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Matéria do Der Spiegel denuncia que Israel bloqueia a imprensa mundial em Gaza

Aqueles que vão além do permitido tiveram seus equipamentos confiscados. Aqui, um oficial israelita apreende uma câmara de vídeo de um cameraman da Reuters (vestido azul) tentando cobrir eventos em Gaza. Foto do Der Spiegel.
Aqueles que vão além do permitido tiveram seus equipamentos confiscados. Aqui, um oficial israelita apreende uma câmara de vídeo de um cameraman da Reuters (vestido azul) tentando cobrir eventos em Gaza. Foto do Der Spiegel.

Os israelenses mantêm a imprensa mundial de fora da Faixa de Gaza, forçando os jornalistas de dependerem da mídia árabe e de informantes em solo. A situação está tornando quase impossível uma cobertura objetiva da guerra.

Danny Seaman está sobre uma colina baixa no sul de Israel. Suas pernas estão bem abertas e seu rosto está radiante. Seja o que for que esteja olhando, aquilo claramente o está enchendo de satisfação.

Enquanto isso, uma multidão de jornalistas corre ao redor da colina, câmeras de televisão estão de prontidão e os logotipos dos grandes canais de televisão brilham nas antenas parabólicas montadas sobre as vans de transmissão. A área está repleta de fotógrafos sentados e aguardando como paparazzi acampados do lado de fora de uma residência de celebridade -exceto que a situação aqui não é tão glamourosa. Com pouco o que ver, o sentimento geral é de incômodo. E é exatamente como Seaman gosta. Afinal, ele não gosta muito de observadores estrangeiros. Matéria de Isabell Hülsen, Juliane von Mittelstaedt, Martin U. Müller, Michaela Schiessl e Christoph Schult, do Der Spiegel.

Seaman é o diretor do Escritório de Imprensa do Governo de Israel. O governo israelense proibiu toda cobertura da mídia da Faixa de Gaza, o que tem forçado correspondentes de todo o mundo a assumirem posição aqui, a um quilômetro da fronteira. De longe, é possível ver a silhueta da Cidade de Gaza, assim como a fumaça que se ergue no ar a cada ataque aéreo.

No momento, a colina fornece a melhor vista disponível da guerra -e é uma vista israelense. Os jornalistas estão próximos o suficiente para filmar o impacto das bombas israelenses, mas longe demais para ver as vítimas palestinas.

O nosso modo ou modo nenhum
“Estou feliz por vocês estarem aqui”, diz Seaman, mal escondendo o escárnio, ao receber o grupo de jornalistas. Diante dele está a estrela da “CNN”, Christiane Amanpour. Ao lado dela estão colegas da “BBC” e de duas dúzias de outros canais de televisão. Então Seaman informa a todos o que ele espera deles: “Vocês estão aqui e estão cobrindo o nosso lado”.

Isso significa que -após duas semanas da operação de Israel contra a organização palestina Hamas- nenhum repórter independente está sendo autorizado a entrar em Gaza. Seaman não tem escrúpulo de deixar claro que Israel deseja manter a imprensa internacional de fora da Faixa de Gaza. O motivo é que a imprensa estrangeira é tendenciosa, não profissional e caiu facilmente na propaganda do outro lado. Sua definição de profissional, ao que parece, é exibir apenas a versão de Israel da guerra.

O fato disso estar acontecendo em Israel, entre todos os lugares, é surpreendente. Israel se orgulha de ser a única democracia no Oriente Médio e de ter sempre enfatizado a liberdade de imprensa. Mas agora, o país reverteu repentinamente a forma como trata a imprensa.

“Israel nunca restringiu o acesso da mídia como agora, e deveria se envergonhar”, diz Ethan Bronner, o chefe da sucursal do “New York Times” em Jerusalém. Ben Wedeman, da “CNN”, se queixa de que parece a Coréia do Norte. Órgãos de imprensa de todo o mundo estão protestando contra a forma como estão sendo tratados em Israel, e a própria Associação da Imprensa Estrangeira do país levou o caso à Justiça -e ganhou.

Mas a decisão da Suprema Corte israelense -a de que o exército deve autorizar a entrada de pelo menos oito jornalistas na Faixa de Gaza- não tornou as coisas melhores. Esses jornalistas estão esperando com suas mochilas prontas desde então. “A verdade é que Israel manipula as leis de imprensa de forma semelhante aos seus vizinhos árabes”, diz Christoph Sagurna, correspondente no Oriente Médio para a emissora de televisão alemã “RTL”.

Ainda assim, independentemente de quão justificadas sejam as críticas contra Israel, quando se trata do Hamas, a liberdade de imprensa é um conceito completamente estrangeiro. O Hamas, cujos disparos de foguete contra Israel provocaram a atual guerra, tem suprimido enormemente os relatos de baixas causadas por seus próprios erros, como as provocadas por falhas em foguetes Qassam. Ele toma as imagens registradas pelas equipes de filmagem e até mesmo deteve jornalistas dos quais não gosta.

Do Vietnã a Gaza
A era em que os jornalistas desfrutavam de acesso quase ilimitado às operações de combate acabou desde a Guerra do Vietnã. Ao apresentar imagens horríveis de combate dentro das salas de estar americanas, os jornalistas no Vietnã ajudaram a provocar o movimento antiguerra em casa.

De lá para cá, o mundo só viu os aspectos das operações militares americanas que o Pentágono quer que ele veja. A Guerra do Golfo de 1991, por exemplo, foi uma guerra apresentada por censores, uma guerra sem vítimas, sem sangue ou sofrimento. Muitos correspondentes que cobriam o conflito ficaram sentados por meses nos quartos de hotel em Dhahran, Arábia Saudita, sem jamais ouvir um único disparo. Enquanto isso, as telas de TV em casa exibiam imagens antissépticas de ataques aéreos, imagens que pareciam mais com as de um videogame do que da morte de um ser humano.

Da mesma forma, em 2001, quando os primeiros foguetes atingiram os arredores de Cabul, as únicas fotos disponíveis eram de uma câmera de visão noturna afegã posicionada a 60 quilômetros de distância. Na guerra que se seguiu no Iraque, os jornalistas que estavam inseridos entre as tropas americanas só eram autorizados a testemunhar a guerra acompanhados pelos militares e estavam sujeitos à autoridade deles.

A política rígida de Israel contra a imprensa vem de uma experiência amarga. Na guerra de 2006 no Líbano, os membros da imprensa internacional cobriram principalmente o lado libanês. Apesar do sentimento público mundial ter inicialmente se solidarizado com a reação de Israel aos ataques do Hizbollah, as imagens das vítimas civis obtidas por esses jornalistas fizeram a solidariedade pender para o lado do Hizbollah. E quando os soldados israelenses davam entrevistas ao vivo da frente de combate, as notícias logo estavam cheias de relatos sobre vítimas de fogo amigo e erros cometidos na condução da guerra.

Após a guerra, a imprensa israelense foi repreendida por sua posição crítica. Os generais ficaram ultrajados e muitos cidadãos simplesmente viam os jornalistas como traidores.

‘Criminoso’ ou baixa colateral
A lição da guerra no Líbano foi clara e, desta vez, o governo tem pouco a temer da mídia local. Desde o início da atual guerra, a imprensa israelense tem sido notavelmente dócil, e parece que os repórteres agora consideram o patriotismo como sendo seu principal dever cívico. Eles se preocupam como “nossos heróis” passando frio nas noites de inverno. Os militares são autorizados a exibir seus vídeos na televisão e o espectador em casa vê o conflito através de equipamento de visão noturna e lentes telescópicas.

Mas e quanto aos cidadãos palestinos mortos, feridos e apavorados? Na TV israelense, pelo menos, eles simplesmente não existem. Nem mesmo um bombardeio contra uma escola na Faixa de Gaza, no qual morreram 40 palestinos, chegou à primeira página do “Yedioth Ahronoth”, o principal jornal diário de Israel. Em vez disso, o jornal publicou imagens de cinco soldados israelenses mortos.

“Criminosa”, diz Gideon Levy, o colunista de esquerda do jornal “Haaretz”. “Nossa mídia está sistematicamente encobrindo o sofrimento em Gaza, e há apenas uma opinião presente nos estúdios de TV -a do exército.” Levy acusa os jornalistas de terem “se apresentado como voluntários para servirem nas forças armadas”.

Gadi Sukenik, um âncora de notícias veterano, vê de forma diferente: “Se é o preço que temos que pagar para que a operação transcorra melhor, então sou a favor”. E a maioria dos colegas de Sukenik concorda. De qualquer forma, eles não se sentem restringidos pela situação atual -já que fazem dois anos desde que jornalistas israelenses eram autorizados a entrar na Faixa de Gaza.

Controle da mensagem
Israel está travando esta batalha na mídia de forma mais profissional do que antes. O governo sabe que membros da imprensa estrangeira viajam para Israel vindos de todas as partes do mundo -e que estão desesperados por material. Então é o que recebem em Sderot, onde o Ministério das Relações Exteriores abriu um “centro de mídia”. Lá, os jornalistas podem se servir de café, bolo e vítimas israelenses dos ataques com foguetes palestinos. Os ministros ficam de prontidão para fornecer comentários para as câmeras. E, de vez em quando, todos podem se refugiar juntos em um abrigo antiaéreo.

“Nós estamos experimentando esta guerra apenas do lado israelense”, diz Silke Mertins, uma repórter do “Financial Times Deutschland”, “e é um sentimento opressivo”. Thorsten Schmitz, um correspondente do jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”, considera as condições de trabalho grotescas: “Não é nada mais que voyeurismo”.

Para permitir que os palestinos tenham uma palavra a respeito, os jornalistas citam os trabalhadores de ajuda humanitária, médicos e professores que trabalham na Faixa de Gaza. “Mas falar por telefone não é o mesmo que estar presente pessoalmente”, diz Mertins. Além disso, quem sabe em que situação a pessoa que está sendo entrevistada se encontra naquele momento? Quão objetivas são suas declarações? E quanto elas representam a situação típica?

A maioria dos órgãos de imprensa não conta com correspondentes em Gaza. Em vez disso, jornalistas baseados em Jerusalém e Tel Aviv se acostumaram a viagens diárias até lá. Agora estão sendo forçados a depender enormemente de informação colhida por auxiliares locais. “Eles são bons colegas, mas não são jornalistas”, diz Karin Storch, uma correspondente da emissora pública de TV alemã “ZDF”. “Nós estamos perdendo a oportunidade de ver as coisas com nossos próprios olhos.”

Também falta a substância do jornalismo: a coleta profissional de fatos e sua verificação independente. Mas quando os repórteres palestinos e outros moradores locais tomam todas as decisões em relação ao material que deixa a Faixa de Gaza e chega ao noticiário noturno, isso é simplesmente impossível. Para compensar parcialmente esses problemas, por exemplo, o principal noticiário noturno da Alemanha, o “Tagesthemen”, começou a revelar todas as suas fontes aos seus espectadores.

O motivo para isso é o fato do lado palestino não ser inexperiente em propaganda. As circunstâncias atuais impossibilitam a verificação sobre se os números que eles fornecem -800 mortos e mais de 3.300 feridos até agora- são realmente verdadeiros.

O que os árabes veem
Na “Al-Jazeera”, o maior canal de notícias árabe, a guerra parece completamente diferente da exibida na televisão israelense. Aqui, as imagens predominantes são de mulheres chorando e civis mutilados. Os ataques de foguete do Hamas mal aparecem.

Com sede no Qatar, a “Al-Jazeera” raramente foi tão politicamente poderosa quanto durante esta crise. Desde 27 de dezembro, 70 de seus correspondentes, operadores de câmera, produtores e assitentes enviam reportagens ininterruptamente de Gaza. Eles estão no controle de como suas histórias são interpretadas. Mas quão objetivo é o trabalho deles?

Quando lhe é feita esta pergunta, o editor-chefe da “Al-Jazeera”, Ahmed Sheikh, suspira: “No Iraque, as pessoas primeiro nos acusavam de ser pró-Saddam e depois pró seu inimigo mortal, Muqtada al-Sadr. No Líbano, de apoiarmos o Hizbollah xiita; agora de apoiarmos o Hamas sunita”.

No entender de Sheikh, tudo se resume a política: “Primeiro e acima de tudo, se trata de parar a guerra”. (Durante a Guerra do Vietnã,) jornalistas americanos como Dan Rather estavam fazendo o que estamos fazendo agora: buscavam as imagens que eram poderosas o suficiente para colocar um fim ao derramamento de sangue”.

Os políticos de Israel estão cientes do poder da “Al-Jazeera” -e estão fazendo uso disso. Desde o início da crise, a ministra das Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, o presidente Shimon Peres e até mesmo o linha-dura Benjamin Netanyahu deram entrevistas para a “Al-Jazeera”. E, segundo Sheikh, as entrevistas ocorrem cada vez mais a pedido dos próprios políticos.

Concordar em exibir entrevistas com esses convidados também força Sheikh a enfrentar pessoas que perguntam por que sua emissora está conversando com eles. Sheikh defende suas decisões editoriais, dizendo: “Eu tomei esta decisão -pelo mesmo motivo que mostro as mulheres de um asilo israelense que estavam desorientadas e fugindo dos foguetes. Vítimas são vítimas. Apenas há mais de um lado do que do outro”.

A “Al-Arabiya”, uma emissora com sede em Dubai e principal concorrente da “Al-Jazeera”, atua com maior cautela. O financiamento ao canal por satélite vem da Arábia Saudita, um país com boas relações com os Estados Unidos. Seus críticos a chamam de “Al-Ibriya” -o canal dos hebreus- para expressar sua opinião de que a “Al-Arabiya” é branda demais por consideração aos Estados Unidos.

Mas o editor-executivo da “Al-Arabiya”, Nabil Khatib, defende a abordagem de sua emissora: “A ‘Al-Jazeera’ se orgulha de ter uma agenda; nós nos orgulhamos de não ter”. No entender dele, enquanto a “Al-Jazeera” é provocadora ao permitir que um lado tenha a palavra, ele permite que ambos os lados tenham.

Censura acompanha o ritmo da tecnologia
Sob essas circunstâncias complicadas e nebulosas para a imprensa, muitos esperavam que a chamada “mídia social”, como e-mails, blogs e mensagens de texto, ajudaria a disseminar a verdade. No início, esta euforia até mesmo levou as pessoas a imaginarem que, graças a essas ferramentas, ditadores não teriam chance de aplicar sua censura, manipulações seriam reveladas e todo usuário de celular poderia ser um cidadão jornalista. As pessoas estavam convencidas de que a verdade nunca mais poderia ser suprimida.

Em vez disso, Israel mostrou quão fácil é impedir os vazamentos usando tecnologia. Por exemplo, bombas foram usadas para derrubar torres de rádio, e grande parte do fornecimento de eletricidade foi interrompido na Faixa de Gaza. A empresa de telecomunicações palestina Paltel alerta que “a conexão com o mundo exterior pode ser interrompida a qualquer momento” e agora há queda de 90% da rede. E apenas aqueles que ainda têm eletricidade podem enviar e-mails.

Quanto aos soldados israelenses, desta vez eles serão de pouca ajuda no fornecimento de reportagens da linha de frente. Visando evitar um desastre de relações públicas oriundo de suas próprias fileiras, como ocorreu no Líbano em 2006, o exército confiscou os celulares de seus soldados.

E mesmo os relatos que conseguiram sair de Gaza -por meio de blogs, vídeos trêmulos de celular e mensagens de Twitter- apenas reforçam as dúvidas sobre quão útil a “mídia social” pode ser. De fato, é impossível formar um quadro completo a partir dessas imagens fragmentadas de sofrimento. Na melhor das hipóteses, estes relatos pessoais não filtrados são apenas isso: não filtrados, emotivos e subjetivos. Na pior, são produzidos, manipuladores e mera propaganda.

Os militares também assumiram uma presença nestes novos canais de informação. Jerusalém estabeleceu imediatamente seu próprio canal no site de compartilhamento de vídeo YouTube e tem carregado incessantemente vídeos de seus ataques militares.

Enquanto isso, a frustração dos jornalistas que aguardam em Israel continua crescendo. Na semana passada, Israel cedeu um pouco ao permitir a entrada de um único repórter da “BBC” em Gaza. É claro, o jornalista teve que fazer parte de um grupo de soldados israelenses. E o exército ficará de olho no que o repórter verá e não verá.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Matéria do Der Spiegel, publicada no UOL Notícias, Mídia Global, 18/01/2009 – 00h01.

[EcoDebate, 19/01/2009]

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