MPF quer um basta ao desmate nos assentamentos do sudeste do Pará
Desmatamento na Amazônia, em foto de arquivo MMA
Ritmo de desmatamento é quase o dobro do encontrado em outras áreas de reforma agrária na Amazônia
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) seja imediatamente obrigado a tomar providências para pôr fim ao desmatamento nos assentamentos do sul e sudeste do Pará. Pesquisas indicam que o ritmo anual de desmate nessas áreas é de 3%, enquanto que esse índice nos demais assentamentos na Amazônia não passa de 1,8% ao ano.
A ação também pede que as áreas sejam reflorestadas, com os resultados convertidos em créditos de carbono (certificados de redução de emissões de poluentes), que os recursos públicos só possam ser destinados a atividades ambientalmente sustentáveis e que todos os trabalhadores assentados tenham acesso a assistência técnica, social e ambiental. Caso essas determinações não sejam atendidas, o MPF solicita a aplicação de multas contra dirigentes nacionais e regionais do Incra.
Assinada pelo procurador da República Marco Mazzoni e encaminhada à Justiça Federal em Marabá em novembro, a ação apresenta informações do estudo “Avaliação do desmatamento nos Assentamentos do Sul do Estado do Pará”, produzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) a pedido do MPF, com dados anuais de satélite em cada assentamento até 2007. De acordo com o levantamento, que apontou o ritmo mais acelerado de desmatamento na região em comparação aos outros assentamentos amazônicos, já está desmatada 70% da área florestal das terras destinadas à reforma agrária no sul do Estado.
São 473 assentamentos, um total de 4,4 milhões de hectares, 76,5 mil famílias e nenhuma licença ambiental. “Por que se criam tantos assentamentos e se jogam famílias inteiras, aos milhares, sem qualquer condição material existente para seu desenvolvimento? Por que a ânsia em criar números, como uma espécie de prestação de contas à sociedade, de algo fictício, sem qualidade e distante do ideal constitucional de reforma agrária?”, critica Mazzoni.
Por irregularidades semelhantes, em 2007 o MPF conseguiu na Justiça a anulação da criação de 107 projetos de assentamento no oeste paraense, o bloqueio de bens e a quebra do sigilo bancário dos responsáveis.
Fiscalização compartilhada
Para o MPF, o Incra e – com o apoio da assistência técnica – as famílias assentadas deveriam reflorestar a cada três anos pelo menos um décimo da área de reserva legal. Para fiscalizar se essa medida será cumprida, Mazzoni propõe à Justiça que seja exigida do Incra a comprovação por meio de imagens de satélite.
A utilização de bases de dados georreferenciados disponíveis na internet é indicada na ação como um mecanismo fundamental para que a sociedade possa acompanhar o cumprimento de decisões que determinem a realização de reflorestamentos. Mazzoni cita os mapas das páginas eletrônicas do Imazon (http://v2.imazongeo.org.br), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe – http://www.inpe.br/) e Globo Amazônia (http://www.globoamazonia.com/) como fontes de pesquisa para que os internautas contribuam com a fiscalização. Já os dados de satélite do Inpe serão comparados anualmente, para certificar o cumprimento das metas. “A inovação trazida por esses mecanismos será capaz de unir a força da sociedade ao Estado brasileiro”, comemora o procurador.
“Com a fiscalização via satélite e seu acompanhamento disponível à sociedade, seria mais fácil identificar os ocupantes irregulares de áreas de assentamentos e desmotivar a grilagem de lotes nessas áreas, na seguinte medida: o grileiro-especulador, ao longo dos anos, não teria mais o incentivo de sua invisibilidade, pois com a fiscalização via satélite seriam identificados os que não cumprem o reflorestamento, o que determina, além da perda de benefícios, a retomada imediata dos lotes irregulares pelo Incra”, observa Mazzoni.
» Como está hoje a situação ambiental dos assentamentos do sul e sudeste do Pará
· O ritmo anual de desmate nessas áreas é de 3%, enquanto que esse índice nos demais assentamentos na Amazônia não passa de 1,8% ao ano
· Assentamentos não têm licenças ambientais
· Não há nenhum assentamento com reserva legal averbada em cartório
· Todos os projetos de desenvolvimento e recuperação de assentamentos entregues até o final de 2006 não possuem informações ambientais mínimas necessárias ao licenciamento ambiental
· Somente em 0,8% dos assentamentos sob a gestão do Incra/SR-27 estão sendo executados planos de desenvolvimento ou recuperação do assentamento
· Menos de 1% das famílias adquire créditos com orientações técnicas para extrair riqueza da floresta em pé
· Assessoria técnica, social e ambiental inexistente
· Financiamento e fomento a atividades sem precaução ambiental
· Nos assentamentos, o desmatamento, em média, corresponde a 70% da área, enquanto a legislação estabelece um limite máximo de 20% do terreno
» O que o MPF propõe como compensação pelos danos ambientais causados pelo Incra
· Inclusão dos assentamentos no programa de monitoramento do desmatamento da Amazônia via satélite
· Recuperação das áreas desmatadas nos assentamentos, especialmente aquelas situadas nas áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs). Caso a recuperação da reserva legal seja efetivada, em 30 anos seria recomposta uma área equivalente a quase 20 vezes a cidade de São Paulo (área dos assentamentos criados entre 1987 e 2006: 36.930 km2; 80% do território a ser recuperado: 29.544 km2; extensão da cidade de São Paulo – 1.525 km2, segundo o IBGE)
· Recomposição da reserva legal mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas
. Substituição proporcional de atividades como a pecuária por atividades sustentáveis em assentamentos
· Condicionamento da liberação de recursos ao desempenho de atividades ambientalmente adequadas
· Desenvolvimento de Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), Projetos de Assentamento Extrativista (PAE) e Projetos de Assentamento Florestal (PAF).
· Emissão de declarações de Aptidão ao Pronaf (DAPs) apenas para a linha Pronaf Florestal, permitindo outras espécies de créditos apenas com adequação ambiental
· Promoção da educação, com assistência técnica adequada, para a utilização de qualquer crédito pelos assentados
· Promoção da política de participação dos assentamentos na cadeia produtiva do biodiesel
· Providenciar o ingresso dos assentamentos no mercado de créditos de carbono, instituído sob o Protocolo de Quioto
Veja o mapa dos assentamentos no sul e sudeste do Pará (arquivo tipo Google Earth)
Processo nº 2008.39.01.001576-2 – Justiça Federal em Marabá
* Texto de Murilo Hildebrand de Abreu, Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Pará, enviado por Rogério Almeida, do Blog Furo.
[EcoDebate, 16/12/2008]
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