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Somos viciados em petróleo. Entrevista com Jeremy Rifkin

Refinaria de petróleo

O economista americano diz que a crise financeira, a energética e o aquecimento global estão interligados, retroalimentam-se e não podem ter soluções separadas

Jeremy Rifkin, de 63 anos, é o consultor a quem os governantes de alguns dos principais países europeus recorrem quando o assunto é energia. Na Alemanha, ele ajudou a implantar o plano de adoção de fontes renováveis que reduziu a dependência do petróleo e do gás no país. Fez o mesmo trabalho para o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, para o presidente francês, Nicolas Sar-kozy, e para o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso. Autor de dezessete livros, Rifkin defende a tese de que a atual crise financeira, a crise energética e o aquecimento global estão interligados e não serão solucionados separadamente. “Eles se retroalimentam e, juntos, formam a pior das tempestades. Para sair do pântano financeiro e climático, é preciso acelerar a revolução verde”, ele diz. Rifkin deu a VEJA a seguinte entrevista. Por Gabriela Carelli, Revista VEJA, Edição 2092.

Os países ricos entraram em recessão e muitos anunciaram cortes em vários setores da economia. O momento é adequado para investir em energias renováveis?

Este é o momento certo. Se não acabarmos agora com o vício do petróleo, os danos serão muito piores. Compara-se a crise atual com a Grande Depressão. Não há dúvida de que as duas têm pontos em comum, mas a devastação financeira e emocional provocada pela atual crise deixou parte do mundo cego para enxergar diferenças cruciais entre elas. Na década de 30, havia uma crise econômica. Hoje, o planeta enfrenta três crises simultâneas: a financeira, a energética e o aquecimento global. É o que chamo de a tripla armadilha. Elas estão interligadas e se retroalimentam. Não há como resolvê-las separadamente. Em breve, seremos 9 bilhões de habitantes no planeta. O impacto dessa população na produção de bens e no consumo será enorme, por mais que haja desaceleração econômica. Isso aumentará ainda mais a demanda por petróleo e outros combustíveis fósseis, como carvão e gás, cada vez mais escassos. Se não houver uma mudança, vamos entrar numa roda-viva de turbulências.

O primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, diz que os custos para desenvolver novas energias e para combater o aquecimento global são excessivamente altos. Isso é sinal de que a revolução energética será adiada até pelos europeus, que tanto a defendem?

Com sua visão ultrapassada de mundo, Berlusconi desconhece que não enfrentamos uma crise qualquer. Estamos na passagem entre duas eras. Olhar para a velha economia e buscar soluções nos parâmetros tradicionais não vai funcionar. Pessoas retrógradas como ele podem levar a Europa e o planeta ao fundo do poço. Nesse ponto, vale a analogia com a crise de 1929. A Grande Depressão foi uma das conseqüências da transição entre a primeira revolução industrial e a segunda, entre o vapor e a eletricidade. Está na hora de iniciarmos a terceira, a revolução verde. Ela não pode ser adiada. É o impulso que pode fazer a economia global andar de novo. Os principais governos europeus já deram os primeiros passos nessa direção e se mostraram dispostos a continuar no mesmo caminho durante o encontro sobre o clima em Poznan, na Polônia, há duas semanas. O melhor exemplo de como a energia verde funciona está na Alemanha. Em oito anos, o país reduziu drasticamente sua dependência do petróleo. Metade da energia solar existente no mundo é produzida lá. O governo alemão não está temeroso diante da crise. O ministro dos Transportes da Alemanha acaba de anunciar incentivos à produção de carros elétricos que devem resultar na produção de 1 milhão de veículos desse tipo no país até 2020.

O preço do barril de petróleo, que ultrapassou 140 dólares, caiu agora para 45 dólares. A baixa no preço dos combustíveis não desmonta seus argumentos?

De forma alguma. O valor atual do barril de petróleo demonstra apenas que a economia está paralisada pelos efeitos da crise financeira. Por causa do aumento da população mundial e do consumo, o preço do petróleo vai subir em breve, por mais lenta que a economia esteja. A Agência Internacional de Energia prevê que o barril atinja os 100 dólares no ano que vem e permaneça assim até 2015. O barril deverá custar 200 dólares em 2030. Com o preço do petróleo nesses patamares, não há como o mundo funcionar. O valor do petróleo repercute em todos os bens de consumo. Comida, roupas, carros, papel, computadores, todo produto que consumimos hoje tem seu valor pressionado pelo combustível. Com o petróleo muito caro, os preços sobem tanto que a economia do planeta inteiro se contrai. O poder de compra diminui, as fábricas fecham as portas, pessoas perdem o emprego. Aí reside um dos principais argumentos sobre a necessidade de novas fontes de energia. Quando o barril chegou aos 147 dólares, em julho, aconteceu o que chamo de pico da globalização. Atingimos uma barreira intransponível.

Por que o senhor diz que o pico da globalização ocorreu quando o preço do petróleo atingiu seu recorde histórico?

A globalização, que nasceu com o aumento do poder de consumo dos americanos e fomentou a prosperidade mundial, entrou em declínio. A falha da globalização é ter sido fundamentada na premissa de que a energia é barata. O preço baixo dos combustíveis fez com que os países ricos começassem a movimentar uma enorme quantidade de capital para fabricar seus produtos em lugares distantes, como China e Índia. Com isso, um terço da população mundial, que antes não consumia, começou a fazê-lo. Surgiu uma nova classe média global. Só nos últimos cinco anos, o hiperconsumo quadruplicou o preço do petróleo. A globalização tornou-se insustentável do ponto de vista econômico e ambiental. Com os recursos naturais de que dispõe, o planeta é capaz de abrigar apenas 200 milhões de pessoas com o estilo de vida de um cidadão americano.

Como convencer os governos e os investidores a aplicar dinheiro numa mudança radical de matriz energética sem garantia de que ela será bem-sucedida?

Investir no futuro não significa descuidar-se do presente nem cometer um suicídio econômico. É necessário adotar a estratégia dos dois trilhos de trem. Por um lado, diminuem-se o desperdício dos combustíveis fósseis e das centrais nucleares e seus respectivos danos ambientais. Simultaneamente, deve haver investimentos públicos e privados maciços na produção de combustíveis renováveis, no hidrogênio, em construções verdes e em redes de distribuição de energia inteligentes. É preciso ter em mente que essa transição levará décadas. Pode durar todo o século XXI. Um bom exemplo vem dos Estados Unidos. O novo presidente, Barack Obama, pretende ajudar o setor automobilístico, responsável pela geração de 3 milhões de empregos no país, a curto e longo prazo. Haverá um pacote emergencial, no qual serão destinadas dezenas de bilhões de dólares para as empresas à beira da falência. O dinheiro não servirá apenas para a recuperação das fábricas de carros. Parte dele deverá ser aplicada em novas tecnologias. Além do pacote, o novo presidente anunciou investimentos em sistemas de fontes renováveis. Os trilhões de dólares que estão sendo injetados na economia por diversos países funcionam como os aparelhos que mantêm vivo um paciente em coma. É preciso transformar e revitalizar a economia global.

O que já foi feito de eficaz em direção à revolução energética?

A Alemanha e a Espanha já avançaram muito nessa questão. Parar é o maior erro que os dois países poderiam cometer agora. Quem salta e pára no meio do salto cai. O próximo passo é atingir a chamada meta 20-20-20, proposta pela União Européia. Isso significa aumentar em 20% a eficiência das energias tradicionais, diminuindo o desperdício, reduzir em 20% a emissão de gases do efeito estufa e transformar o sistema de energia de forma a ter 20% de toda a produção a partir de fontes renováveis. Se isso acontecer, em dez anos um terço da energia elétrica da Europa virá do vento, do sol e dos mares. Na Alemanha, o sistema de fornecimento de gás acumulava um desperdício de cerca de 60%. Para diminuir a perda, o governo colocou em algumas usinas sistemas para estocar a energia desperdiçada, na forma de hidrogênio, em baterias. Hoje, perde-se menos de um décimo da energia produzida nessas usinas.

Quais barreiras tecnológicas precisam ser superadas para adotar amplamente as energias renováveis no mundo?

As energias renováveis estão disponíveis em todo lugar no planeta. Do país mais pobre ao mais rico, todo mundo tem em torno de si a energia de que precisa. O sol brilha, o vento sopra e temos calor embaixo dos pés, porque nosso planeta é quente. Temos lixo aos montes para queimar. A maioria da população mundial vive em áreas costeiras e tem a energia das ondas à disposição. No entanto, com a tecnologia atual, as fontes renováveis não podem ultrapassar 20% do total da matriz energética. Acima desse porcentual, elas danificam a rede elétrica tradicional, porque a produção não tem regularidade. O sol e o vento variam conforme o dia. Como não há um sistema de armazenamento eficaz para os períodos de alta produção, a energia excedente entra na rede e provoca panes. Por enquanto, a única forma de estocar esse tipo de energia é armazenar o excesso em baterias. A maioria das baterias é feita de lítio, o que pode ser outro problema no futuro.

Por que o fato de a maioria das baterias ser feita de lítio pode vir a ser um problema?

As baterias com essa substância são também a principal aposta da indústria automobilística para mover os carros elétricos. Se não tomarmos cuidado, passaremos da dependência dos combustíveis fósseis para a dependência do lítio. As reservas de lítio, assim como as de petróleo, são limitadas e estão em poucos lugares do planeta. A maior parte delas está localizada nos Andes, principalmente no Chile. O presidente boliviano Evo Morales anunciou, em março, a exploração de reservas de lítio em seu país. É provável que a Bolívia vire uma grande produtora de lítio nas próximas décadas. O risco é dependermos de alguns poucos países para extrair o lítio, o que pode provocar novos imbróglios geopolíticos.

O que fazer para que não se repita o erro de depender de poucos países para obter energia?

A solução é modificar a forma de distribuição de energia. Na verdade, essa mudança é a grande revolução energética. A cultura do petróleo foi fundamentada em uma infra-estrutura centralizada, formada por grandes centros produtores. Para as renováveis darem certo, é preciso fazer o que chamo de a internet da energia. Nos últimos dez anos passamos por uma grande revolução nas comunicações, com o computador pessoal, a telefonia móvel, a internet, os serviços de satélite e as redes sociais. Tudo isso tem de ser aplicado ao setor energético, para que se obtenha uma rede inteligente e livre de monopólios. As novas energias devem funcionar de forma integrada, com comunicação imediata entre produtores e consumidores. Essa será a base da terceira revolução industrial.

Como a internet da energia funcionaria na prática?

Grandes empresas de informática, como a IBM, têm projetos de softwares para a criação de redes inteligentes de distribuição de energia. Esses softwares reproduzem no sistema energético a interatividade do mundo virtual. Há até um cálculo para o custo da implantação de redes desse tipo na Europa. Antes, porém, é preciso superar o obstáculo de integrar as antigas energias com as novas.

Quem está na frente na corrida pelo novo cenário energético mundial?

A Europa está na liderança. Não foi a China, a Índia nem os Estados Unidos que impuseram sobre o cenário mundial o vínculo entre a luta pela defesa do clima e a inovação tecnológica. O continente sempre foi um berço de grandes idéias. A revolução verde já está plantada ali.

[EcoDebate, 27/12/2008]

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