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Trilhões de dólares para a economia mundial. E bastaria um euro por dia para alimentar uma criança

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Imagem: Corbis/ Charles Waller

Se a cada seis segundos uma criança morre de fome no mundo, a culpa é de qualquer um de nós, como indivíduo, como sujeito de uma coletividade, como sujeito político. Bastariam apenas 35 centavos para encher a seu prato diário. E o discurso não muda se pensamos nos bilhões de pessoas que não tem comida suficiente e para os quais a comunidade internacional – capaz de encontrar, em pouquíssimos dias, trilhões de dólares para equilibrar a situação financeira mundial – não consegue destinar nem um fragmento dessa soma para um plano que permitiria que toda a humanidade tivesse acesso ao alimento. Não ao supérfluo. Ao essencial para viver.

“E a crise mundial que estamos vivendo irá agravar ainda mais essa situação dramática que arrisca se tornar sempre mais incontrolável”. Quem está convencida disso é Nancy Roman, diretora das comunicações e das políticas da informação do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (WFP), que fala a respeito nesta entrevista concedida a Mario Ponzi, do L’Osservatore Romano, 06-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Os dados publicados recentemente pelo WFP são dramáticos. Como interpretá-los na ótica da política da globalização?

Um bilhão de pessoas que passam fome é um número desconcertante, alcançado também pelo efeito da crise mundial que criou 115 milhões de novos pobres só no último ano. Porém, é importante contextualizar essa cifra. No curso das últimas quatro décadas, a proporção do número de famintos se reduziu notavelmente, passando de 37%, nos anos 60, quando eu era ainda uma moça, aos atuais 15%. A população mundial cresceu muito – passando dos três bilhões nos anos 60 aos 6,7 bilhões de hoje –, mas o número de famintos permanece muito alto, e estamos trabalhando sobre isso. É importante ressaltar que, pelo menos em termos percentuais, o número de famintos caiu. Um resultado que deve ser protegido se queremos evitar ter que voltar atrás também em níveis percentuais, frente a uma população mundial que, na metade do século, será de nove bilhões de pessoas.

A crise econômica também envolveu pesadamente o setor alimentar, com a perspectiva de uma piora das já trágicas condições de uma parte consistente da população mundial. Como enfrentar essa crise posterior?

A crise econômica está tendo um impacto muito sensível sobre a crise alimentar. Já vemos as consequências da queda das remessas de imigrantes em países que, do Haiti ao Tadjquistão, dependem fortemente deles. A queda dos investimentos estrangeiros, o aumento do desemprego e as novas barreiras comerciais que estão se levantando fazem prever uma nova onda de dificuldades. Não se deve esquecer que o bilhão de deserdados gasta quase tudo o que possui com alimentos. Não há dúvida, portanto, de que a crise financeira criará um maior número de famintos. Na WFP, estamos analisando atentamente a situação para procurar prever quais países serão mais atingidos pela crise e, consequentemente, refinar programas de intervenção, naquelas nações onde a fome será sentida com mais força. Certamente, estamos financiados inteiramente em base voluntária. Conseguimos trabalhar e levar comida na medida em que os nossos doadores – os cidadãos, as empresas e os governos – o permitirem.

O WFP reforçou mais vezes que há alimento suficiente no mundo para saciar a todos. Porém, não se consegue evitar que tanta gente morra de fome. De quem é a responsabilidade?

Sobre isso, as estatísticas discordam. Algumas indicam que estamos entrando em uma fase de menor responsabilidade alimentar. Outras sugerem que há alimento o suficiente. Como ocorre frequentemente, ambas as coisas são verdadeiras. Tecnicamente, há alimento suficiente no mundo para que cada pessoa possa dispor das calorias diárias suficientes. Mas isso implicaria a redistribuição de todo o resto alimentar produzido no mundo desenvolvido. Obviamente, isso não é possível. Porém, sementes e cereais são úteis, possivelmente lá onde as pessoas vivem e trabalham. A distribuição é um fator chave. Um das coisas que estamos procurando fazer é interessar-nos pela gestão dos estoques de cereais globais para avaliar como melhor posicionar o alimento. Muitos estão se ocupando também de como aumentar a produção nos países em via de desenvolvimento. Em 2008, o WFP gastou um bilhão de dólares na aquisição de alimento nos países em via de desenvolvimento. Mas se tratam de respostas parciais. Ainda há muito caminho a se percorrer.

O Papa pediu à comunidade internacional que não se esqueça dos pobres e de restituir-lhes uma esperança de vida. Como cada um de nós pode fazer alguma coisa para responder a esse convite?

Estamos muito agradecidos ao Papa por esse apelo. É importante que todos os que o ouviram entendam que é verdadeiramente fácil mudar as coisas. Basta um euro para assegurar o alimento a uma criança na escola por uma semana, e apenas 20 centavos por dia para encher o seu prato de alimento. Até quem não vive na abundância pode mudar a vida de uma criança garantindo-lhe, com apenas 35 euros, um ano de alimentação escolar. Todas as informações se encontram no nosso sítio www.wfp.org. Obviamente, quem dispõe de mais meios pode fazer mais.

Segundo a senhora, os governos do mundo, que destinam trilhões de dólares para o restabelecimento financeiro, não pensam em um plano de salvação para a humanidade faminta?

É exatamente o que nós do WFP pedimos. O mesmo mundo que pôde encontrar, em poucas semanas, trilhões de dólares para o resgate de bancos e institutos de investimento financeiro, ainda não conseguiu encontrar o 1% dessa soma para destinar às necessidades dos famintos, começando com os três bilhões de dólares necessários para fornecer uma merenda escolar às crianças que têm fome ou os cinco bilhões de dólares que ajudam a financiar as intervenções de emergência do WFP no nordeste africano e nos outros 70 países do mundo no qual atua. Acredito que seja importante colocar os políticos diante aos valores implícitos nas suas escolhas.

Pode-se sair desse estado das coisas?

Sim, acredito que seja possível aliviar a fome no mundo. Apesar dos tantos problemas, a fome não requer novas tecnologias. Sabemos como resolvê-la. Sabemos como cultivar, como distribuir o alimento, como ajudar os governos a estabilizar as condições para a segurança alimentar. Se isso não acontece, não é por falta de capacidade, mas sim de vontade política, individual e coletiva.

(Ecodebate, 07/03/2009) publicado pelo IHU On-line, 06/03/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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