Concessão de rodovias sem estudo ambiental é parte de PAC ‘obreiro’ e ‘eleitoreiro’. Gabriel Brito entrevista Roberto Malvezzi
Grande carro-chefe da campanha presidencial de 2010, o PAC inclui em seu roteiro de obras diversas em rodovias país afora, a fim de atender às mais diversas demandas. Em seu pacote, está a proposição da MP 452, que dispensa de qualquer estudo prévio de impacto ambiental algumas obras de rodovias incluídas no Plano Nacional de Viação, em grande parte no Centro Oeste. A MP foi publicada no Diário Oficial da União em 24/12/2008, data por si só sugestiva, quando se conhece um pouquinho, e nada mais, do funcionamento de nossas instâncias políticas em tal época do ano.
Para analisar a nova empreitada, o Correio da Cidadania conversou com o agente pastoral Roberto Malvezzi, o Gogó, ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em sua opinião, tal projeto apenas vai na mesma esteira da falta de visão do futuro do país, apoiada ainda na popularidade de Lula, usada para “empurrar goela abaixo a destruição ambiental do Brasil”.
De acordo com Malvezzi, é estarrecedora a visão estratégica nacional, atrelada até a alma aos interesses do capital e absolutamente desconectada das crescentes necessidades de políticas econômicas ambientalmente responsáveis, especialmente num país de enorme potencial energético alternativo.
Tal imediatismo também valeria para explicar aonde vão os olhos do governo, mais precisamente lançados a 2010, haja vista as ‘Caravanas do PAC’ pelas cidades brasileiras.
Correio da Cidadania: O que pensa do fato de estarem envolvidas nas obras do PAC diversas rodovias no centro-oeste, local que se notabiliza por promover cada vez mais desmatamento e políticas que o favoreçam, sendo que a região se localiza em meio aos mais variados biomas?
Roberto Malvezzi: Pessoas como João Paulo Capobianco, até ontem no governo, ao sair, disse que “Lula não tem visão ambiental estratégica”. É nessa ótica que o presidente e seu governo têm que ser vistos.
O governo faz alguns remendos novos em panos velhos, mas não muda sua estratégia fundamental de desenvolvimento. Ela é essencialmente obreirista.
Portanto, ao fazer estradas e tantas outras obras de infra-estrutura, o que decide é seu papel em função dos interesses do capital, ainda que absolutamente imediatistas. Não é diferente no caso dessas estradas.
CC: O que pensa da MP 452, que dispensa de licença ambiental prévia as obras em rodovias que se incluem no plano nacional de viação?
RM: Seguindo a lógica, a questão ambiental é vista como empecilho, portanto, os ambientalistas também. Se prestarmos atenção aos objetivos do PAC, um deles é “mudar as leis”. Que leis? Exatamente aquelas que dificultam o avanço dessas obras. E quando fica impossível mudar?as leis, simplesmente passa-se a ignorá-las.
CC: A aprovação da MP com tal dispositivo, e contrariando a opinião do ministro do Meio Ambiente, seria uma prova cabal de que o atual governo federal não mudará em hipótese alguma seu pacto político até 2010?
RM: Exatamente. Experimentamos a mão pesada desse governo na questão da transposição do São Francisco, embora ela esteja literalmente patinando na lama. Lula usa sua popularidade para empurrar goela abaixo a destruição ambiental do Brasil. Isso é terrível.
Porém, temos que continuar nos perguntando que país queremos para o futuro, se o queremos com matas, com biodiversidade, com rios, com florestas, ou uma cratera a céu aberto, num calor infernal que vem nos trazendo o aquecimento global.
Lula dorme nos louros de sua popularidade, mas a história cobrará essa irresponsabilidade ambiental de quem podia jogar o nome que tem em defesa de um outro entendimento de desenvolvimento, dando poder ao povo, não atiçando o capital contra nossos bens naturais e nossas populações tradicionais.
CC: O ponto que diz ser obrigação do Ministério do Meio Ambiente definir em no máximo 60 dias se concede a licença para início das obras é outro instrumento de coerção para levar adiante as idéias contidas no projeto?
RM: São todas as medidas e atitudes que indicam a mesma direção, a mesma lógica. O importante é fazer essas obras, capitalizar não só o capital, mas também a candidatura de Dilma. Afinal, o PAC é seu marketing eleitoral.
CC: Por que nosso país tem comportamento tão ambíguo em questões ambientais, mostrando posições louváveis, ao menos no discurso, em alguns casos e se contradizendo no plano interno, com leis e MPs que desconsideram completamente as preocupações ambientais?
RM: É difícil saber se é mesmo só uma questão de visão de mundo, ou rendição aos interesses destrutivos do capital. Ainda quero acreditar que é uma visão equivocada de mundo, uma incapacidade de entender o momento que a humanidade atravessa, aquela velha mentalidade colonizada que não sabe sair na frente, mesmo que todas as cartas estejam nas mãos.
Temos um imenso potencial eólico, solar, de biodiversidade, mas preferimos derrubar as florestas, plantar uns grãos a mais de soja, colher uns litrinhos a mais de etanol. Que é idiotice qualquer cérebro mediano sabe. Porém, e se for o jogo puro dos interesses?
CC: O ministro Minc acentuou esse perfil de ambigüidade?
RM: Não tenho um juízo sobre o ministro. Com Marina já foi muito difícil. Ela vinha das bases, ela foi da CPT. O exercício dela foi ambíguo, como no caso da transposição. Mesmo assim, acreditávamos na sua sinceridade e numa visão mais integral de mundo. O certo é que Minc não foi posto ali por acaso.
CC: Como avalia e relaciona esta MP ao Plano Nacional de Mudanças Climáticas?
RM: Voltemos à frase de Jesus, que “não se deveria pôr remendo novo em pano velho”. Com esse modelo de desenvolvimento em cena, não há Plano Nacional de Mudança Climática?que dê jeito. Seria fundamental se estivéssemos dispostos a mudar o rumo.
Era hora de partirmos decisivamente para as energias limpas, e vamos para um caminho onde nunca estivemos, com energia nuclear, termelétricas, daí para frente. Basta ver o Plano Decenal de Energia. Ademais, nossa maior contribuição para o aquecimento global é a queimada e derrubada de florestas. Ganhamos alguma batalha aqui e ali, mas estamos perdendo a guerra, exatamente porque a macropolítica perpetua a inércia predadora da civilização brasileira.
Gabriel Brito é jornalista.
* Entrevista publicada no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação
[EcoDebate, 08/05/2009]
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