pressionar por mais desmatamento na Amazônia, segundo Assad, depende também de uma política pública: a aprovação do zoneamento agroecológico da cana.
O projeto de zoneamento deriva de estudo da Embrapa, citado por Assad. A pesquisa aponta que seria possível ocupar 44 milhões de hectares com cana-de-açúcar, apenas em áreas de pastos degradados, fora da Amazônia e do Pantanal. A área total seria suficiente para produzir 300 bilhões de litros de etanol. Falta, porém, incluir os impactos das mudanças climáticas no zoneamento.
“Do ponto de vista econômico, temperaturas mais quentes podem aumentar a produção agropecuária em valor, ao beneficiar a cana-de-açúcar, mas deixariam vulnerável a segurança alimentar”, ponderou Assad durante sua palestra.
Assad citou estudo da Embrapa que aplicou os modelos de variação climática do IPCC nas previsões de funcionamento das zonas de risco climático – política do Ministério da Agricultura que orienta produtores quanto às melhores épocas para o plantio. Segundo o pesquisador, de 19 produtos, apenas a cana e a mandioca não teriam perdas econômicas diante de temperaturas mais altas. Elevação de 2oC, completou Assad, já bastaria para causar impactos negativos.
Segundo a apresentação de Luiz Carlos Costa, da UFV, mais nocivo do que o aumento das temperaturas médias é o crescimento das variações. “O aumento das temperaturas à noite reduz a produtividade agrícola”, informou Costa. Outros exemplos de mudanças são a ocorrência de veranicos mais extensos e a redução das geadas no Sul de Minas Gerais – que ameaça a produção de café, como demonstrou Assad, da Embrapa.
Quantificar os impactos e evitar perdas de produtividade são, segundo Costa, alguns dos principais desafios da ciência agrícola diante das mudanças climáticas. O pesquisador lembrou que as plantas gostam de CO2, pois usam a substância no processo de fotossíntese, mas ainda não se sabe quais poderão ser as reações dos vegetais em um ambiente com mais gás carbônico na atmosfera. Costa ressaltou também a importância de se desenvolver modelos de funcionamento da fotossíntese diante de um clima mais quente.
Falta de dados atrasa a ciência, dizem pesquisadores
A dificuldade no acesso a dados meteorológicos na Região Amazônica é um dos entraves para as pesquisas sobre mudanças climáticas no Brasil. Segundo Carlos Nobre, do Inpe, embora haja menos estações de medição na Amazônia, o problema está na divulgação.
“O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é quem colhe os dados, mas não os libera. É um problema político”, afirmou Nobre durante o simpósio desta quarta-feira na ABC. O pesquisador chamou a atenção para o problema durante a apresentação de Luiz Cláudio Costa, da UFV.
Segundo Jacob Palis, presidente da ABC, a entidade e a SBPC fizeram ofício pedindo mais clareza na divulgação de dados sobre o clima. Em seguida, Nobre defendeu a aprovação de uma lei de liberdade de informação como uma solução mais definitiva, manifestação que foi seguida de alguns aplausos durante o simpósio.
* Artigo originalmente publicado no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3756, de 07 de Maio de 2009.
** Enviado por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate.
[EcoDebate, 08/05/2009]
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