Balanço e perspectivas do Fórum Social Mundial. Entrevista com François Houtart
François Houtart, padre, licenciado em Filosofia, Teologia, Ciências Políticas e Sociais, doutor em Sociologia, co-diretor do Fórum Mundial das Alternativas junto com o economista Samir Amin e professor emérito da Universidade Católica de Lovaina é uma das principais referências do Fórum Social Mundial (FSM) e de cujo Conselho Internacional faz parte desde a sua fundação. É um dos membros do Conselho que goza de uma aceitação mais generalizada.
Um grande grupo de jesuítas reunidos em Belém, no Pré-Fórum Fé na Amazônia, e que depois participaram do Fórum Social Mundial 2009, entrevistou François Houtart.
Ele concedeu a entrevista a Esteban Velásquez e que foi publicada pelo sítio Pré Forum Fé na Amazônia, 11-02-2009. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Aspectos positivos a ressaltar do FSM de Belém
Avanço no amadurecimento de um pensamento e de uma análise coletiva. Avanço, portanto, na construção de uma consciência coletiva. Há um processo, não um estancamento, nesse sentido, ainda que nem sempre seja perceptível e ainda que a legítima e necessária diversidade possa parecer a alguns que obscureça esse avanço da consciência coletiva. Os fóruns não partem do zero em cada nova edição e se produzem convergências importantes sem anular a diversidade. Diríamos que a “infraestrutura mental e coletiva” dos movimentos sociais alternativos do mundo deu outro passo importante em Belém, talvez ajudados por uma crise mundial de grandes proporções que colocou em dúvida como poucas vezes, provavelmente como nunca, o sistema capitalista neoliberal que o FSM rechaça e para o qual trata de buscar alternativas desde a sua criação, em 2001. Diríamos que nesta ocasião as circunstâncias históricas jogaram a favor do FSM e do aglutinamento dos movimentos sociais que o compõem tanto em sua consciência como em suas estratégias de ação.
Incorporação de novas gerações que assumem responsabilidades no Fórum com naturalidade e maturidade. Jovens que têm em sua maioria, segundo François, um caráter ou perfil nitidamente popular. A maioria clara de jovens no Fórum de Belém é um fato reconhecido por todos. Mas a avaliação positiva destes jovens não é tão compartilhada nem tão evidente para muitos, mas o é para Houtart. Ele nos negava a objetividade da apreciação que alguns fazem de uma juventude folclórica e menos política que em edições anteriores do Fórum. Pelo contrário, ele acredita que é uma juventude mais consciente, responsável e madura que se sente mais integrada ao FSM, seus objetivos e responsabilidades. Por outro lado, François acredita que há um interesse premeditado de parte da imprensa mundial para mostrar essa imagem “hippy” e folclórica dos jovens no Fórum. Imagem que não corresponde, para ele (no auge dos seus 83 anos), à realidade.
Construção de novas redes de trabalho como, por exemplo, as novas conexões da Via Campesina e outras redes mais recentes. Na conversa, não deu tempo para aprofundar essas novas redes. Revalorização da ação política como um instrumento necessário da ação transformadora alternativa. Depois de um tempo de certo desprestígio mútuo entre o instrumento mais implicitamente político e aquele dos movimentos sociais da chamada sociedade civil, parece que em Belém houve um avanço importante na aproximação e na avaliação de sua complementaridade. O Fórum reconhece mais o avanço que traz a ação explicitamente política em certas coordenadas de clara busca de alternativas ao sistema neoliberal e, por sua vez, o mundo do trabalho desde as estruturas de poder político que procura ser, com maior ou menor êxito, anti ou altersistema, reconhece a necessidade do FSM renunciar a propósitos de instrumentalização do mesmo. Para Houtart, a presença de cinco presidentes latino-americanos no Fórum e a maneira como se deu são uma clara expressão desta mútua valorização sem instrumentalização.
Aspectos negativos a ressaltar do FSM de Belém
Muita fragmentação das oficinas. 2.500 oficinas são demais não só pelo número, mas pelos propósitos, analisando uma ou muitas delas, sua temática nem sempre tem a ver com os propósitos e objetivos do FSM. Além disso, há o fato de que o país anfitrião oferece uma porcentagem desproporcionalmente elevada de oficinas. Por outro lado, tal fragmentação não favorece a criação de condições propícias para um maior debate coletivo. Neste sentido, Houtart apóia a proposta de uma das assembleias do último dia no sentido de que se diminuísse o número de oficinas e aumentasse o número de assembleias temáticas, como aconteceu, pela primeira vez na história dos Fóruns, no último dia deste Fórum de Belém quando, em vez de oficinas, foram realizadas cerca de 30 assembleias temáticas. Em comunicação por e-mail posterior ao Fórum, Houtart nos dizia que ele havia proposto ao Conselho Internacional (que sempre se reúne nos dias imediatamente posteriores ao Fórum) que no próximo Fórum houvesse um dia a mais reservado às assembleias, em vez das oficinas. Isso significaria que a metade dos dias do Fórum seria para assembleias e a outra metade para oficinas. Também nos comunicava que todos os coletivos do Conselho Internacional haviam respaldado as conclusões das 30 assembleias do último dia. Logicamente, o respaldo é em nome dos coletivos ali presentes e não como FSM que, como sabemos, não pode ter conclusões próprias dos debates ocorridos no Fórum.
No aspecto logístico, Houtart considerava que a grande separação existente entre as duas sedes do FSM (as duas Universidades: UFPA e UFRA) não facilitou a participação nas oficinas e atividades. Também considerava um erro convocar a marcha do primeiro dia para as 15h. Não é a melhor hora para favorecer a participação, mesmo que fosse, apesar disso, muito numerosa.
Algumas considerações para o futuro
Continua sendo básico manter o caráter do Fórum como lugar de encontro e de sinergias. Seguir resistindo, portanto, à tentação que reaparece uma ou outra vez de converter o Fórum num lugar para elaborar conclusões próprias e uma estratégia comum. O Fórum favorece que haja essas conclusões e estratégias, mas não pode dar sua “patente” às mesmas, como tal Fórum. Já sabemos disso, mas, segundo Houtart, continua sendo necessário manter. Por outro lado, este lugar de encontro em nível mundial continua sendo muito útil. Houtart não compartilha, nesse sentido, de algumas análises pessimistas do Fórum por não tirar conclusões políticas do mesmo, como recentemente expressou, por exemplo, Emir Sader, um dos conhecidos analistas do Fórum, a propósito do Fórum de Belém.
Contudo, é preciso realizar um esforço maior de coerência nos conteúdos transmitidos nas atividades e oficinas do Fórum. E, nesse sentido, recordava Houtart uma metáfora utilizada por Susan George ao falar da falta de coerência, rigor e solidez dos conteúdos de muitos movimentos sociais: “é como se estivéssemos dançando no Titanic”. Há avanços na consciência coletiva, mas falta coerência e rigor nesse pensamento coletivo para estar à altura da gravidade e transcendência das situações que vivemos.
Por último, François considera que no Conselho Internacional alguns setores (especialmente Ongs e setores de procedência religiosa) devem superar um certo particularismo ou sectarismo ao tentar descomedidamente levar adiante seus objetivos particulares acima de objetivos mais coletivos, gerais e globais. Neste sentido, Houtart coincide com a forte crítica que faz o já citado Sader, e outros, ao papel das Ongs no FSM.
A nossa conversa com Houtart terminava com a análise do papel da recém criada Comissão das Nações Unidas para preparar a futura Cúpula do G-20 sobre a crise mundial. Houtart é membro dessa comissão na qualidade de representante pessoal do atual Presidente da Assembleia Geral, Miguel d’Escoto. A comissão é presidida pelo Nobel de Economia Joseph Stiglitz e é composta pelo ex-ministro e economistas de reconhecido prestígio. Para Houtart, esta comissão representa o melhor que pode o esforço de auto-ajuste e autocorreção do sistema capitalista dominante no mundo, mas que está longe de representar uma esperança de mudança alternativa a esse sistema. Para Houtart, seu conhecimento interno dessa Comissão de alto escalão o confirma ainda mais na necessidade de alimentar esperanças, sonhos, sinergias e possibilidades reais de que outro mundo é hoje mais do que nunca urgente e necessário.
(Ecodebate, 20/01/2009) publicado pelo IHU On-line, 19/01/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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