O CONAMA e o uso de agrotóxicos em ambientes aquáticos, artigo de Marcelo Pompêo
Introdução
Atualmente o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) discute a proposta de resolução que disciplina a pesquisa, o registro, a comercialização e utilização de agrotóxicos em ambientes aquáticos. A leitura da versão da resolução originada do 4º GT Agrotóxico (3), ocorrida em março de 2009, suscita dúvidas. Este manuscrito visa contribuir com subsídios para a discussão da referida resolução.
A proposta de resolução
No caput a proposta de resolução considera “a necessidade do estabelecimento de uma regulamentação específica para o uso de agrotóxicos e afins em ambientes aquáticos, bem como autorização da atividade de controle de espécies aquáticas (invasoras)” visando “alterar a composição ou densidade de uma ou mais espécies da flora ou fauna”. O Art. 1º estabelece diretrizes para serem adotadas pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) “para fins de autorizações (licenciamento) para realização de pesquisa, experimentações, comercialização e utilização de agrotóxicos, seus componentes e afins destinados ao uso em ambientes aquáticos”.
Disciplina ainda que os hidropesticidas (definido conforme Art. 2º, inciso I) deverão dispor registro prévio e específico para o fim estabelecido na própria resolução (Art. 3º ao 5º). Estabelece o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis (IBAMA) como responsável pela análise dos estudos de eficiência dos hidropesticidas, sendo aceitos unicamente estudos realizados no Brasil (Art. 7º e 9º). Também normatiza a comercialização e credenciamento do usuário ou prestador de serviço, definidos conforme Art. 2º. Dispõe ainda sobre a aplicação de produtos hidropesticidas, por usuários e prestadores de serviço mediante licença ambiental expedida pelo órgão ambiental competente (Art. 13º ao 17º), que “definirá, para fins da avaliação da Licença Ambiental, os critérios de exigibilidade e detalhamento das informações relativas ao tipo de atividade, levando em consideração as especificações e o porte da área a ser envolvida, bem como, a localização e os usos associados, além do risco ambiental do(s) hidropesticida(s)” (Art. 14º, Parágrafo único). Nos Art. 18º ao 24º define responsabilidades. Segue com Disposições Transitórias (Art. 25º) e Disposições Gerais (Art. 26º ao 28º).
A leitura deixa claro que a proposta de resolução se propõe principalmente a regulamentar o uso para pesquisa, experimentações, comercialização e utilização de agrotóxicos, seus componentes e afins, visando o controle de espécies aquáticas, particularmente as invasoras.
Críticas e sugestões
De fato, é imprescindível o estabelecimento de regulamentação para o uso de agrotóxicos e afins diretamente nos ambientes aquáticos, bem como discutir os princípios e procedimentos para a autorização da atividade de controle de espécies aquáticas, invasoras(1) ou nativas(4), seja pelo emprego de agrotóxico ou por outro procedimento de manejo menos agressivo. Assim, o atual momento de discussões e de definições representadas por esta proposta de resolução deveria incorporar estas questões e não se ater principalmente na regulamentação do uso de agrotóxicos em ambientes aquáticos.
Na proposta de resolução, seria adequado complementar a redação apresentando os critérios para melhor definir os organismos aquáticos como espécies invasoras e justificar quais as situações onde o emprego de agrotóxico para o controle do crescimento das espécies invasoras é mais adequado, independente do porte da área envolvida. Mais ainda, é preciso definir se a resolução é pertinente exclusivamente a espécies invasoras ou se contemplará inclusive as nativas. Caso contemple unicamente as espécies invasoras, a resolução não se aplica às macrófitas aquáticas Eichhornia crassipes, Egeria densa e Salvinia molesta, por exemplo, pois são consideradas espécies nativas.
É pertinente definir riscos ambientais e propor análise de risco para o ecossistema e sua biota e para os seres humanos. Também deveria incorporar estudos prévios (monitoramento) e outras sugestões de manejo menos agressivas que o emprego de agrotóxicos, como a remoção mecânica ou o controle biológico, por exemplo. É conveniente definir penalidades e responsabilidades no caso do descumprimento da resolução, com penalidades mais severas se constatados problemas (à biota ou aos seres humanos) devido à aplicação do agrotóxico em não conformidade à Licença Ambiental aprovada.
A resolução poderia apresentar listagem dos agrotóxicos potencialmente aplicáveis, ou no mínimo uma lista com os agrotóxicos banidos dos testes. Poderia também definir os limites superiores para aplicação de determinado agrotóxico, quais os procedimentos mais adequados para sua aplicação e a periodicidade da aplicação, além de definir critérios para a seleção dos locais de aplicação, tais como a distância mínima do ponto de captação de água bruta empregada no abastecimento público.
A proposta de resolução deveria disciplinar a aplicação conjunta ou seqüencial de diferentes agrotóxicos e exigir o monitoramento em todos os compartimentos do sistema (biótico e abiótico) dos resíduos dos agrotóxicos aplicados e seus subprodutos, anterior e posterior à aplicação. É conveniente justificar a classificação em diferentes tamanhos as áreas de aplicação (Art. 15º).
Deveria ser restrita à aplicação de agrotóxicos em corpos de água empregados no abastecimento público, em particular nos em conformidade à classe especial e classe 1, com base na resolução Conama 357/05. Além disso, é vital exigir a realização de testes de toxicidade com a biota do local de aplicação dos agrotóxicos, incluindo testes com organismos padrão. Chama ainda a atenção o fato de não deixar explícita a necessidade de estudos prévios sobre a biologia e ecologia da espécie considerada problema, subsidiando a tomada de decisão. O Art. 2º., inciso I, não tem clara redação, pois não explica como definir quais são e quem define as ações danosas dos seres vivos e quais são as “circunstâncias de ocorrência”.
Além dos pontos apresentados acima também são questões relevantes a serem incorporadas na redação final da resolução(6): avaliar o melhor momento para aplicação do agrotóxico e qual o estágio mais suscetível; qual a dose para a efetividade do controle; se a aplicação será em dose única ou não; qual o produto mais efetivo para determinada espécie (especificidade). Como o agrotóxico persiste após vários dias da aplicação, este fato demandará esforços em estudos que avaliem para cada local de aplicação os efeitos duradouros do agrotóxico para o ecossistema e sua biota aquática. O emprego indiscriminado dos agrotóxicos também poderá levar ao aparecimento de resistência, o que implicará na ampliação da concentração das doses e provavelmente redução no período de aplicações, com reflexo sobre o meio e nos usos múltiplos de lagos e reservatórios brasileiros. Assim, anterior à aplicação de determinado agrotóxico devem ser conduzidos extensos experimentos visando avaliar o potencial de intoxicação e/ou comprometimento de toda biota e para os usos do ecossistema, como abastecimento público e contato primário, por exemplo.
Considerações finais
Segundo a Constituição Federal do Brasil (Art. 225º)(2), “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Assim, este momento único de discussão e debate, ainda em aberto relativo à proposta de resolução, deveria avaliar a propriedade de empregar os tão contestados agrotóxicos no controle dos organismos aquáticos, mesmo aplicados às espécies invasoras. A proposta de resolução deveria ser suficientemente ampla para prioritariamente propor formas de manejo menos agressivas, e não unicamente disciplinar o uso de agrotóxicos. Também deveria ser mais restritiva no sentido de não incorporar todos os organismos aquáticos (fauna e flora). O mais conveniente é considerar grupos de organismos ou “espécies problemas” e propor formas específicas de manejo.
Antes de tudo, a proposta de resolução deveria incorporar o monitoramento e manejo da bacia hidrográfica como forma de minimizar o impacto das atividades humanas em dada massa de água, refletindo na redução/controle do intenso crescimento de qualquer organismo aquático. É fundamental conhecer e controlar os usos e ocupações da bacia hidrográfica, refletindo em ações que contribuam na melhoria da qualidade da água e na qualidade ecológica do ecossistema, e não unicamente nos balizarmos nos usos e necessidades humanas. Também não é adequado pontualmente solucionar um efeito secundário específico, como o crescimento excessivo de um organismo aquático, pelo uso de agrotóxico. O manejo com agrotóxico não deve ser incorporado como o principal ou único procedimento de manejo. Sua aplicação, se ocorrer, deve se dar em situações extremas, quando outros procedimentos menos agressivos já foram tentados e sem sucesso. É fundamental acompanhar e tomar decisões regularmente, e não permitir a infestação e só depois propor ações agressivas. Devido a muitas incertezas, o emprego de agrotóxicos em ambientes aquáticos deveria ser a última opção como método de manejo(5).
As considerações apresentadas acima sugerem que a aprovação da proposta de resolução como se encontra poderá ter sérias implicações na saúde de nossos mananciais e sua biota. O atual debate não deve ficar restrito, e sim incorporar sugestões de inúmeros especialistas que transitam em diferentes áreas do conhecimento subsidiando a construção de uma resolução mais sólida, prioritariamente garantindo a saúde do meio ambiente e da população, em particular a manutenção da qualidade de nossos mananciais para as próximas gerações.
Referências
1 – Barata, G. Sugerindo uma nova definição para espécies invasoras, Cienc. Cult.?61(1): 46-47, 2009.
2 – CF, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, D.O. de 05/10/1988.
3 – CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, Ministério do Meio Ambiente, 4ª Reunião do Grupo Trabalho – 19 e 20 de março de 2009, Dispõe sobre a pesquisa, o registro, a comercialização e utilização de agrotóxicos em ambientes aquáticos, Versão Com Emendas – http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/E392D222/
PropResolAgrotoxicosVSuja4Reuniao_20mar09.pdf, acessada em 31 de março de 2009.
4 – IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Vocabulário básico de recursos naturais e meio ambiente, 2º ed., Rio de Janeiro, 2004.
5 – Pompêo, M. Monitoramento e manejo de macrófitas aquáticas, Oecol. Brás., 12(3): 406-424, 2008.
Marcelo Pompêo é professor da USP, IB, Departamento de Ecologia.
* Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[EcoDebate, 16/04/2009]
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