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Alimento sem agrotóxico deve ser prioridade em saúde, mas a fiscalização do governo ainda é insuficiente

Especialistas destacam valor de estudo que indica vegetais contaminados por defensivos

A preocupação com a segurança dos alimentos deve ser tão importante quanto as apreensões em relação à segurança pública. Essa é a mensagem que especialistas apontam após a pesquisa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que revelou concentrações irregulares de agrotóxicos em determinados vegetais, como pimentões e morangos. Pesquisadores defenderam a continuidade do trabalho e rebateram alegações de que bastaria lavar as frutas para eliminar riscos, além do argumento de que não haveria comprovação sobre a possibilidade de o produto contaminado causar mal à saúde. Matérias de Fabiane Leite e Karina Toledo, no O Estado de S.Paulo.

Segundo afirmam, também não seria verdade que não há problema em utilizar um agrotóxico aprovado para a banana, por exemplo, no pimentão. Essa foi uma das principais irregularidades encontradas pela pesquisa, mas representantes do agronegócio afirmaram que o uso das substâncias em culturas para as quais não estão aprovadas não traria riscos. “Essa é uma luta que não para. Ao mesmo tempo em que temos de nos preocupar com a segurança (pública), por exemplo, temos de nos preocupar com o que iremos consumir”, compara Délio Campolina, presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia. “A continuidade desse programa é fundamental para o controle fitossanitário dos alimentos. É uma questão de segurança alimentar”, defende o professor associado do Departamento de Genética da Universidade de Brasília Cesar Grisolia, autor do livro Agrotóxicos: Mutações, Câncer e Reprodução.

Para Campolina, a simples divulgação dos dados deve gerar queda do consumo dos piores produtos e estimular o agronegócio a corrigir o uso de agrotóxicos. Grisolia cobra efetiva punição dos infratores. “A presença dos agrotóxicos nos alimentos não é visível, o consumidor está indefeso.” Segundo enfatiza Campolina, mesmo lavar com água e sabão muitas vezes não é suficiente, pois o agrotóxico penetra em frutas e legumes.

O professor da UnB, que trabalha diretamente com pesquisas sobre os efeitos de agrotóxicos no organismo, publicou neste ano na revista científica Chemosphere um trabalho que demonstra o risco dos agrotóxicos à saúde. “Nós demonstramos em nosso laboratório que o endossulfan (tipo de defensivo) altera a reprodução em organismos aquáticos”, exemplifica.

Os estudos não podem ser feitos com humanos porque seria crime oferecer produtos sabidamente contaminados a pessoas para um teste. “Há nessa lista (da Anvisa) agrotóxicos que estão sofrendo restrições severas em todo o mundo”, diz. A Anvisa, no entanto, não conseguiu banir seu uso em razão de liminares obtidas por empresas.

USO SEM REGISTRO

Sobre o uso de agrotóxicos aprovados para uma cultura em outra produção, ambos são enfáticos: é ruim para a saúde. “É desculpa de quem comete infrações às nossas leis, na certeza da impunidade”, diz Grisolia, que enfatiza que o mercado de agrotóxicos do País é o segundo do mundo e tem recurso para fazer registros específicos.

Segundo Campolina, os tempos de degradação dos produtos químicos por cultura são diferentes, daí a impossibilidade de achar que é seguro usar a mesma química em dois produtos. “É como se uma pessoa usasse um remédio receitado para outra.” Segundo o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, o uso de defensivos em culturas para as quais não foram aprovados é “mais que uma questão burocrática ou econômica e representa risco à saúde”.

O chefe do Serviço de Resíduos e Contaminantes para a Área Vegetal do Ministério da Agricultura, Carlos Venâncio, admite que a prática pode representar risco à saúde, mas afirma que “na grande maioria das vezes isso não acontece”. Especialistas dizem, porém, que o consumidor não deve se afastar dos produtos in natura, mas é preciso buscar alternativas, como frutas da época, que precisam de menos defensivos.

Fiscalização do governo ainda é insuficiente

Embora a fiscalização de produtores de hortifrúti seja responsabilidade do Ministério da Agricultura, as iniciativas para monitorar o uso de agrotóxicos ainda são tímidas. Segundo Carlos Venâncio, responsável pelo setor, somente em 2006 foi criado um programa de controle de agrotóxicos. Antes disso, as análises eram assistemáticas.

Até 2008, esse programa avaliava duas culturas – maçã e mamão. Agora, foi ampliado para 17 produtos. “De fato, ainda é pouco, mas nossa programação prevê abranger 30 culturas até 2012”, conta. Venâncio explica que, com base nos problemas levantados pelo programa, será possível autuar o produtor irregular por meio de fiscalização com Estados.

Outras iniciativas de monitoramento existentes no País – como o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Anvisa, e o Sistema de Informações de Resíduos de Agrotóxicos em Horticultura, do Ceagesp, que desde 2007 está sob comando do Ministério da Agricultura – não têm caráter de fiscalização, apenas de orientação. Embora indiquem problemas, não possibilitam a punição de produtores irregulares.

SUBSTÂNCIAS BANIDAS

O uso no Brasil de substâncias proibidas em países desenvolvidos foi um dos problemas apontados na última edição do estudo da Anvisa. O gerente-geral de toxicologia da agência, Luiz Cláudio Meirelles, diz que a legislação brasileira não permite – ainda que haja risco comprovado à saúde – que a proibição no exterior seja estendida automaticamente. “É preciso fazer reavaliação do produto, processo que envolve longas batalhas com os fabricantes e até mesmo com o Ministério da Agricultura.”

A Anvisa cancelou, desde 2002, o registro de cinco pesticidas: benomil, heptacloro, monocrotofós, lindano e pentaclorofenol. “Há cerca de 14 outras substâncias em reavaliação, mas esse processo chega a durar até quatro anos por causa de liminares que paralisam o trabalho.”

Saiba mais

O que é: estudo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária analisou no ano passado 1.773 amostras de 17 alimentos in natura colhidas em supermercados de vários Estados. O monitoramento é feito desde 2001, mas com menos produtos coletados

Resultado: 15,28% dos alimentos apresentaram uso irregular de agrotóxicos – seja por excesso do defensivo ou porque ele é proibido para aquela cultura. Também há caso de uso de agrotóxicos banidos em países desenvolvidos

Produtos com mais agrotóxico: pimentão, com 64% das amostras fora do padrão; morango, com 36%; uva, com 33%; e cenoura, com 30%

Produtos com menos agrotóxicos: manga, com 0,99% das amostras fora do padrão; banana, com 1%; batata, com 2%; e cebola, com 2,91%

[EcoDebate, 22/04/2009]

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