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Artigo

Ouvindo o Arrudas, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

Em recente editorial, este jornal chamou a atenção do leitor para o tamanho do desafio que representam as constantes enchentes do Ribeirão Arrudas e seus afluentes e que atingem boa parte da Grande BH. Ao lê-lo, fiquei imaginando o que diria o próprio Ribeirão. Resolvi fazer-lhe uma visita e provocá-lo. Deu certo e ouvi o seguinte, extraído do sussurrar de suas águas:

– Meu caro amigo e observador, aqui estou eu na luta para defender o meu território, ou seja, aquela área que levei milhares de anos esculpindo para a minha circulação em tempos de chuvas fortes. Aquelas duas margens, marcadas pelo rebaixamento em relação às vizinhas, era o meu leito maior, mas resolveram aterrá-las, construir casas, atravessá-las com pontes estreitas, ou até mesmo usá-las para abertura de ruas (a tal Avenida Tereza Cristina, por exemplo). Pior ainda, impermeabilizaram a minha bacia e as águas de chuvas não mais se dirigem aos meus reservatórios subterrâneos. Qualquer chuvinha mais forte, nos dias atuais, obriga-me a transportar grandes volumes de água em pouco tempo. Acabo, sem outra alternativa, invadindo os espaços que me foram tomados e termino responsabilizado pelas tragédias resultantes.

Como o Arrudas parece ter ficado triste, calando por alguns minutos, tive tempo de analisar suas queixas e pensar em provocá-lo a respeito das ações que estão sendo ventiladas para sua bacia hidrográfica. Mas ele parece ter penetrado em meus pensamentos e voltou a fazer novas considerações:

– Pois é, vocês são muito engraçados, isolaram (pela impermeabilização) o reservatório natural formado pelos lençóis de água subterrâneos e agora pensam em gastar milhões para construção de outros superficiais. Eu sei que muita gente está pensando em ganhar muito dinheiro com tais obras, mas eu também sei o que estão fazendo com a minha bacia e não confio nas receitas prescritas. Fiquei assustado quando ouvi que pensam em gastar dois milhões de reais para a implantação de um sistema de monitoramento e gostaria de saber como surgem esses valores, assim de repente. Não tenho visto especialistas por aqui, mas muitos palpiteiros. Ficaria feliz se a minha bacia fosse bem analisada por pessoas realmente entendidas no assunto. Por que a Prefeitura e o Estado não promovem mesas-redondas com especialistas que não tenham interesses comerciais sobre os meus domínios e possam, assim, ter propostas mais apropriadas para os meus problemas? Por que não tentam encontrar meios de recarregar os meus lençóis subterrâneos? Por que não pensam em reter água em um grande número de pontos? Pensem um pouco sobre as perguntas e venha colaborar comigo, cobrando ações baseadas nos fundamentos hidrológicos da minha existência.

Calou-se repentinamente. Parece ter-se aborrecido e retomou seu caminho em direção ao Rio das Velhas. Gostaria de ouvi-lo mais e levar autoridades comigo.

Osvaldo Ferreira Valente Professor titular aposentado da UFV e especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, ovalente@tdnet.com.br

* Artigo enviado por Apolo Heringer Lisboa, leitor e colaborador do Ecodebate

[EcoDebate, 12/02/2009]

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