EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Pesquisadores estudam genes responsáveis pelo ‘efeito placebo’

Journal of Neuroscience

Os mistérios do “efeito placebo” – O fenômeno pelo qual uma substância inerte (por exemplo, um torrão de açúcar) parece ter propriedades curativas quando é administrada como um medicamento se denomina “efeito placebo”. Não precisa ser um comprimido inerte, também pode ser uma operação na qual não se remova nada, ou uma injeção de soro salino. Por que algo que não tem princípio ativo pode ter efeito? A explicação desse fenômeno é cada vez mais conhecida. O que se sabe derruba algumas ideias preconcebidas.

Talvez a cena lhe pareça familiar. Sente uma terrível dor de cabeça, toma um analgésico e alguns minutos depois a dor parece ter evaporado. O alívio não pode ser atribuído ao medicamento, porque literalmente não teve tempo de chegar ao sangue e produzir um efeito. O que aconteceu deve ser atribuído ao famoso efeito placebo: a psicologia a serviço da cura. Matéria de Patricia Luna, do El País, com informações complementares do EcoDebate.

Mas esse efeito é realmente tão simples quanto a pura autossugestão? Novas pesquisas em torno desse fenômeno intrigante parecem desmentir qualquer simplificação e tendem a demonstrar que uma melhor compreensão pela neurobiologia e a psicologia do efeito placebo poderia ter profundas implicações na prática clínica.

Existe um tipo de personalidade mais inclinado ao efeito placebo? As companhias farmacêuticas há anos tentam encontrar uma resposta, em seu empenho para controlar esse obstáculo que dificulta a demonstração da maior eficácia dos medicamentos que pretendem pôr no mercado. Hoje não há uma resposta concludente, mas sim pistas interessantes.

Há algumas semanas a revista “Journal of Neuroscience” publicou um estudo científico [A Link between Serotonin-Related Gene Polymorphisms, Amygdala Activity, and Placebo-Induced Relief from Social Anxiety] pioneiro que vinculava especificamente a atividade de um gene, o TPH2, com a maior probabilidade de que apareça o efeito placebo no tratamento de uma doença psicológica conhecida como fobia social, isto é, o pânico incontível que algumas pessoas sentem de falar em público e que é mediado pela atividade de uma região do cérebro que processa as emoções: a amígdala.

O tamanho reduzido da amostragem desse estudo (25 pessoas) e o fato de que se tratava de um tipo de doença psicológica concreta faz que os resultados devam ser vistos com precaução. Foi o que explicou a EL PAÍS Tomas Furmark, um dos autores do estudo: “É um grupo pequeno para extrapolar conclusões. Embora o efeito que vimos seja significativo e a relação seja clara, os resultados não podem ser generalizados para outro tipo de transtornos psicológicos ou de respostas sobre o placebo”.

As pesquisas dos últimos anos trazem evidências que nem sempre concordam com a ideia que se tinha do efeito placebo.

1. Diferentes tipos de mecanismos de ação

Tomas Furmark desmonta um primeiro preconceito sobre esse surpreendente mecanismo terapêutico: “Deve-se lembrar que não existe só um efeito placebo, mas muitos, e que o placebo responde de forma diferente no cérebro nas diversas doenças”. O placebo típico é o comprimido de açúcar sem princípio ativo algum, que é utilizado nos testes clínicos para comparar a eficácia do medicamento que se quer aprovar.

Mas há outros: “Por exemplo, quando alguém vai ao médico e depois de falar com ele se sente melhor, e também quando recebe um diagnóstico negativo que estava equivocado, mas o indivíduo começa a se sentir pior. As duas situações poderiam ser consideradas respectivamente como os efeitos positivo e negativo do placebo”, afirma Paul Enck, professor de medicina psicossomática e psicoterapia da Universidade de Tübingen, na Alemanha.

Parece claro que há muitos tipos de placebo. É o que confirma Fabrizio Benedetti, da Universidade de Turim, uma autoridade mundial nessa questão: “Não existe um só efeito placebo, mas muitos, que funcionam com diferentes mecanismos e em condições médicas distintas.

Em determinados casos, a antecipação dos benefícios clínicos e as expectativas conscientes são o que importa; em outros, os condicionamentos clássicos inconscientes têm um papel fundamental. Às vezes intervêm processos relacionados com a redução da ansiedade ou mecanismos mentais vinculados à recompensa, enquanto em outras ocasiões a genética pode ser a chave”.

2. Não atua igualmente em todas as doenças

O efeito placebo parece estar especialmente relacionado a doenças associadas aos circuitos cerebrais da dor e à analgesia, enfermidades mentais, patologias do sistema endócrino e do sistema imune como a artrite e as alergias, além de processos inflamatórios. “Se se trata de dor, encontramos muitos pacientes que respondem ao placebo; mas quando se trata de um câncer, o efeito é praticamente nulo. A meio caminho estão condições como as inflamações do intestino, nas quais 40% das pessoas que recebem placebo declaram sentir alguma melhora”, explica o professor Enck.

Pensamos no placebo como um efeito puramente psicológico, mas as novas pesquisas demonstram que na realidade o placebo utiliza os mesmos canais neurológicos que os medicamentos que ele imita, e que realmente provoca uma série de efeitos bioquímicos que não só são demonstráveis, como se podem medir.

3. Liberação de endorfinas e outras substâncias no cérebro

Em 2004, o professor Benedetti demonstrou que o placebo provoca a liberação de dopamina em doentes de Parkinson. Os pacientes do estudo respondiam igualmente a uma solução salina que a um fármaco com o qual eram tratados contra a doença.

Foi possível demonstrar que tanto a droga como o placebo evocam atividades semelhantes no cérebro, envolvem as mesmas estruturas e desencadeiam a liberação dos mesmos neurotransmissores. Isso nos dá os primeiros substratos neurobiológicos da melhora que os pacientes experimentam. Nesse caso, a explicação de que a pessoa sinta menos dor depois de tomar o placebo é que seu cérebro está produzindo endorfinas e tem realmente menor percepção da dor”, explica Gustavo Pacheco López, professor do Instituto de Ciências do Comportamento do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique.

4. As expectativas como mediadoras do efeito

Se não tivermos consciência de que estamos tomando um medicamento, este não terá o mesmo efeito. O grande paradoxo do efeito placebo é que mesmo quando tomamos um medicamento que realmente funciona precisamos estar conscientes de que o estamos tomando para que seja eficaz. “O professor Benedetti demonstrou que através das expectativas conscientes podem ser modulados os efeitos analgésicos. Viu-se que em pessoas com demência a mesma dose tem menores efeitos analgésicos”, acrescenta Pacheco López.

Isto é, o efeito do medicamento ocorre em certa medida porque esperamos que ele funcione, de modo que se a mesma dose for aplicada a pessoas que por uma determinada razão não tenham a mesma expectativa de cura o efeito não é igual. Portanto, a crença de que vai funcionar faz parte do processo de cura.

5. Sugestão e testes clínicos

Uma das principais aplicações do placebo é sua utilização controlada em testes clínicos. Os participantes são divididos em dois grupos e um deles recebe o medicamento cuja eficácia se pretende avaliar, e o outro recebe um comprimido sem qualquer princípio ativo. Se for constatado que a melhora foi maior no grupo que recebeu o princípio ativo, estará demonstrada a eficácia do medicamento.

Para evitar os possíveis efeitos da sugestão, a pesquisa é adaptada ao que se conhece como estudo controlado de distribuição aleatória e duplo cego. Nenhum dos membros que participam do teste nem os profissionais que intervêm sabem o que cada participante tomou. Foi demonstrado que mesmo utilizando esse método, teoricamente seguro, algumas substâncias que não são eficazes podem dar melhores resultados que o placebo. E, ao contrário, há casos de remédios de efetividade demonstrada que não superaram o placebo em alguns testes.

Nunca podemos estar completamente seguros do efeito de um remédio, já que o simples ato de administrá-lo ativa uma complexa cascata de eventos bioquímicos no cérebro. “Sabemos com certeza científica que o placebo pode obscurecer os resultados de substâncias que antes demonstraram sua eficácia. Qualquer medicamento que esteja em processo de validação pode interferir com esses mecanismos do placebo, levando-nos a uma interpretação errônea”, explica Benedetti.

Por isso ele e outros colegas propõem a utilização de testes alternativos, nos quais o paciente, além de desconhecer se está recebendo um placebo ou um medicamento ignora quando ocorre essa administração, ou mesmo que se leve o paciente a acreditar que está tomando uma coisa quando na realidade lhe administram outra, para poder estudar os efeitos contraditórios do placebo.

Uma alternativa seria, por exemplo, dar dois comprimidos ao paciente, um verde e outro amarelo, sem lhe dizer qual é qual, e lhe pedir que tome o que preferir, desde que não sejam os dois ao mesmo tempo. Depois poderíamos estudar não o que o paciente diz, mas seu comportamento, ver que comprimido toma mais, como indício de sua eficácia. A questão de fundo nesses tratamentos alternativos é a ética, já que provavelmente não serão aceitos pelos organismos reguladores”, explica Enck.

6. Questões éticas

Assim chegamos ao ponto espinhoso da questão. É ético dizer a alguém que está tomando um medicamento quando na realidade está recebendo um placebo? Sem dúvida não o é, e por isso as pessoas que participam de testes clínicos são avisadas de que podem estar tomando o medicamento ou o placebo e que nem elas nem os médicos sabem o que cada uma toma.

É ético que haja pacientes a quem seu médico receita só um placebo? Segundo uma pesquisa publicada recentemente pelo “British Medical Journal”, mais da metade dos médicos americanos administram de forma cotidiana tratamentos placebo para seus pacientes.

Os EUA foram um dos primeiros países a proporcionar números oficiais de uma prática que se estende a outros países. Inclusive houve casos em que se demonstrou a eficácia da cirurgia placebo, isto é, aquela em que se leva o paciente à sala de cirurgia, lhe aplicam anestesia e lhe praticam uma incisão, nada mais.

Em questões de placebo, se demonstrou que quanto maior, vistoso e caro for o tratamento, maior o valor simbólico que o paciente atribui ao mesmo. Quer dizer, viu-se que as pílulas vermelhas conseguem um maior efeito placebo do que as que não têm cor, que quanto maiores forem, maior o efeito, que este é mais forte se for dado em injeção do que em comprimido e que o efeito é ainda mais impressionante se o placebo for entrar em uma sala de cirurgia”, explica Pacheco López.

“Houve pesquisas muito polêmicas nesse campo, porque questionam completamente a necessidade de certo tipo de intervenção cirúrgica”, acrescenta.

7. Uma resposta aprendida

O placebo também pode ser uma resposta aprendida, fortemente condicionada por mecanismos pavlovianos, e que ocorre de forma inconsciente em nosso organismo, de modo que seu efeito pode ser maior na medida em que se repete. Várias experiências demonstraram que se administrarmos um medicamento que funciona e em determinado momento o substituirmos por um placebo o paciente experimenta a mesma resposta. Essa faceta do efeito placebo poderia ter implicações, como indica Benedetti, em questões de antidoping.

O que acontece se um esportista tomar um estimulante, mas no dia da competição o substituir por um placebo que gera a mesma resposta física mas não deixa marcas delatoras no sangue? Também nos faz ver o imenso potencial da função terapêutica do placebo. Um maior conhecimento dos processos de aprendizagem e os condicionamentos pavlovianos que se desenvolvem poderiam permitir o uso do placebo em enfermidades crônicas que não têm tratamento, ou se poderia reduzir a medicação com fortes efeitos secundários e substituir a diferença pelo placebo.

Mas para chegar a esse ponto precisamos de mais pesquisas sobre o placebo e seus múltiplos efeitos, que permitam estabelecer parâmetros claros sobre quando é possível um uso benéfico.

8. Medicina personalizada

“Embora nos últimos anos se tenha pesquisado muito, ainda precisamos descobrir onde, quando e como funciona o placebo. E eu também acrescentaria por quê. Esse conhecimento nos proporcionaria uma informação muito importante para entender melhor a biologia humana”, conclui Benedetti. Trata-se de definir com mais detalhes a ponte que une os efeitos psicológicos e físicos no processo de cura, ver até que ponto se acham entrelaçados.

Se o efeito placebo pudesse ser definido como a soma do contexto psicossocial que ocorre ao redor de um tratamento, isso terá fortes implicações na futura medicina personalizada. “Seria preciso entender o placebo no contexto de se é suficiente com a visão analítica, molecular e genética com que se trabalha em medicina, ou se é preciso sensibilizar a comunidade clínica sobre a necessidade de uma visão integradora, que individualize a prática médica”, conclui Pacheco López.

“É necessário dedicar mais tempo a falar com o paciente e administrar diversas doses em vários doentes. Isso provavelmente vai contra a atual medicina em massa, na qual se injeta algo e se espera que todos reajam da mesma forma. É possível que na telemedicina, em que o contato pessoal é mínimo e os diagnósticos ocorrem à distância, não tenha o resultado esperado e seja menos eficaz.”

Matéria do El País, no UOL Notícias, Mídia Global, 01/03/2009 – 00h01.

Nota do EcoDebate: o artigo “A Link between Serotonin-Related Gene Polymorphisms, Amygdala Activity, and Placebo-Induced Relief from Social Anxiety” publicado na revista “Journal of Neuroscience” apenas está disponível para assinantes. Abaixo, para maiores informações, transcrevemos o abstract:

A Link between Serotonin-Related Gene Polymorphisms, Amygdala Activity, and Placebo-Induced Relief from Social Anxiety

The Journal of Neuroscience, December 3, 2008, 28(49):13066-13074; doi:10.1523/JNEUROSCI.2534-08.2008

Tomas Furmark,1 Lieuwe Appel,2 Susanne Henningsson,3 Fredrik Åhs,1 Vanda Faria,1 Clas Linnman,1 Anna Pissiota,1 Örjan Frans,1 Massimo Bani,4 Paolo Bettica,4 Emilio Merlo Pich,4 Eva Jacobsson,5 Kurt Wahlstedt,5 Lars Oreland,6 Bengt Långström,2,7 Elias Eriksson,3 and Mats Fredrikson1

1Department of Psychology, Uppsala University, SE-751 42 Uppsala, Sweden, 2Uppsala Imanet, GE Healthcare, SE-751 09 Uppsala, Sweden, 3Department of Pharmacology, Göteborg University, SE-405 30 Göteborg, Sweden, 4GlaxoSmithKline, Medicine Research Centre, 37135 Verona, Italy, 5Quintiles AB Phase I Services, SE-753 23 Uppsala, Sweden, 6Department of Neuroscience, Pharmacology, Uppsala University, SE-751 24 Uppsala, Sweden, and 7Department of Biochemistry and Organic Chemistry, Uppsala University, SE-751 23 Uppsala, Sweden

Placebo may yield beneficial effects that are indistinguishable from those of active medication, but the factors underlying proneness to respond to placebo are widely unknown. Here, we used functional neuroimaging to examine neural correlates of anxiety reduction resulting from sustained placebo treatment under randomized double-blind conditions, in patients with social anxiety disorder. Brain activity was assessed during a stressful public speaking task by means of positron emission tomography before and after an 8 week treatment period. Patients were genotyped with respect to the serotonin transporter-linked polymorphic region (5-HTTLPR) and the G-703T polymorphism in the tryptophan hydroxylase-2 (TPH2) gene promoter. Results showed that placebo response was accompanied by reduced stress-related activity in the amygdala, a brain region crucial for emotional processing. However, attenuated amygdala activity was demonstrable only in subjects who were homozygous for the long allele of the 5-HTTLPR or the G variant of the TPH2 G-703T polymorphism, and not in carriers of short or T alleles. Moreover, the TPH2 polymorphism was a significant predictor of clinical placebo response, homozygosity for the G allele being associated with greater improvement in anxiety symptoms. Path analysis supported that the genetic effect on symptomatic improvement with placebo is mediated by its effect on amygdala activity. Hence, our study shows, for the first time, evidence of a link between genetically controlled serotonergic modulation of amygdala activity and placebo-induced anxiety relief.

Received June 4, 2008; revised Sept. 29, 2008; accepted Oct. 22, 2008.

Correspondence should be addressed to Dr. Tomas Furmark, Department of Psychology, Uppsala University, Box 1225, SE-751 42 Uppsala, Sweden. Email: tomas.furmark{at}psyk.uu.se

[EcoDebate, 04/03/2009]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.