Interesse da Bayer não é o arroz transgênico, mas sim o agrotóxico
Aumento na contaminação do meio ambiente e alimentos com mais agrotóxico na mesa do brasileiro. Estes são alguns dos prejuízos que seriam gerados pelo arroz transgênico trazido pela transnacional Bayer ao país e que teve sua primeira prova de fogo em uma audiência pública realizada no último dia 18, em Brasília.
Até mesmo entidades ligadas ao agronegócio, geralmente favoráveis aos geneticamente modificados, se colocam contrárias à liberação do arroz transgênico. Na entrevista a seguir, o coordenador da Campanha de Transgênicos da organização não-governamental Greenpeace, Rafael Cruz, fala sobre os interesses econômicos que estão em jogo na não-aprovação da variedade, que não é plantada em nenhum outro país. Também questiona o real motivo que fez a Bayer levar o arroz para avaliação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Entrevista de Raquel Casiraghi, na Agência de Notícias Chasque.
Quais são os riscos do arroz transgênico à população?
Primeiro de tudo, ele aumenta o risco de resíduos de agrotóxico. Quando for plantado, a idéia é que o agricultor possa aplicar sobre ele o herbicida, fazendo com que as ervas daninhas, no caso o arroz vermelho que é considerado erva daninha do arroz branco aí no RS, morra e o arroz transgênico permaneça intacto porque ele é resistente. O agrotóxico que vai ser aplicado é o glufosinato de amônio, que é um tipo de agrotóxico cuja patente é do próprio proponente do arroz, ou seja a Bayer, e quando é aplicado tem aquela propriedade que a gente chama de sistêmica. A morte da planta, digamos assim, é de dentro pra fora e não de fora pra dentro. A planta absorve isso [o agrotóxico], joga o tóxico no sistema circulatório e morre. As plantas que não são resistentes ao herbicida morrem; as que são, ficam com resíduos de agrotóxico em seu sistema circulatório, o que significa em toda a planta, não somente na sua superfície.
E para os agricultores?
Outro perigo que é paralelo e potencializa esse primeiro é o fato do arroz vermelho, que é a “erva daninha” – entre aspas porque no Nordeste ele é base alimentar de muita gente, no Sul é que ele não é apreciado – tende a ganhar resistência ao agrotóxico também. Porque na primeira safra, tudo bem, mas na segunda safra já houve cruzamento do arroz branco com o vermelho.
Então esse cruzamento entre espécies vai espalhar a propriedade de agrotóxico no aroz vermelho também. O que o agricultor vai acabar fazendo?
Vai aplicar mais agrotóxico porque ele não vai conseguir matar aquele arroz vermelho. E aí tem o que muita gente chama de “super erva daninha”, que é uma erva daninha resistente. Isso, no campo, a gente vê que não soluciona o problema do agricultor, que quer eliminar o arroz vermelho e, por outro lado, faz com que o agricultor aumente o nível de agrotóxico aplicado e, com o passar do tempo, a tecnologia tende a ser ineficiente. A exemplo do que já acontece aí no RS com o arroz mutagênico, da Basf. Resumindo essa história, são dois perigos que se complementam: aumento de agrotóxico no prato do consumidor e contaminação ou cruzamento de transgênicos com não-transgênicos o que, além de reduzir a biodiversidade, aumenta o problema para o próprio agricultor.
Entidades ligadas ao agronegócio, que geralmente defendem os geneticamente modificados, são contrárias à liberação do arroz transgênico. A que tu atribui essa mudança de posicionamento?
Não tem mercado para quem quer vender arroz transgênico. No Brasil o debate não está popularizado, ainda falta esse debate cair no colo do consumidor. As pessoas não sabem o que são transgênicos. Fora do Brasil, não existe mercado para o arroz transgênico. Os Estados Unidos sabem disso, os produtores norte-americanos se posicionam contrários à produção do arroz transgênico lá. Não é por questão ideológica, é porque eles acham que por não haver aceitação, e já que eles exportam 60% do arroz que produzem, eles não preferem não se arriscar a morrer com toda a produção. E o Brasil, que quer se tornar um grande exportador, tem que observar isso. Atribuo a essa questão o próprio posicionamento da Federarroz contrária ao plantio de arroz transgênico.
Na tua avaliação, por que a Bayer insiste na variedade se não há apoio nem dos setores do agronegócio?
É bem arriscado falar ao certo. A Bayer é a única que está propondo arroz transgênico hoje no Brasil. E a empresa está tentando crescer no mercado de transgênicos, que hoje é dominado pela Monsanto. Se ganhasse esse mercado de arroz no Brasil teria uma vitória, não somente no país, mas fora também. Acho que o que eles querem, bem no fundo, é aumentar o mercado de agrotóxico deles. A Bayer é a maior empresas de agrotóxicos no mundo. E conseguir empurrar aqui o arroz transgênico, que não é mais nutritivo, não é resistente ao estresse hídrico ou a qualquer outro tipo de problema que o agricultor enfrenta. Ele é simplesmente resistente a um herbicida que a Bayer produz. Não sei o que a Bayer quer: ou vender transgênico ou vender agrotóxico. Ou os dois.
Estás satisfeito com a atuação da CTNBio?
Eu acho que o governo federal deu muito poder nas mãos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança [CTNBio], principalmente depois da última reunião em junho onde saiu o posicionamento de que não mais acataria questionamentos da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] no que diria respeito em relação às decisões da CTNBio. Com esse superpoder, além de ser um desequilíbrio inaceitável, porque além de colocar a biossegurança do país nas mãos de 14 cientistas, que é o quórum mínimo lá. São 14 pessoas que decidem o que 180 milhões de pessoas irão consumir.
O debate sobre o arroz transgênico na CTNBio será longo?
O que a gente está esperando é que a CTNBio decida logo sobre isso. Espero que seja analisada e uma decisão seja tomada em relação a esse transgênico. O que não dá é ficar esperando a poeira baixar e, depois, voltar com esse assunto esquecendo de todos os questionamentos que já foram feitos na audiência pública, que foi o local em que as pessoas diretamente afetadas por isso puderam falar.
[EcoDebate, 02/04/2009]
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