Infância violentada. Em hospital, meninas grávidas por estupro correspondem a 43% dos atendimentos
Casos como o da menina pernambucana de 9 anos que se submeteu a um aborto de gêmeos depois de estuprada pelo padrasto são trágica rotina no país. Um dado, recolhido no Hospital estadual Pérola Byington, em São Paulo, referência no tratamento a mulheres vítimas de violência sexual, mostra que 43% dos atendimentos diários se referem a meninas com menos de 12 anos, que engravidaram depois de estupradas. No ano passado, cerca de 3.050 abortos previstos em lei, em mulheres de todas as idades, foram realizados no país, segundo dados do Datasus.
— A mais nova que atendi tinha 10 anos. Ela decidiu interromper a gravidez depois de abusada pelo padrasto. Casos semelhantes ao da menina de Pernambuco acontecem diariamente. É preciso estar envolvido, mas com o distanciamento necessário, para oferecer às mães as opções que elas têm — diz a psicóloga Daniela Pedroso, do Pérola Byington, uma das coordenadoras de pesquisa qualitativa recém-lançada pelo ONG Ipas Brasil em parceria com o Ministério da Saúde, que analisa o perfil de mães vítimas de violência, que optaram pelo aborto:
— Para todas elas, a opção pelo aborto é difícil — diz Daniela.
A reportagem é de Maiá Menezes e Tatiana Farah e publicada pelo jornal O Globo, 09-03-2009.
Ao procurar o serviço público de saúde, diante de uma gravidez resultante de estupro, a mulher se vê diante de três opções: ficar com a criança, doar para adoção ou se submeter ao aborto. Há ainda outra alternativa: caso procure atendimento 72 horas depois do estupro, a mulher tem direito a receber a pílula do dia seguinte.
Entrevistadas dizem não se arrepender
A maioria das mulheres ouvidas pela pesquisa se diz contrária ao aborto. Mas as vítimas mudam de posição quando a gestação é fruto de estupro. Nenhuma delas afirma ter se arrependido da opção pelo aborto legal.
Aos 32 anos, uma mulher católica, violentada no caminho para o trabalho, disse aos pesquisadores ter se sentido “desmoralizada, amedrontada e sem alternativas” ao descobrir a gravidez. Tomou sozinha a decisão pelo aborto, dois anos antes da entrevista.
Os dados foram colhidos em 2007 e organizados pela ONG Ipas Brasil, que lida com o tema do aborto há trinta anos. “Foi uma violência, por que eu estaria gerando este ser?”, disse a mulher aos pesquisadores.
Aos 18 anos, também católica, a mais jovem entrevistada pela pesquisa interrompeu a gravidez aos 16, depois de um estupro. Como as outras, ela também não se diz arrependida: “Porque eu não ia ter um filho marcado, filho de um desconhecido!”.
Uma outra mulher, de 29 anos, afirma que optou pelo aborto por medo de não sentir amor pelo filho, caso nascesse: “Eu fiquei com medo de levar essa gravidez para frente. Eu fiquei com muito medo de rejeitar… Será que eu ia amar, como amo minha filha?”.
— O que importa é ouvir a vontade de quem está sendo atendido. Zelar pelo cumprimento dos pré-requisitos de atenção. E procurar respaldo da lei para os procedimentos. Sinceramente, esse é o nosso foco e nossa bíblia — diz a médica Leila Adesse, especialista em Saúde da Mulher e da Criança e diretora da Ipas, que treina profissionais envolvidos no atendimento de mulheres que engravidaram vítimas de violência sexual.
A assistente social Irotilde Pereira, de 62 anos, trabalha há 20 anos no Hospital Jabaquara, em São Paulo, que faz atendimento semelhante ao do Pérola Byington. Militante da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, que defende a descriminalização do aborto, ela afirma que não se sente fazendo nada errado ao ajudar as mulheres a interromper a gravidez.
— Eu me sinto mais fortalecida em saber que as mulheres são bem atendidas. Não me sinto pecadora.
(Ecodebate, 10/03/2009) publicado pelo IHU On-line, 09/03/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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