Conanda fará censo sobre crianças e adolescentes que vivem na rua
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) começará a fazer em setembro um levantamento sobre o número de meninos e meninas que vivem nas ruas em todo o país. “Esse censo é necessário para se produzir políticas públicas mais eficazes. Essa será a primeira vez que teremos uma contagem feita simultaneamente pelos estados”, afirmou o coordenador-geral do Conanda, Benedito Rodrigues dos Santos.
Só em São Paulo, estima-se que 5 mil crianças e adolescentes vivam na rua. Segundo Santos, o censo também ajudará a determinar a quantidade de abrigos necessária nas cidades, como será o programa de orientação sociofamiliar, e quem deve ser incluído no Bolsa Família. Além disso, os dados serão utilizados para buscar meios de se levar as crianças de volta para casa.
“Há formas de levar as crianças para casa. Há municípios que têm experiências que deram certo. Se há vontade política, há mobilização da própria sociedade e o estabelecimento de programas simultâneos”, destacou o secretário-geral, que participou nesta semana de seminário em São Paulo realizado com o objetivo de discutir as políticas públicas necessárias para melhorar as condições de vida dessa parcela da população e formas de cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Rodrigues disse que é importante observar a diferença entre crianças na rua e crianças de rua. No primeiro caso, elas vão para as ruas para trabalhar, com o objetivo de ajudar a família, voltando para casa à noite. “Muitas dessas crianças estão estudando, não perderam o vínculo afetivo com a família.” No segundo, as crianças ficam na rua e não querem voltar para casa, devido, principalmente, à violência doméstica.
No encontro, promovido pela Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude (ABPM), crianças e adolescentes que vivem na rua em situação de risco e que estão sendo assistidos por educadores do Conselho Tutelar mostraram que estão longe de ter os direitos estabelecidos no ECA cumpridos.
O secretário-geral do Conanda destacou que o trabalho dos educadores é extremamente importante para retirar esses meninos e meninas das ruas, o que não deve ser feito à força e sim aos poucos, por meio de convencimento. “Quando ela [a criança] está convencida a sair da rua é que conseguimos os melhores efeitos. Mas é preciso ter um abrigo temporário para que ela fique até que possa voltar para casa”. Ele destacou que também é preciso desenvolver um trabalho com a família, para que antes de o menor voltar para casa sejam restabelecidos os vínculos.
Durante a mesa-redonda A Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, meninos e meninas relataram dificuldades que enfrentam no dia-a-dia, como o medo das pessoas, que muitas vezes evitam passar perto deles, a falta de respeito dos policiais e guardas municipais. Eles disseram ainda que falta acesso à educação, ao lazer e à saúde. Outro problema citado é que muitas vezes as crianças e adolescentes não são ouvidos, e, quanto têm oportunidade de expressar sua vontade, ela não é respeitada.
O presidente da ABPM, Eduardo Rezende Melo, enfatizou que é preciso implantar programas sociais que garantam o primeiro atendimento para essas crianças e jovens em todos os municípios. Segundo ele, esse tipo de assistência não existe em todas as cidades, mesmo naquelas onde há inúmeras pessoas nessa situação. “Nesse acaso o atendimento é feito pelo Conselho Tutelar ou pela polícia de uma forma impositiva com respostas ineficientes, porque os jovens acabam rejeitando esses encaminhamentos, que geram postura de limpeza social absolutamente inadequada.”
Na avaliação de Melo, as políticas públicas atuais são ineficientes para tratar o problema. Para ele, os principais erros são a falta de planejamento, de coordenação entre os vários atores, e a atuação inadequada no que se refere ao respeito dos direitos das crianças e adolescentes. “ Há uma questão muito forte de inadequação também da Justiça, que muitas vezes não está preparada para lidar com esses menores, ou por não conhecer as políticas ou por achar, na angústia de protegê-los, que respostas mais imediatas seriam necessárias e, dessa forma, acabam atropelando o processo.”
O estudante Jhonatan Freire, de 18 anos, que é também membro do Conselho Consultivo de Adolescentes e Jovens da ABMP no Rio de Janeiro, contou que aos 7 anos descobriu que era filho adotivo. Ele disse que ficou revoltado e passou a ter crises nervosas muito fortes. Com isso, a família, sem condições para lidar com o problema, acabou encaminhando o menino para vários abrigos. “Eu era agressivo e quebrava tudo onde estivesse. Quebrei várias instituições por onde passei e até agredi as pessoas. Nem as escolas me aceitavam mais.”
O estudante não chegou a viver na rua, mas, muitas vezes, fugiu dos abrigos e passou noites nas ruas, o que, para ele, significava liberdade, porque não recebia o “não”. A vida de Jhonatan começou a mudar depois que o estudante começou a fazer um curso em uma das instituições por que passou. “Fiz o curso de administração e tive de mostrar para as pessoas que eu queria mudar, que eu queria participar e incentivar as pessoas a participar dos movimentos sociais.”
Depois disso, o estudante foi estagiário por um ano no Conselho Tutelar e hoje também faz estágio no Ministério Público. Ele disse que, com o curso de administração, aprendeu muito sobre direitos e deveres e cidadania. Para Jhonatan, a atenção e preocupação da família, principalmente do pai adotivo, que o inscreveu no curso, foram decisivas para a mudança de vida.
“Eu devo tudo ao meu pai. Ele não é meu pai de sangue, mas é meu pai em amor. Se eu estou aqui é graças a ele, porque tantas pessoas quiseram desistir de mim e ele teve força e mostrou que a família é fundamental na mudança.”
Matéria de Flávia Albuquerque, da Agência Brasil.
[EcoDebate, 04/05/2009]
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