MG: MPE, Secretaria da Fazenda e Polícia Militar combatem a ‘máfia do carvão’ por dano ambiental e tributário
Carvoaria ilegal, em foto de arquivo MMA
Operação “SOS Cerrado” faz busca e apreensão em todo o Norte e Noroeste do Estado
O Ministério Público Estadual (MPE), a Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) e a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG) deflagraram nesta manhã, dia 31 de março, uma operação, denominada “SOS Cerrado” para identificar e desarticular várias organizações criminosas que fazem parte da denominada “máfia do carvão”. Investigações do Ministério Público revelam que os integrantes dessas organizações formam várias células espalhadas por todo o Norte e Noroeste do Estado, praticando crimes contra a ordem tributária, contra a fé pública, a administração pública, o meio ambiente e outros crimes conexos.
Estão participando da operação 22 promotores de Justiça, 50 auditores fiscais e 180 policiais militares. Para viabilizar a operação nas diversas comarcas, foram expedidos pela Justiça estadual 51 mandados de busca e apreensão com sequestro de bens e valores e 16 mandados de prisão em 18 cidades do Estado.
As diligências estão sendo cumpridas, simultaneamente, em Montes Claros, Várzea da Palma, Lassance, João Pinheiro, Pirapora, Buritis, São Francisco, Taiobeiras, Francisco Sá, Rio Pardo de Minas, Januária, Boacaiúva, Unaí, Lagamar, Buritizeiro, Monte Carmelo e Barbacena, em indústrias de gusa, residências de sócios, intermediários e agenciadores de carvão e de servidores públicos envolvidos nas organizações criminosas. As diversas medidas cautelares ajuizadas correm sob segredo de justiça.
Os principais objetivos das organizações criminosas estão relacionados com a venda de carvão de origem ilícita às indústrias siderúrgicas, através do uso de meios fraudulentos para acobertar a origem irregular, bem como a prática de desvios contra a ordem tributária iludindo, no todo ou em parte, o pagamento dos tributos devidos em cada operação.
Apesar da prática de diversos ilícitos penais por esse braço da “máfia do carvão”, a operação recebeu o nome de “SOS Cerrado” uma vez que todo o processo de investigação se originou da preocupação com o impacto ambiental no Norte e Noroeste do Estado de Minas Gerais e pela rapidez com que o bioma Cerrado tem sido dizimado nessas regiões.
Atento a esses problemas ambientais que acenam para a ausência de sustentabilidade e por representar sérios danos ao interesse coletivo, o Ministério Público acredita que a operação “SOS Cerrado” contribuirá para conter as ilegalidades cometidas pela organizada “máfia do carvão”. Alerta, entretanto, para a necessidade de políticas públicas mais efetivas para a proteção desse bioma em risco de extinção.
Motivação econômica
O dano ambiental e tributário ainda continua sendo apurado, mas já é certo que, em relação às organizações investigadas, pode ultrapassar um milhão de metros cúbicos de carvão, ou seja o equivalente a cerca de 15 mil campos de futebol.
A participação das grandes empresas consumidoras de carvão não se restringe a receber o carvão e devolver a nota fiscal ao motorista. Ao transportar o carvão com notas fiscais que mencionam indevidamente a origem plantada, as siderúrgicas deixam de recolher a taxa de reposição ambiental.
O cálculo da reposição ambiental é feito da seguinte forma: até o limite de 10% tem-se que para cada m³ de carvão florestal (nativo) há a correspondência relativa a doze árvores. Para cada árvore é devida a importância de R$ 0,81 (esse valor é estipulado em Ufemg). Assim, para cada metro cúbico de carvão nativo consumido, a siderúrgica deve plantar 12 árvores ou pagar R$ 9,72 (0,81 x 12) por metro, conforme previsto no art. 47, parágrafo 1º, I, da Lei 14.305/02.
Quando o consumo de carvão nativo supera os 10% essa importância dobra, passando então a ser exigido o plantio de 24 árvores ou o recolhimento de R$ 19,44 por metro, a título de reposição ambiental.
Além do custo relativo à reposição ambiental, existe ainda o custo tributário derivado da obrigação do pagamento da taxa florestal: carvão de mata plantada – R$ 1,015; carvão oriundo de floresta nativa sob manejo sustentável – R$ 1,015; carvão de mata nativa – R$ 5,074. Considerando que todo o processo fraudulento consiste em fazer documentar e chegar à usina carvão vegetal de mata nativa como se fosse carvão plantado, posto que todas as notas fiscais identificadas como falsas ou ideologicamente falsas informam o transporte de carvão vegetal de mata plantada, tem-se uma vantagem econômica indevida que chega em 2008 a R$ 23,49 por metro cúbico de carvão vegetal.
Somente em relação às organizações investigadas, o montante não recolhido aos cofres públicos ultrapassa os 23 milhões de reais. É certo, contudo, que outras organizações possam, neste momento, estar atuando desta mesma forma em outras localidades do Estado.
Dados preocupantes
Antropização do Cerrado – Crimes desta natureza contribuem para que o cerrado possa desaparecer em pouco mais de 20 anos. O Cerrado ocupa uma área de aproximadamente 1,8 milhão de Km² (cerca de 21% do território brasileiro) e corta diagonalmente o País no sentido nordeste-sudoeste. É o segundo maior bioma do Brasil, constituindo um mosaico de formações vegetais.
Apesar de o conhecimento da biodiversidade no Cerrado ser incipiente, estima-se que as espécies do Cerrado representem 33% da biodiversidade do Brasil.
Em função de suas boas condições topográficas e facilidade de desmatamento, o Cerrado representa a principal região brasileira produtora de grãos e gado de corte no Brasil. Com a ocupação das terras do Cerrado para a produção agrícola, as áreas nativas foram sendo substituídas em escala muito acelerada, especialmente nas últimas décadas.
Estimativas de perdas das áreas de Cerrado – Em um estudo preliminar sobre o estado da cobertura do Cerrado, pesquisadores concluíram que em 1998 cerca de 1/3 da área do Cerrado já tinha sido fortemente destruída pelo uso indevido. Foi demonstrado que as regiões onde a vegetação foi mais fortemente antropizada localizam-se nos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Entre o período de 1985 e 1993, a perda da área do Cerrado foi em média 1,5% ao ano.
“Ao ritmo atual, estima-se que o Cerrado perca 2,6 campos de futebol por minuto de sua cobertura vegetal. Essa taxa de desmatamento é dez vezes maior que a da Mata Atlântica, que é de um campo a cada 4 minutos”, explica Ricardo Machado, diretor da organização não-governamental Conservação Internacional (CI-Brasil) e um dos autores do estudo. Para ele, “muitos líderes e tomadores de decisão defendem, equivocadamente, o desmatamento do Cerrado só porque não é coberto por densas florestas tropicais, como a Mata Atlântica ou a Amazônia. Essa posição ignora o fato de o bioma abrigar a mais rica savana do mundo, com grande biodiversidade, e recursos hídricos valiosos para o Brasil “.
O presidente do Conselho da Rede Cerrado, Cesar Victor do Espírito Santo, comparou a destruição do Cerrado com a da Mata Atlântica. Ele lembra que, enquanto a Mata Atlântica teve 93% de sua área destruída em 500 anos, o Cerrado perdeu 2/3 de sua cobertura em 40 anos.
Estatística
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – em 2007, Minas Gerais foi responsável por 52,17% do carvão produzido no Brasil, o que representa 3.306.219 toneladas. Deste total, 419.802 toneladas teriam origem no extrativismo e 2.886.417 teriam origem na silvicultura.
Tais números, apesar de obtidos pela rede de coleta do IBGE, mediante consulta a entidades públicas e privadas, produtores, técnicos e órgãos ligados direta ou indiretamente aos setores da produção, comercialização, industrialização e fiscalização de produtos vegetais nativos e plantados, revelam uma triste realidade: o uso indiscriminado de notas fiscais obtidas a partir de florestas plantadas para acobertar o transporte de carvão de origem nativa.
* Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público Estadual
[EcoDebate, 01/04/2009]
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