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Usinas hidreléticas no rio Madeira levam caos e riqueza a Rondônia

Porto Velho (RO) - Vista aérea da BR-364, rodovia que terá cerca de 20 quilômeros inundados se forem construídas as usinas de Santo Antônio e Jirau, segundo o Ibama. Ao fundo, o Rio Madeira, para o qual estão projetadas as hidrelétricas Foto: Wilson Dias/ABr
Porto Velho (RO) – Vista aérea da BR-364, rodovia que terá cerca de 20 quilômeros inundados se forem construídas as usinas de Santo Antônio e Jirau, segundo o Ibama. Ao fundo, o Rio Madeira, para o qual estão projetadas as hidrelétricas Foto: Wilson Dias/ABr

Impactos das obras das hidrelétricas geram pressão socioeconômica e podem levar a capital Porto Velho ao colapso

Autoridades enfrentam dificuldades para aplicar recursos do PAC, enquanto empresas e famílias não param de chegar ao Estado

As usinas hidrelétricas do rio Madeira, vitrines do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), custarão R$ 21 bilhões e injetarão R$ 8 bilhões por ano na economia de Rondônia até 2013. Promessa de bonança ao empobrecido Estado, elas já são um dos empreendimentos mais caros da história e também um dos mais controversos. Matéria de Julio Wiziack, enviado especial a Rondônia, na Folha de S.Paulo, 08/03/2009.

Procuradores federais pedem a cassação das licenças das usinas e já levantam suspeitas sobre o seu financiamento. Instituições civis acusam os construtores de ignorarem impactos socioambientais. Autoridades locais temem que a capital Porto Velho chegue ao colapso, caso os investimentos em infraestrutura não saiam do papel. E o setor produtivo está preocupado com a possibilidade de que o desenvolvimento na região não seja sustentável.

Atraídas pelas oportunidades, empresas já se instalam na região, e famílias desembarcam semanalmente na capital Porto Velho. Em apenas seis meses de obras, já ocorrem efeitos previstos no Projeto Básico Ambiental para três anos.
“Subestimamos alguns impactos”, afirma o vice-prefeito de Porto Velho, Emerson Castro (PMDB-RO). “Agora estamos trocando a roda com o carro em movimento.” Castro informa que boa parte das verbas do PAC não é aplicada porque os grupos locais não atendem às exigências das licitações. “Muitos não se qualificam com o excesso de garantias bancárias”, diz Castro. “E as grandes empresas não se interessam por obras pequenas.”

O resultado é um déficit de 2.000 vagas nas escolas públicas. A espera por atendimento nos hospitais chega a dois dias. A falta de leitos deixa pacientes em estado grave à espera de cirurgias por meses. As ruas mal asfaltadas, sem calçamento, estacionamentos e sinalização, não comportam os 135 mil veículos que circulam pela cidade.

Antes do tempo
Para antecipar a inauguração das usinas, Saesa e Enersus, os consórcios empresariais que constroem Santo Antônio e Jirau, respectivamente, atropelam o plano de mitigação, nome das práticas que minimizariam os impactos negativos.

O cumprimento dos planos de mitigação foi determinação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que, segundo o MPF (Ministério Público Federal) de Rondônia, transformou as inconsistências dos projetos, detectadas pela equipe técnica do órgão, em cerca de cem condicionantes.

O fundo do rio, rico em depósitos de mercúrio após duas décadas de garimpo de ouro, está sendo remexido em Santo Antônio sem que um programa de estudo tivesse sido implantado. A estação de captação de água da cidade fica praticamente dentro do canteiro de obras. Para que ela não fosse inutilizada pela usina, a Saesa alterou o projeto original, aprovado pelo Ibama, e mudou a disposição do eixo da hidrelétrica a pedido da Prefeitura de Porto Velho.

Pescadores afirmam que os peixes sumiram antes da atual desova e da mortandade de 11 toneladas. O episódio, ocorrido no final de 2008, levou o Ibama a multar a Saesa em R$ 7,7 milhões e a pedir ao MPF abertura de ação criminal. Ainda segundo o Ibama, a empresa não fez o monitoramento da água (outro programa de mitigação), algo que, para os ribeirinhos, estaria afugentando os peixes. Muitos pescadores trocaram a atividade, que garantia até R$ 2.500 por mês, pela construção civil, ganhando até 60% menos.

Os garimpeiros só podem atuar se fizerem parte das associações que receberam PLG (Permissão de Lavra Garimpeira). Antes, elas eram concedidas individualmente pelo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). Como a maior parte das PLGs individuais está vencida, 3.900 garimpeiros operam na clandestinidade, segundo o deputado federal Lindomar Garçon (PV-RO). Ele diz ter intercedido pelos garimpeiros, que acusam a Saesa de pressionar o DNPM para “isolar” as usinas.
O presidente da Associação Comunitária e Rural, Luís Maximo, que representa cerca de 600 famílias, afirma que após a liberação da DUP (Declaração de Utilidade Pública), a Saesa antecipou a retirada das 63 famílias, pressionando para que aceitassem sua oferta. Quem fechou negócio foi morar em imóveis alugados até que a construção de suas casas definitivas fosse concluída. O atraso no pagamento dos aluguéis chegou a quatro meses.

Vestígios arqueológicos estariam desaparecendo. A Folhaapurou que só 10% dos achados foram catalogados. Os índios também protestam, principalmente em Jirau. “Quatro grupos isolados serão afetados”, afirma Telma Monteiro, coordenadora de energia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Jirau chegou a ficar embargada devido à multa de R$ 950 mil aplicada pelo Ibama ao Enersus por iniciar a obra sem licença. Na semana passada, o governo estadual recuou e suspendeu parte da obra por impactar áreas de conservação ambiental.

O MPF prepara nova onda de ações contra os empreendimentos. “As usinas são importantes, mas isso não justifica as irregularidades na realização das obras”, diz o procurador federal Heitor Alves Soares.

Polêmicas ambientais e crise afastam financiamento de investidores privados

DO ENVIADO A RONDÔNIA

Seis meses após o início das obras da hidrelétrica de Santo Antônio, os bancos Santander e Banif, que participam com 20% da Saesa, empresa que constrói a usina, ainda não conseguiram investidores para o empreendimento. É o que afirma Roberto Simões, presidente da Saesa.

Santander e Banif decidiram entrar como sócios por meio de um FIP (Fundo de Investimento Privado). O objetivo era vender as cotas do fundo e ficar no projeto como gestores. Os cotistas seriam os responsáveis pelos aportes de capital.

Os bancos privados estão relutantes em participar do FIP. O prazo de financiamento seria longo demais, os retornos do investimento, duvidosos (devido às previsões de queda no preço da energia no mercado livre), e os riscos socioambientais, elevados.

Além disso, organizações civis questionam a participação dessas instituições, principalmente as signatárias dos Princípios do Equador -práticas definidas pelo Banco Mundial que recomendam a não-concessão de financiamentos a projetos cujo impacto socioambiental não é devidamente calculado ou mitigado.

É o caso de Bradesco, Unibanco e Banco do Brasil, que, para Roland Widmer, gerente da Oscip Amigos da Terra, estão em desacordo com suas políticas de sustentabilidade ao participarem do projeto como repassadores de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Consultados, os bancos afirmam que o protocolo dá flexibilidade para que se retirem em caso de problemas, inexistentes até o momento.

O MPF (Ministério Publico Federal) de Rondônia também está monitorando a participação dessas instituições e suspeita de irregularidades no Banco da Amazônia, que aprovou financiamento de R$ 503 milhões para a Saesa.

O banco estatal usou recursos do FNO (Fundo Constitucional do Norte) e o valor máximo permitido seria de R$ 159 milhões. O FNO é alimentado pela arrecadação de impostos. O diretor comercial do Banco da Amazônia, Gilvandro Negrão, afirmou à Folha que o limite seria de R$ 445 milhões para um período de três anos. Ainda assim, esse teto foi ultrapassado em R$ 58 milhões, diferença que, segundo ele, será coberta com recursos próprios.

O MPF determinou que o Banco da Amazônia enviasse os documentos desse financiamento. O banco negou, alegando sigilo comercial. Até o momento, as usinas hidrelétricas do rio Madeira estão sendo custeadas basicamente com dinheiro público. (JW)

Estado busca crescimento sustentável

Hidrelétricas inauguram “surto de progresso” e abrem oportunidades de negócios; empresas anunciam investimentos

Votorantim, Carrefour, Alstom-Bardela e Makro, entre outros, decidiram se instalar em Rondônia, que precisa de infraestrutura

108 obras em andamento na capital Porto Velho, onde o metro quadrado chega a custar R$ 3.000

DO ENVIADO A RONDÔNIA

As usinas do rio Madeira abrem uma nova fase em Rondônia, que já experimentou dois surtos de progresso com a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, desativada em 1966, e o garimpo de ouro, entre 1970 e 1990. “Desta vez é diferente”, diz Dênis Baú, presidente da Fiero (Federação das Indústrias de Rondônia). “Estamos falando de investimentos de R$ 21 bilhões.”

Isso não quer dizer que a euforia esteja anulando a preocupação. Há o temor de que o Estado não consiga concluir os investimentos em infraestrutura para suportar as empresas que já se instalam na região e as que estão negociando sua chegada. Em Rondônia, só 2% dos domicílios têm rede de esgoto, e 17%, água encanada.

Outra preocupação da Fiero é o treinamento da mão-de-obra local para atender não só as usinas como o mercado local, que, se espera, estará muito mais aquecido em sete anos. “Por isso, queremos encontrar nossa vocação econômica para que, depois das usinas prontas, possamos continuar crescendo,” diz Baú.

Uma das ideias da federação é transformar o Estado em uma alternativa em logística para os exportadores. “Com a conclusão da rodovia Transoceânica, que ligará o Pacífico ao Atlântico em um ano e meio, e a construção das eclusas no Madeira, podemos ser um polo de embarques.” Para Baú, os exportadores poderiam optar ali entre o transporte rodoviário, aéreo ou fluvial. “O custo do frete para as empresas pode sofrer redução de até 30%.”

Explosão do consumo
Enquanto isso, 108 empreendimentos imobiliários estão em andamento em Porto Velho. Construtoras como a Gafisa fecharam parceria com empresários locais e lançaram residenciais, cujo preço chega a R$ 1 milhão. “O metro quadrado aqui custa R$ 3.000”, afirma Alessandro de Oliveira Lima, diretor da GM Engenharia, parceira da Gafisa. O preço é comparável ao dos Jardins, bairro nobre de São Paulo.

O empresário Uyrandê José Castro, da construtora Aquarius, inovou com o lançamento de um hotel e de flats para executivos. Os preços variam entre R$ 129 mil e R$ 169 mil. “Muitos estão comprando como investimento”, diz Castro.
Os clientes de alto poder aquisitivo representam 30 mil consumidores no Estado, cuja população é de 1,5 milhão de habitantes. Mas também há projetos para a população de baixa renda. A Odebrecht, que constrói a usina de Santo Antônio, lançou o Bairro Novo, conjunto residencial para famílias que ganham entre três e dez salários mínimos.
Empresas como Votorantim, Alstom-Bardela, Makro, Carrefour, McDonald’s e as bandeiras de hotéis Ibis e Sleep Inn estão abrindo filiais em Rondônia. Porto Velho viu a primeira escada rolante ser instalada no shopping da cidade em outubro de 2008, onde Americanas, Renner, Richards, Ellus e Kopenhagen possuem lojas.

O segundo shopping já está em andamento e deverá ficar pronto em dois anos. Na cidade, também há grifes de luxo como Calvin Klein Jeans e Carmen Steffens.

Outro sinal de que o consumo está em alta é a venda de carros. Apenas em janeiro deste ano foram emplacados 1.561 veículos na capital, onde há concessionárias de Honda, Peugeot e Citröen, entre outras. O crédito é o motor do comércio, com promoções e venda parcelada a juros baixos.

Esses efeitos também ocorrem em cidades menores. Situado a 90 km da capital Porto Velho, o distrito de Jaci-Paraná mudou nos últimos dois anos no rastro das usinas de Santo Antônio e Jirau.

Nesse período, a população saltou de 9.000 para 13 mil. Lá não há ruas asfaltadas, água encanada nem esgoto. A energia é gerada pela queima de óleo diesel. Em meio a esse cenário, já existem lan houses, escritórios de advocacia e lojas que vendem fogões, geladeiras, parabólicas e micro-ondas.

A especulação fez casas de madeira com menos de 60 metros quadrados serem alugadas por R$ 1 mil. Unidades maiores em alvenaria são alugadas por R$ 6.000. Terrenos são vendidos por R$ 30 mil, nove vezes mais que há dois anos, e não há registros de imóveis. A região é fruto da ocupação irregular.

A euforia existente em Jaci-Paraná não é a mesma encontrada na capital Porto Velho, onde os moradores apoiam a construção das usinas, mas ainda não têm certeza da estabilidade do crescimento na região. “Aqui o crescimento vai durar”, diz Joel Binos de Jesus, administrador de Jaci-Paraná. “Já estamos até negociando a emancipação. Nosso distrito será um novo município.” (JW)

Frases

“Subestimamos alguns impactos. Agora estamos trocando a roda com o carro em movimento. […] Muitos [grupos empresariais] não se qualificam [às licitações públicas para obras de infraestrutura] com o excesso de garantias bancárias”
EMERSON CASTRO
vice-prefeito de Porto Velho

“As usinas são importantes, mas isso não justifica as irregularidades na realização das obras. Há, inclusive, suspeitas sobre o financiamento do Banco da Amazônia em Santo Antônio”
HEITOR ALVES SOARES
procurador público federal de RO

outro lado

Empresa diz que cumpre programas

DO ENVIADO A RONDÔNIA

Saesa e Enersus afirmam que os programas de mitigação estão sendo devidamente seguidos e que, para acelerar o cumprimento, passaram a atuar em conjunto. “São ações parecidas. Por isso, decidimos somar esforços”, diz Roberto Simões, presidente da Saesa, responsável por Santo Antônio.

Para aliviar a pressão socioambiental em Porto Velho, Simões afirma que estão previstos desembolsos de R$ 600 milhões para a construção de hospitais, postos de saúde e escolas. “Alguns já foram inaugurados,” diz.

A multa do Ibama à Saesa pela mortandade de 11 toneladas de peixes foi contestada. A empresa afirma que a quantidade representou só 5% dos peixes retirados com vida das ensecadeiras, diques construídos para conter o rio. Além disso, o valor de R$ 500 por quilo de peixe definido como base de cálculo da multa foi considerado exagerado. “O quilo custa R$ 14 no mercado.”

Ricardo Márcio, responsável pelas mitigações de Santo Antônio, informa que a redução da oferta de peixes não é consequência da usina. “Ela já era escassa antes.” Mesmo assim, a Saesa está compensando os pescadores que provarem suas perdas.

“Também a proibição do garimpo é anterior à usina”, diz Márcio. A Saesa nega que tenha feito pressão sobre o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) para que “isolasse” Santo Antônio. O DNPM não retornou à reportagem.

Embasamento
O programa de monitoramento do mercúrio será implantado em duas frentes. A primeira prevê o acompanhamento da presença do elemento químico na água e em plantas, peixes e outras espécies, além dos sedimentos do rio. Ribeirinhos que têm o peixe como base de sua alimentação serão acompanhados através da dosagem de mercúrio no cabelo e no leite materno.

Márcio diz que todas as negociações de indenização foram respeitadas e não houve pressão. “O que aconteceu é que quem não tinha registro de propriedade não recebeu pela terra, só pelas benfeitorias.”

Ainda segundo ele, foram gastos cerca de R$ 7 milhões nas desapropriações das 63 famílias e houve atraso dos aluguéis. “Havia problema na documentação de alguns proprietários e, por isso, não conseguíamos fechar os contratos. Nenhuma família foi prejudicada.”

Os achados arqueológicos estão sendo catalogados e transferidos para um local adequado. “Tudo é feito sob supervisão do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional].”

A Enersus, responsável pela usina de Jirau, considera que sua autuação não teve embasamento jurídico, porque a obra está coberta pela licença de instalação. A empresa contesta que a alteração do eixo da usina em 9 km afete grupos indígenas isolados e diz que essa questão foi encerrada com a concessão da licença. (JW)

* matérias enviadas por Telma D. Monteiro, Coordenadora Energia e Infra-Estrutura Amazônia, Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, www.kaninde.org.br
telmadm{at}uol.com.br

Telma Monteiro, colaboradora do EcoDebate, coordena o Blog Telma Monteiro.

[EcoDebate, 09/03/2009]

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