(pagamento pelos serviços ambientais) Quanto custaria evitar esta destruição?
Entender o valor monetário dos serviços prestados pela natureza – e remunerar aqueles que a protegem – é um dos mecanismos mais promissores de defesa do meio ambiente. O modelo de serviços ambientais atribui um valor para a floresta preservada e prevê pagamento para que a devastação seja evitada
O criador de gado José Bastos, de 72 anos, mora em Extrema, a 500 quilômetros de Belo Horizonte. Há cerca de um ano, sua rotina mudou. Além de negociar os animais, Bastos passou a ser vigilante oficial das nove nascentes que brotam em seu terreno. O gado foi impedido de pastar em todos os 50 hectares da propriedade, e as nascentes foram cercadas. As restrições e os novos deveres não incomodam o criador, pelo contrário. Bastos recebe da prefeitura 169 reais por hectare, o que lhe rende quase 8 500 reais por ano, em troca da conservação das águas que vão desaguar no rio Jaguari. O resultado de seu trabalho é apreciado bem longe dali, na capital paulista. O Jaguari abastece o sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 8 milhões de paulistanos. A iniciativa da cidade de Extrema é um exemplo claro de uma nova maneira de encarar o problema da preservação ambiental. Românticos e abnegados saem de cena para dar lugar a economistas e técnicos. Em vez de defender a natureza apenas por princípios morais – corretos e justos, é claro -, uma nova escola de ambientalistas acredita que a chave para a preservação é um entendimento mais sofisticado dos serviços que a natureza presta ao homem. “Fazer esse tipo de cálculo é a única forma de transformar os ecossistemas em ativos tangíveis”, diz Marco Antonio Fujihara, da consultoria Instituto Totum. Por Camila Fusco, da Revista EXAME.
A novidade atende pelo nome de serviços ambientais. Como no caso de José Bastos, agricultores ou proprietários de terra são remunerados pela conservação da vegetação ou de uma área de mananciais. Atribuir um valor econômico para os serviços da natureza é o ponto de partida para um projeto desse tipo – e também a tarefa mais complicada. Os cálculos para colocar uma cifra na chuva que abastece reservatórios ou nas árvores que liberam oxigênio estão em constante evolução. Mas existe uma aproximação simples e bastante efetiva: e se nada fosse feito? Quanto custaria correr atrás do prejuízo? Sob essa análise, são raríssimos os casos em que as contas dos serviços não fecham. Pagar um agricultor para conservar a vegetação ribeirinha, por exemplo, demanda investimento menor do que bancar o desassoreamento de um rio.
A economia evidente
Na capital paulista, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), utiliza cinco vezes mais produtos químicos para tratar a água da represa de Guarapiranga do que para o sistema Cantareira. Assim é possível dimensionar que os gastos quintuplicariam caso as águas que vêm de Extrema estivessem poluídas. “O desafio é trazer o produtor para o lado da conservação. É necessária uma solução que apresente rentabilidade próxima à dele”, diz Fernando Veiga, coordenador de serviços ambientais da organização não-governamental americana The Nature Conservancy, apoiadora de diversos projetos no Brasil e no mundo. Em Extrema, o pagamento foi fixado em quase 50 reais acima da média do arrendamento da propriedade para criação de gado, o que atraiu voluntários para o projeto.
O pagamento pelos serviços ambientais começa aos poucos a conquistar adeptos pelo mundo. O exemplo pioneiro partiu da Costa Rica, que em meados da década de 90 categorizou os principais serviços oferecidos pelas florestas: liberação de oxigênio, proteção à biodiversidade, fornecimento das águas e belezas naturais, fundamentais ao turismo no país. Uma lei estabeleceu pagamentos aos proprietários de terra para o gerenciamento sustentável de suas áreas e taxou em 15% a venda de combustíveis. O dinheiro arrecadado foi para um fundo nacional criado justamente para efetuar os pagamentos. A iniciativa foi copiada pelo mundo. Em 1997, a prefeitura de Nova York optou por investir 1,5 bilhão de dólares em medidas de conservação do sistema de águas da cidade em vez de desembolsar 8 bilhões na construção de uma unidade de tratamento. Na França, a ideia se propagou no setor privado. A Vittel, que produz água mineral, passou a pagar agricultores para reduzir o uso de adubos e conter a contaminação das águas. “Os beneficiários desse modelo estão em toda a sociedade. São grandes usuários de água, como empresas e hidrelétricas, e os próprios consumidores”, diz Veiga, da ONG americana.
Por aqui, além da iniciativa de Extrema, existem projetos como o do rio Guandu, no interior do Rio de Janeiro. Cerca de 200 agricultores são remunerados pela recuperação das matas ciliares do rio, que abastece a capital. Na Amazônia, ganham destaque projetos como o Bolsa Floresta e o ProAmbiente, que compensam agricultores que ajudam na contenção do desmatamento e, portanto, da liberação de gás carbônico na atmosfera. Somam-se também experiências em outros países latinos, africanos e do Sudeste Asiático. “Não existe uma explicação única para o pioneirismo das nações em desenvolvimento, mas acreditamos que a razão seja econômica, já que um grande volume de pessoas habita as áreas rurais nesses países e busca esses pagamentos”, diz a bióloga Gretchen Daily, especialista da Universidade Stanford.
No Brasil, o pagamento por serviços ambientais deve ganhar abordagem mais profunda neste semestre. A expectativa é sobre a aprovação de uma lei nacional que regulamente a prática. “A intenção é formalizar o cálculo econômico da valorização ao meio ambiente e criar um mecanismo sustentável para remunerar o agricultor”, disse em entrevista a EXAME o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Para tornar viável o apoio a iniciativas do gênero, recursos federais também devem estar disponíveis a partir de abril – hoje, os projetos são apoiados geralmente por prefeituras, governos estaduais, ONGs e fundações. Segundo Minc, o ministério já recebeu 140 milhões de dólares do governo norueguês, de um total prometido de 1 bilhão de dólares, e 18 milhões de dólares do governo alemão, que sinalizou 300 milhões de dólares em três anos.
Apesar de ser uma forma reconhecidamente atraente para a preservação da vegetação, do clima e das águas, o pagamento pelos serviços ambientais gera controvérsias. O motivo principal das críticas é o fato de a preservação dos recursos naturais – que na maioria dos casos é uma obrigação prevista em lei – só acontecer mediante remuneração. Colocar uma etiqueta de preços na natureza não resolve a questão da preservação. São necessárias mudanças culturais sobre a importância da conservação e isso não acontecerá do dia para a noite. Mas é inquestionável que a intermediação do dinheiro pode ter, neste momento, funções muito nobres.
* Matéria do Portal EXAME, enviada por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate.
[EcoDebate, 26/03/2009]
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