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Senado debate política de cotas nas universidades

Foto: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Agência Senado
Foto: Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Agência Senado

Por quase cinco horas, parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado ouviram ontem (18) argumentos a favor e contrários ao projeto de lei, aprovado pela Câmara dos Deputados, que dispõe sobre as cotas para ingresso nas universidades públicas e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.

O juiz federal e professor voluntário da rede de pré-vestibulares comunitários Educafro, Willian Douglas, defendeu a adoção da política de cotas para os negros como forma de reduzir as desigualdades no país. Para ele, hoje, os ricos estão na escola pública e os pobres na particular.

“Temos que tratar os desiguais desigualmente”, disse. “Não podemos aceitar que os brancos pobres sejam discriminados, mas os negros pobres são ainda mais discriminados. Eles precisam de algo mais”. Emocionado, ele afirmou que colocar um negro pobre ao lado de um branco rico para prestar o vestibular é como “entregar um fusca para um e uma Ferrari para o outro“.

Segundo ele, as pessoas que ingressaram nas universidades públicas por meio das políticas afirmativas tiveram notas iguais ou melhores do que a média e faltaram menos do que os demais alunos. O procurador do Rio de Janeiro e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Augusto Werneck também defendeu as cotas e disse que a aprovação do projeto pode “apagar uma mancha terrível da nossa história”.

A representante do Movimento Nação Pardos e Mestiços Euderli Castro de Sá Alves defendeu que a melhor solução para dar acesso às minorias seria a adoção de investimentos maciços em educação. “As cotas vão gerar conflitos. Todos somos capazes de conquistar nossos espaços”, afirmou.

Segundo Euderli, com as cotas, representantes do movimento negro estão perseguindo representantes de outras minorias que são contrários à reserva de vagas.

Para o sociólogo e doutor em geografia humana Demétrio Magnoli, a discussão sobre cotas sai do âmbito racial e inclui o significado de políticas democráticas. Para ele, reservar cotas raciais é uma “demagogia barata”. “Se for pela reparação pelo período de escravidão, é desconhecer a história, a genética. Brancos têm antepassados negros assim como negros têm descendentes brancos”, argumentou.

“A verdadeira finalidade desse projeto é produzir raças e fazer o que a história do Brasil não fez”, afirmou acrescentando que a política de cotas vai criar uma divisão racial no país.

Para o coordenador Nacional do Movimento dos Sem Universidade (MSU), Wellington do Carmo Faria, a reserva de vagas não invalida a discussão sobre a necessidade de uma reforma educacional mais ampla. Para ele, as cotas não são excludentes. “Elas reúnem a diversidade”, pontuou. “Tem que haver reservas de vagas para os negros, mas também para pardos e índios”, acrescentou.

A representante indígena Rosane Fernandes Kaingang, mestranda em direitos humanos, afirmou que só conseguiu se formar em pedagogia graças a um convênio entre a instituição de ensino e a Fundação Nacional do Índio (Funai). “Se queremos melhorar a qualidade de vida [dos povos indígenas], temos que pensar em medidas específicas para as minorias, índios, negros e pobres.”

Ela afirmou que ainda há preconceito no Brasil e as cotas podem ser uma ferramenta para diminuir as diferenças. “Como o Estado brasileiro quer ser multi-racial se não admite a convivência com os diferentes?”, questionou rebatendo o argumento de que a política de reserva de vagas vai criar uma divisão racial.

O cientista político Bolívar Lamounier afirmou que o projeto aprovado pela Câmara e em tramitação no Senado é “frontalmente” inconstitucional. ”Quando se subtrai vagas para alguns competidores a Constituição está sendo violada”, observou. Ele argumentou ainda que o projeto vai criar a figura jurídica da raças “que não existe no país há mais de 100 anos”.

Lamounier acrescentou que a aprovação da lei vai criar conflitos, não só na disputa por vagas nas universidade, mas também no mercado de trabalho. “A definição de quem terá o privilégio para o acesso às cotas vai gerar conflito. Vamos semear o conflito racial. Vai ser criada a racialização do direito brasileiro”, ressaltou.

O senador Wellington Salgado (PMDB-MG) declarou que irá votar a favor do projeto se ele estabelecer apenas cotas sociais, para pobres e para os que estudaram em escolas públicas. O parlamentar é contrário à idéia de fazer reservas de vagas pelo critério racial.

Já o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) defendeu as cotas para negros e minorias. “Precisamos pensar que os negros bem-sucedidos na nossa sociedade são exceção. Os negros têm barreiras intransponíveis”, afirmou Crivella. “Vejo nessa lei uma generosidade”, acrescentou.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) acredita que a aprovação do projeto pode incentivar o racismo no país. “O debate foi muito rico, mas dá para ver a profundidade e a gravidade das consequências que podem ter o projeto. Podemos criar o início de uma política oficial que inclua o racismo e isso é muito perigoso para o país como um todo e como nação”, argumentou.

Para o senador Lobão Filho (PMDB-MA), há entendimento de que a reserva de 50% das vagas nas universidades federais para alunos de escolas públicas é necessária. Ele argumentou que os dispositivos que garantem as cotas para as minorias não mudarão significativamente o quadro atual das universidades. Lobão Filho pediu que os senadores aprovem o projeto como veio da Câmara para evitar que a proposta volte novamente para os deputados.

“Esse projeto tramitou por dez anos na Câmara. Se modificarmos, ele voltará e ficará lá por mais 20 anos ou nunca mais será votado”, alertou.

A senadora petista Ideli Salvatti (SC) também cobrou que o projeto seja logo votado e sem alterações. “Ele não acaba com o problema, mas representará um passo muito importante.”

Matéria de Ivan Richard, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 19/03/2009.

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