Um novo tratado ecológico global, artigo de Achim Steiner
Imagem: Stockxpert
Numa época em que o desemprego dispara, o número de falências aumenta e os mercados accionistas estão em queda livre, à primeira vista poderá parecer sensato abandonar a luta contra as alterações climáticas e suspender os investimentos no meio ambiente.
Numa época em que o desemprego dispara, o número de falências aumenta e os mercados accionistas estão em queda livre, à primeira vista poderá parecer sensato abandonar a luta contra as alterações climáticas e suspender os investimentos no meio ambiente. No entanto, essa escolha seria um erro devastador, com consequências imediatas e intergeracionais.
Longe de significarem um encargo adicional para uma economia mundial que está já demasiado pressionada e sobrecarregada, os investimentos em prol do meio ambiente são precisamente a receita necessária para criar empregos, aumentar as encomendas e voltar a encarrilar as economias.
No passado, as preocupações com o ambiente eram vistas como um luxo; actualmente são uma necessidade. Trata-se de uma questão que alguns – mas não todos – arquitectos da economia compreenderam.
Grande parte do pacote de estímulo económico proposto pelo presidente norte-americano Barack Obama para os Estados Unidos, no valor de 825 mil milhões de dólares, destina-se a incentivar as energias renováveis, a “aclimatar” um milhão de casas e a melhorar a rede eléctrica do país, que é hoje ineficiente. Estima-se que esses investimentos poderão gerar cerca de cinco milhões de postos de trabalho “verdes”, além de relançarem as indústrias da construção e do equipamento. E deverão também permitir que os Estados Unidos voltem a focalizar-se no tema, igualmente sério, da luta contra as alterações climáticas e da segurança energética.
A República da Coreia, que está a perder empregos pela primeira vez em mais de cinco anos, também identificou o lado positivo destes tempos difíceis. O governo do presidente Lee Myung-Bak pretende investir 38 mil milhões de dólares num projecto criador de empregos: o saneamento de quatro dos principais rios do país, através da construção de estações de tratamento de águas, e a edificação de diques de forma a reduzir os riscos decorrentes dos desastres naturais.
Entre outros elementos que figuram no plano de Lee Myung-Bak incluem-se a construção de redes de transportes de baixo impacto ambiental – como os comboios de alta velocidade e centenas de quilómetros de vias para ciclistas -, a produção de energia a partir do metano de aterros sanitários, bem como o investimento em tecnologias para veículos híbridos.
Na China, Japão e Reino Unido estão igualmente previstos planos semelhantes, criadores de empregos, através de pacotes de estímulo para um “Novo Tratado Ecológico”. E são igualmente relevantes para as economias em desenvolvimento, em termos de criação de empregos, combate à pobreza e criação de novas oportunidades numa época de crescente incerteza em torno dos preços e do volume de exportações das matérias-primas.
Na África do Sul, a iniciativa “Working for Water” lançada pelo governo – e que emprega mais de 30.000 pessoas, incluindo mulheres, jovens e deficientes – apoia-se igualmente nas oportunidades que podem surgir com a crise. O país gasta cerca de 60 milhões de dólares por ano combate à infestação de plantas exógenas invasivas que ameaçam a vida selvagem indígena, as reservas de água, importantes destinos turísticos e as terras aráveis.
Esta iniciativa continuará a expandir-se, com a colheita de mais de 40 milhões de toneladas destas plantas exógenas invasivas que serão convertidas em combustível para centrais eléctricas. Consequentemente, prevê-se que sejam gerados aproximadamente 500 megawatts de electricidade – o que corresponde a 2% das necessidades de energia eléctrica do país -, de par com mais de 5.000 postos de trabalho.
Assim sendo, é evidente que alguns países vêem actualmente os investimentos em infra-estrutura ambiental, em sistemas energéticos e em ecossistemas como sendo a melhor das apostas para a recuperação económica. Outros poderão duvidar dos potenciais retornos do investimento em serviços de ecossistemas, como o armazenamento de carbono mediante a preservação da floresta ou o desenvolvimento de energias renováveis para os 80% de africanos que não têm acesso à electricidade. Outros há que simplesmente talvez não saibam como seguir adequadamente o exemplo dos pioneiros.
Em inícios de Fevereiro, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) convocou alguns dos principais economistas mundiais para uma reunião na sede da ONU, em Nova Iorque, onde foi traçada uma estratégia para um Novo Tratado Ecológico Global, adaptado aos diferentes desafios de cada país, para ajudar os governantes de todo o mundo a delinearem pacotes de estímulo económico que funcionem em várias frentes.
O Novo Tratado Ecológico Global, que o PNUMA lançou como conceito em Outubro de 2008, é uma resposta às actuais dificuldades da economia. Se estes pacotes de estímulo orçamental forem atribuídos com discernimento, poderão dar origem a tendências abrangentes e transformacionais, criando condições para uma Economia Verde mais sustentável, tão necessária no século XXI.
Os biliões de dólares que foram mobilizados para fazer face à actual crise financeira, de par com os biliões de dólares dos investidores estão à espera de aplicar, constituem uma oportunidade que era impensável há 12 meses: a oportunidade de adoptar uma via mais eficiente e inteligente em matéria de recursos, capaz de lidar com um vasto leque de problemas, das alterações climáticas à escassez de recursos naturais, passando pela penúria de água e pela perda de biodiversidade.
Injectar cegamente os milhares de milhões de dólares dos actuais planos de resgate de indústrias obsoletas e de modelos económicos esgotados será um terrível desperdício de dinheiro e hipotecará o futuro dos nossos filhos. Os dirigentes mundiais devem, em vez disso, aproveitar a ocasião para investirem na inovação, promoverem empresas sustentáveis e incentivarem novos padrões de emprego decente e duradouro.
Achim Steiner, vice-secretário geral da ONU, é director executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Project Syndicate, 2008.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
* Artigo publicado no Jornal de Negócios, Portugal, 25 Fevereiro 2009 13:00
** Enviado por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate.
[EcoDebate, 27/02/2009]
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