O meio ambiente e a ‘mão pesada do Estado’, artigo de Sérgio Murilo Santos de Araújo
“Parece que a educação ambiental é matéria nas escolas, mas na prática é só mais conteúdo e pouco fica na mente e nas ações dos brasileiros”
Durante muitos anos a ação de empresas e pessoas sobre o meio ambiente ficou entregue ao “Deus dará” no que diz respeito ao controle e fiscalização do Estado ou de governos nas mais variadas esferas, através de seus órgãos públicos. Sabe-se que a legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais bem elaboradas do mundo, no entanto, essa legislação ficou por várias décadas só no papel. O Código Florestal, por exemplo, tem mais de quarenta anos e, contudo, sua efetiva aplicação não foi cumprida com o rigor necessário e o controle que se esperava do Estado.
Desde os anos sessenta do século passado, a questão ambiental tomou maior impulso em decorrência do modelo econômico praticado pela sociedade mundial. As consequências do modo de produzir e consumir os recursos naturais geraram degradação dos solos, poluição do ar e das águas e outros tipos de problemas no meio ambiente, influenciando a vida das pessoas e comprometendo a qualidade de vida.
A primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada em Estocolmo, 1972, foi um marco na política mundial sobre a questão ambiental; é a partir daí que o enfoque do meio ambiente é tomado como uma questão de Estado e não só de ambientalistas, muitas vezes visto como românticos saudosos de uma natureza intocada.
Na realidade, chegamos ao ponto em que a questão ambiental tomava uma dimensão maior, era um problema de crise, mas não só de crise ambiental e sim de uma crise civilizatória, onde entram os componentes econômicos, sociais, políticos, éticos e ambientais. Ou seja, a própria sociedade com seus valores, consumo e ações foi responsável por produzir um modelo muito perigoso de ver e utilizar os recursos naturais do nosso planeta Terra.
Depois de Estocolmo, muitas conferências e eventos foram realizados, abordando a questão do desenvolvimento humano e do meio ambiente. Em 1977 realizou-se em Tbilisi na Geórgia (uma das ex-Repúblicas Soviéticas) a Conferência Internacional de Educação Ambiental, onde foram estabelecidos os princípios orientadores da Educação Ambiental e remarcou seu caráter interdisciplinar, crítico, ético e transformador.
Esse evento não foi o primeiro em matéria de educação ambiental, uma vez que em 1975 houve o Seminário Internacional de Educação Ambiental em Belgrado, onde se estabeleceram as metas e os objetivos da educação ambiental, assim como uma série de recomendações sobre diversos aspectos relativos a seu desenvolvimento.
Enfim, a chamada crise ambiental decorrente das práticas da sociedade é parte de uma crise maior e para mudar esse modelo de produção e consumo se faz necessário que as pessoas tomem conhecimento e se sensibilizem para promover uma mudança positiva, ou seja, que consumam menos e de forma sustentável. Para isso, o poder público deve promover ações educativas visando tal mudança.
Mais de quarenta anos já se passaram e ainda não mudaram as práticas de uso do solo e dos recursos naturais. De um lado há conivência e falhas do Estado em não ter investido em educação, fiscalização e controle do uso dos recursos naturais; de outro, a falta de práticas sustentáveis por parte de pessoas e empresas, a quem se aplica o Código Florestal e toda uma legislação ambiental que foi elaborada para mudar o contexto ambiental brasileiro.
A Lei 6938/81, da Política Nacional de Meio Ambiente, já completou vinte e oitos anos. São quase três décadas; mas nem o Estado cumpre com sua parte, nem os cidadãos e nem as empresas.
Hoje, a “mão pesada do Estado” é uma frase ameaçadora do ministro do meio ambiente e que tenta demonstrar assim que o governo fará o seu papel, mas também mostra certa arrogância por parte do gestor público; e, assim, pode gerar uma interpretação de que o governo está acima de tudo, quando na realidade é quem deveria ser o primeiro a dar o exemplo.
A Amazônia está em franco desmatamento, o Cerrado não abriga mais propriedades com características do antigo Código Florestal (Lei Nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965), sem falar na Mata Atlântica, o bioma mais degradado do país, e na Caatinga, e cadê o Estado?
Agora teremos que ver nos noticiários o quanto deixou de ser feito por parte do governo federal e vamos ter uma conta a pagar, ou passivo ambiental, gerada por empresas e o próprio estado que foi conivente com a atual situação.
Também devemos destacar que estamos diante de um grave problema econômico, pois o custo de algumas mudanças no campo, derivadas de cadastramento de propriedade e de cumprimento da legislação ambiental, pode trazer consequências na produção e nos preços.
E fica muito claro quem pagará a conta: todos os cidadãos, desde o mais simples e pobre ao mais rico, todos pagam na medida em que consomem.
Algumas propriedades hoje podem até ter que reflorestar por não estarem cumprindo a Lei. Algumas devem até pagar mesmo, por práticas abusivas. Mas onde estava a “mão pesada do Estado” nesses anos todos?
Não dá pra ficar calado diante de tanta omissão e tanto abuso de poder. Enfim, somos todos culpados, uma vez que colocamos na mão do poder público tanto poder e pouco dever, porque cobramos pouco e agimos muito menos. Assim, parece que a educação ambiental é matéria nas escolas, mas na prática é só mais conteúdo e pouco fica na mente e nas ações dos brasileiros.
Sérgio Murilo Santos de Araújo é geógrafo, doutor em Ciências pela Unicamp e professor da Universidade Federal de Campina Grande. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:
* Artigo publicado no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3717, de 10 de Março de 2009.
[EcoDebate, 11/03/2009]
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