(Código Florestal) Até a conversa da maconha é mais séria, artigo de Marcos Sá Corrêa
[O Estado de S.Paulo] Num ponto, o promotor Luciano Loubet e o ministro Reinhold Stephanes estão de acordo: creem que o Código Florestal só virou problema político agora que ameaça entrar em vigor, após quase meio século de repouso no limbo das grandes invenções jurídicas que não pegaram no Brasil. Acabam aí suas afinidades. O ministro da Agricultura usa o argumento para desancar o código, alegando que os produtores rurais não poderiam, de uma hora para outra – nem de um século para outro -, ajustar-se a uma lei que nasceu caduca, empurrada para longe de suas porteiras desde a República Velha.
Desta vez, o adiamento veio com prazo. E curto. Ou pelo menos dois curtos prazos, em rápida sequência de assinaturas pelo presidente Lula. O Decreto 6686 prorrogou para dezembro a estreia de suas multas e penas, previstas pelo Decreto 6514 para funcionar a partir de julho. E o resultado é que há uma fila de projetos no Congresso querendo alterar um código que, desde 1965, se intitula “novo” e envelhece sem uso.
Loubet, ao contrário de Stephanes, quer provar que, empurrando um pouco, o código pega sem maiores trancos. Promotor em Bonito, ele só precisou dos artigos vigentes para restaurar os 100 km do Rio Formoso, convencendo 130 proprietários a trocar bois por árvores em suas margens. Instituiu a proteção às matas ciliares simplesmente por levá-la ao pé da letra.
Seu exemplo se alastrou pelo Estado, multiplicado pela Rede de Promotores do Pantanal, e hoje dá dividendos até na regularização fundiária do Parque Nacional da Bodoquena, via acordos de compensação ambiental. Ele atravessou fronteiras internacionais, juntando ministérios públicos do Paraguai, da Argentina, da Bolívia e de outros países sul-americanos em ações integradas contra o contrabando de carvão vegetal e o desflorestamento.
Quem condena o código, e não seus infratores, diz como Stephanes que, se for aplicado, ele porá automaticamente na ilegalidade milhões de agricultores brasileiros. Mas isso se pode dizer igualmente dos plantadores de maconha. Ou melhor, já se diz. Eles andam mais perto do que nunca da descriminação nos Estados Unidos, açulados por sonoros argumentos sobre a conveniência de arrecadar impostos, nestes tempos de vacas magras, sobre os US$ 14 bilhões gerados informalmente pelos “maconhais” californianos ou poupar os US$ 70 bilhões e tantos que o governo gasta inutilmente por ano com a repressão à maconha.
Os defensores da maconha americana têm, pelo menos, dados mais convincentes que os apresentados pelos advogados da anarquia ambiental no Brasil. Aqui, até o ministro da Agricultura queima estatísticas como se fossem baseados. Outro dia, juntou em duas frases a informação de que “um holandês emite gases-estufa 16 vezes mais que um brasileiro” com a denúncia de que a Europa só “mantém 0,1%” de suas florestas.
Só se for em Brasília. Lá fora, a Europa continua mantendo quase um terço de suas florestas originais e um holandês custa à atmosfera terrestre por ano 13,5 toneladas per capita de CO2 – ou só 0,7 a mais que um brasileiro, que emite cada vez mais fumaça de queimada, por falta de um Código Florestal para valer.
* Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)
** Artigo publicado no O Estado de S.Paulo, 15/04/2009
[EcoDebate, 17/04/2009]
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