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Livros recém-lançados no Brasil ressuscitam o pesadelo do holocausto nuclear

Capa do livro
Capa do livro “Homens do Fim do Mundo”, da Cia das Letras. Foto da Americanas.com

Apocalípticos e desintegrados – Saíram no Brasil dois livros espetaculares sobre aquilo que talvez seja a maior ameaça ao futuro da humanidade. E não, não estamos falando do efeito estufa, e sim da única invenção humana capaz de pôr fim instantâneo à civilização: a bomba atômica.

Quem acha que a ameaça de um holocausto nuclear acabou com a queda do Muro pode considerar apenas um fato: em meados deste ano, a IBM lançou o supercomputador mais rápido do mundo, o RoadRunner -não para fazer pesquisas científicas, mas para monitorar o arsenal atômico dos EUA. Melhor nem pensar na quantidade de ogivas cujo monitoramento demanda uma máquina dessas, que roda quatrilhões de operações por segundo. Matéria de Claudio Angelo, da Folha de S.Paulo, 04/01/2009.

O britânico Peter D. Smith ressuscita o demônio atômico no inquietante “Homens do Fim do Mundo” (Cia das Letras, R$ 68, tradução de José Viegas Filho). O calhamaço de 576 páginas faz uma historiografia das armas de destruição em massa que é minuciosa mas, ao mesmo tempo, prende o leitor da primeira à última página. Um “Harry Potter” do apocalipse, se quiser.

A narrativa começa com a descoberta do rádio por Marie Curie, em 1903, passa pela invenção das armas químicas pelo prussiano Fritz Haber, na Primeira Guerra, e termina com a proposta aterradora -e que ainda paira sobre o globo, ao menos como possibilidade teórica- da “bomba do fim do mundo”, um artefato termonuclear revestido de cobalto-60 cuja detonação espalharia uma nuvem de poeira radioativa capaz de acabar com a vida.

A bomba de cobalto, imortalizada no imaginário popular em 1964 pelo filme de humor negro “Dr. Fantástico”, de Stanley Kubrick, foi delineada teoricamente 14 anos antes pelo físico húngaro Leo Szilard.

Szilard é o personagem central da história de Smith. Primeiro, porque sem ele talvez não houvesse bomba. Emigrado para os EUA com a ascensão de Hitler, foi ele quem primeiro imaginou a reação em cadeia da fissão do urânio e convenceu Albert Einstein a escrever a famosa carta ao presidente Franklin Roosevelt em 1939 pedindo que os EUA fizessem a bomba antes dos nazistas.

Szilard também ilustra o que talvez seja o maior diferencial de “Homens do Fim do Mundo”: a relação próxima e frequentemente premonitória da ficção científica com a ciência. O livro é repleto de referências a histórias de ficção que antecipam o desenvolvimento da ciência e seu uso na guerra.

Duas delas são de especial importância na história da bomba: “Fausto”, de Goethe -a metáfora do escambo da alma pelo conhecimento era tão perfeita que os pioneiros da física nuclear encenaram uma versão da peça em 1932, com Niels Bohr no papel de Deus- e “The World Set Free”, de H.G. Wells. Escrito em 1913, o livro de Wells emprega pela primeira vez a expressão “bomba atômica”, imaginando uma arma composta por um elemento radioativo cujo poder de destruição seria tão imenso que tornaria as guerras inviáveis.

Wells antecipa no mesmo livro o uso de aviões para lançar bombas atômicas e a ameaça representada por “qualquer pequeno grupo de descontentes” que poderia carregar “numa mala de mão a energia potencial suficiente para destruir metade de uma cidade”. Hiroshima e a guerra ao terror previstos na mesma obra, escrita antes da Primeira Guerra. (Numa passagem perturbadora, Smith leva o leitor a pensar se o “Dr. Fantástico” de Stanley Kubrick não estaria antecipando algo também.)

Smith argumenta que Szilard ficou impressionado com a promessa do livro: a utopia baseada no poder do átomo. A física daria à humanidade uma arma capaz de acabar com todas as guerras.

Foi sob essa promessa que ele e outros físicos, como Bohr, o italiano Enrico Fermi, os húngaros John von Neumann e Edward Teller e o alemão Hans Bethe aceitaram trabalhar no projeto Manhattan.

Fora da garrafa

Mas o plano dos físicos de construir uma superarma pacificadora, como sabemos, deu errado. Em seu arrebatamento faustiano, quase nenhum deles percebeu que, embora a física tivesse conseguido controlar o núcleo atômico, ela não controlara outra variável crucial: a cabeça dos políticos.

Já em 1946, Szilard, Einstein, Robert Oppenheimer e outros se deram conta da burrada. Como ninguém conseguiria “desinventar” a energia atômica, os físicos trataram de propor formas de controlá-la. Num relatório editado agora no Brasil, “Um Mundo ou Nenhum” (Paz e Terra, 230 págs., R$ 45, tradução de Patrícia Zimbres), 15 dos pais da bomba alertam o mundo para o risco de uma corrida armamentista nuclear.

É um livro atualíssimo. Aqui vemos Harold Urey, descobridor da fusão nuclear, pedindo o banimento da energia atômica até que se desenvolvesse um sistema de controle dos materiais físseis -e prevendo as restrições à liberdade dos cidadãos americanos numa corrida armamentista. Vemos Louis Ridenour, que desenvolveu os radares na Segunda Guerra, dizendo que não há defesa possível contra ataques atômicos, pois um erro de 10% já seria uma catástrofe -um recado para os atuais proponentes do escudo antimísseis dos EUA.

E vemos Szilard em um flagrante tocante de ingenuidade, propondo que potências atômicas acolhessem em seu território cientistas-inspetores das nações inimigas.

Difícil não voltar à ficção e lembrar a cena da comédia de animação com marionetes “Team America” (2004) na qual o ditador norte-coreano Kim Jong-il, o maluco atômico da vez, exclama: “Inspecione isto, Hans Blix”! -e atira o inspetor de armas das Nações Unidas aos tubarões.

[EcoDebate, 06/01/2009]

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