O meio ambiente em 2008: retrospectiva, artigo de Rodolfo Salm, Danilo Pretti di Giorgi e Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
Esta semana, como sempre fazemos na última edição do ano, vamos examinar os acertos e erros de nosso artigo sobre nossas expectativas para 2008, que foi ao ar em janeiro último.
[Correio da Cidadania] Para começar, escrevemos que testemunharíamos incêndios terríveis durante a seca de 2008. Para citar apenas um exemplo recente muito comentado, grande parte da bela Chapada Diamantina virou carvão e demorará alguns anos para se recuperar. Diversas outras Unidades de Conservação foram atingidas por incêndios também. Todo o cinturão seco onde fica o chamado ‘arco do desmatamento’ queimou forte, numa tendência de aumento a cada ano que, infelizmente, parece fora de controle. As razões são as mesmas de sempre: queimadas para limpeza de pastos e preparação de terreno para agricultura, que se espalham descontroladamente, ou focos de incêndio criminosos.
Entretanto, a mais visível tragédia humana foram as conseqüências das chuvas em Santa Catarina. Nesse caso, dividem a responsabilidade tanto o efeito estufa que, ao aquecer as águas do mar, potencializa tempestades nas serras litorâneas, quanto a degradação das encostas das serras e a ocupação desordenada do espaço.
Sinceramente empenhados em acertar algumas previsões, antecipamos no artigo perspectivo que “os mesmos grandes temas que dominaram as pautas em 2007 permanecerão em destaque” em 2008. No campo nacional, as futuras obras do PAC continuariam sendo o pesadelo dos ambientalistas. Certo? Claro, não poderia deixar de ser assim. Mas quem imaginaria que esta crise econômica global, já no fim do ano, seria um balde de água fria nos ânimos dos desenvolvimentistas apaixonados pelas mega-obras de infra-estrutura? O governo segue repetindo que o andamento das obras do PAC não será afetado pela crise. Mas é exatamente essa insistência nas declarações que nos mostra que talvez a verdade não seja bem essa.
O desmembramento do IBAMA com o intuito de facilitar a liberação das licenças ambientais permitiu os maiores avanços do PAC, e já rendeu o sinal verde para obras como a das hidrelétricas do Madeira, em Rondônia (agora paradas por falta de crédito).
Previmos que nossas demandas ambientalistas continuariam sendo atropeladas à medida que o governo começasse a colocar suas obras de construção de hidrelétricas em andamento, “e com uma violência cada vez maior, até mesmo física”. Já temos notícias de toneladas de peixes de várias espécies mortos pela falta de oxigenação da água, causada pelas obras de construção da Usina Hidrelétrica do Jirau, a poucos quilômetros de Porto Velho (RO). No dia 15 de dezembro, uma equipe da TV Rondônia esteve lá.
Ali, os funcionários da concessionária responsável pelas obras estão improvisando máscaras para conseguir respirar em meio ao mau cheiro que toma conta do local. São surubins, jaraquis, tambaquis, pirapitingas, pescadas, tucunarés e douradas. Muitos dos peixes mortos por sufocamento pertencem às espécies dos tais “bagres” que o presidente Lula jocosamente reclamou que lhe jogaram no colo. Bem se vê que eles já não estão se dando bem por este estado incipiente das obras e que os ambientalistas mais uma vez estavam certos ao apontar o problema.
Mas se há um caso de violência física ligada a esta grande questão das hidrelétricas que se destacou neste ano (e que teve forte conteúdo simbólico) foi o que envolveu os índios Kayapo, que feriram com um facão o braço do representante da Eletrobrás no encontro ‘Xingu vivo para sempre’. Mostra de que ao menos uma parcela dos índios (e a quase totalidade dos ambientalistas, diga-se) não está lá muito contente com a insistência de nos empurrar esta obra goela abaixo, custe o que custar.
Uma fácil: há um ano escrevemos que, “no caso do Velho Chico, as obras devem mesmo iniciar-se em breve, com ou sem desfecho trágico no episódio do bispo D. Cappio”. As obras de transposição estão em ritmo acelerado no interior pernambucano, em Cabrobó, onde só do alto é possível calcular a dimensão da obra, com centenas de caminhões e máquinas pesadas transformando a paisagem. É o começo dos 800 quilômetros de canais que cortarão o semi-árido nordestino. Diferentemente das obras do Madeira, que já estão matando peixes desde seu estado incipiente, no caso do São Francisco, a degradação e possível desertificação da foz do grande rio só serão visíveis com a conclusão dos canais e o bombeamento da água. Até lá as notícias deverão ser todas positivas, com grande contratação da mão-de-obra local, desesperada por trabalho, que vem atuando em coordenação com o exército.
Escrevemos: “Achamos bem provável que a tendência de queda nos índices de desmatamento por três anos seguidos reverta-se, talvez de forma expressiva, na próxima medição, sendo o principal responsável o aumento nos preços das commodities agrícolas”. OK, acertamos, mas essa também estava fácil.
Talvez a previsão mais acertada tenha sido: “Imaginamos que 2008 não será um bom ano para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, paralisada diante da crise ambiental que se acirra e de sua impossibilidade de contorná-la”. Mais do que isso, ela caiu. De pé, mas caiu. E seguimos com “a ministra continuará apostando no infeliz projeto de concessão de florestas públicas à gestão privada”. A ministra caiu, mas o projeto infeliz segue em fase avançada de implementação e a assinatura dos primeiros contratos de concessão, na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia.
Hoje a senadora também publica artigos às segundas-feiras na Folha de S. Paulo e, apesar da saída do ministério, não critica com a ênfase necessária os erros do governo. Na edição de 1º de dezembro, por exemplo, comemorou o aumento dos desmatamentos na Amazônia, com taxas expressivamente menores do que as previstas para este ano. “Estamos indo bem? Não, significa apenas que aprendemos a andar no rumo correto”. Nós entendemos que a devastação de 12 mil km2 não pode sob qualquer critério razoável ser considerada um resultado positivo e que, portanto, este não tem como ser o “rumo correto”.
Escrevemos que a posição brasileira contrária a aceitar metas externas de redução dos desmatamentos deveria soar cada vez pior para o país, “que será visto pelo mundo mais por sua insanidade no trato da Amazônia nas atuais condições e cada vez menos pela simpatia do carnaval e do futebol”. Finalmente, e dado o recrudescimento das críticas internacionais referentes ao tema, o país aceitou agora no final de 2008 estabelecer metas para redução do desmatamento. “Metas tímidas”, segundo o próprio ministro Minc: “o objetivo é que, em 2017, a devastação anual da floresta atinja no máximo 5 mil km2, contra os 11,9 mil km2 atuais”, declarou em entrevista recente.
Na verdade preferimos chamá-las de “metas medíocres”. Mas dada a conjuntura atual, se as atingíssemos seria de fato uma vitória. Infelizmente, pelo andar da carruagem, nem as tais “metas tímidas” devem ser atingidas. Mas já serviram para que, antes mesmo que surtissem qualquer efeito real, a sua colega e antecessora destacasse na Folha o “justo reconhecimento” à política de metas de combate ao desmatamento do Brasil, por parte de Al Gore e outros participantes da última reunião sobre o clima.
Que por sua vez nos leva à retrospectiva do meio ambiente em escala global. Nesse quesito, imaginamos no começo deste ano que o efeito estufa continuaria sendo o assunto de maior importância e que não haveria recuos da posição dos Estados Unidos. A grande novidade aqui foi a eleição de um novo presidente para aquele país, que prometeu uma ação mais consciente quanto ao efeito estufa do que a do governo de George W. Bush (se fará ou não já é assunto para depois).
Sem dúvida, a grande surpresa em 2008 foi a eclosão desta crise econômica que parece não ter precedentes na história das nossas vidas e cujas conseqüências para o meio ambiente têm sido positivas. Prova disso são as boas notícias que chegaram já na segunda quinzena de dezembro, segundo as quais grandes bancos desistiram de participar do consórcio que financiaria as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira. Em tempos de crédito curto e incertezas generalizadas na economia, banqueiros pensam duas ou mais vezes antes de participar de megaempréstimos (a previsão de gastos para as duas obras é de R$ 21 bilhões), ainda mais em casos deste tipo, quando os montantes emprestados só começam a ser pagos pelas empreiteiras após o início do funcionamento das usinas. Assim, a crise valeu mais do que qualquer campanha ecológica ou discurso verde para conquistar correntistas.
No varejo, a crise também se manifesta com a queda substancial na exportação de madeira compensada e outros derivados para os Estados Unidos, como resultado da brusca redução na atividade do mercado imobiliário daquele país. Só isso já é bem mais do que qualquer presidente americano comprometido com a preservação da floresta poderia fazer. Assim, demissões, férias coletivas e até fechamento de madeireiras já começaram a acontecer em toda a região amazônica, o que, apesar do drama do desemprego e suas conseqüências nas famílias envolvidas, do ponto de vista ambiental é sem dúvida uma excelente notícia. Mas este é mais um tema para o futuro, e voltaremos a este assunto no próximo artigo, de perspectivas para 2009.
Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.
Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
* Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania.
[EcoDebate, 30/12/2008]
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