O AI-5, o golpe dentro do golpe, 40 anos depois, ainda traz conseqüências para a sociedade atual
As conseqüências do Ato Institucional nº 5 (AI-5) na sociedade atual estão disfarçadas em uma cultura na qual vigora o medo, os movimentos sociais ainda são considerados subversivos, a participação popular na vida pública não é valorizada e a parcela mais humilde da população é mantida em situação de subserviência. A afirmação foi feita ontem (12) pelo presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.
“Esse povo ainda tem, perante as autoridades, medo de questionar e exercer sua cidadania Além disso, perduram os sentimentos de injustiça e impunidade com relação aos agentes torturadores”, disse Abrão, durante o encontro AI-5 Nunca Mais, organizado pela Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, ligada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e o Fórum de Ex-presos Políticos do Estado de São Paulo. Segundo Abrão, a sociedade ainda tem medo ao lembrar dos fatos do passado.
O objetivo do encontro é reconhecer a história do país e refletir sobre as conseqüências do AI-5 para a população, para que não se repitam fatos como esse. O encontro, que termina hoje (13), data em que o AI-5 completaria 40 anos, discute os efeitos desse decreto, emitido durante o regime militar. Os trabalhos de hoje incluíram o julgamento de quatro requerimentos de ex-perseguidos políticos. Além de militantes e autoridades da área de direitos humanos, participam do evento ex-presos políticos.
Paulo Abrão reconheceu que o Brasil avançou muito na questão dos direitos humanos, porque a Constituição de 1988 incorporou boa parte dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, embora nem sempre esses valores sejam respeitados. “A maioria desses direitos ainda não saiu do papel, como o acesso à educação e saúde pública digna. Ainda existem minorias reprimidas, homossexuais ainda discriminados, racismo muito presente.”
De acordo com Abrão, a noção de direitos humanos transmite a idéia favorecer a aceleração do processo civilizatório da população. “Quanto mais nos conscientizarmos da importância dos direitos humanos, teremos uma espécie de balizamento das relações sociais do homem com o Estado e mais acelerado nosso processo civilizatório se tornará.”
Abrão considerou “interessante” o fato de uma pesquisa do governo federal ter constatado que a maioria das pessoas apontou o apoio da família como o fator mais importante para garantir os direitos humanos, seguida do esforço pessoal e (da presença) do Estado. Segundo ele, a resposta mostra que as pessoas passam a reconhecer que o primeiro espaço de preservação dos direitos humanos é eminentemente social, sem a presença do Estado. “Isso, de algum modo, pode sinalizar que as pessoas estão com conscientes de que elas também são agentes de proteção dos direitos humanos. Nós não temos que esperar de forma passiva uma atuação do Estado.”
Ele disse que a pesquisa mostrou também que a sociedade considera muito presente a violação dos direitos humanos, mas ressaltou que a idéia de tais direitos sejam instrumentos de defesa apenas de criminosos é equivocada e fruto da falta de informação. “É instrumento de defesa de bandido, mas porque ele é um homem. Assim como é instrumento de defesa de todo e qualquer outro homem. Os direitos humanos devem estar ao lado de quem naquele momento estiver fragilizado na relação dos seus direitos”, afirmou.
Abrão acrescentou que tanto as vítimas quanto os criminosos devem ter sua integridade física, psicológica e biológica preservada e que o próprio acionamento da Justiça para aplicar uma punição ao criminoso é um direito humano da vítima. “As vítimas não reconhecem que poder acionar o Poder Judiciário com o devido processo legal, ampla defesa e responsabilizar aquele que cometeu o crime contra elas, que aquilo é um exercício de direitos humanos. Se vale para elas (vítimas), vale também para o outro cidadão, que se desvirtuou do regime jurídico, mas que não por isso deve ser tratado como alguém que não merece ser respeitado.”
Assinado no dia 13 de dezembro de 1968, no governo do general Arthur da Costa e Silva, o Ato Institucional nº 5 concedeu poderes absolutos aos governantes para punir aqueles que consideravam “subversivos”. O decreto permitia o fechamento do Congresso Nacional, além da intervenção do governo federal em decisões dos estados, institucionalizou a censura e proibiu o habeas corpus para presos políticos. Em 1978, no governo do general Ernesto Geisel, o AI-5 foi revogado.
Matéria de Flávia Albuquerque, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 13/12/2008.
Nota do EcoDebate: leiam, abaixo, o texto integral do AI-5
ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e
CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);
CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que ‘não se disse que a Resolução foi, mas que é e continuará e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido;
CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução, deveria assegurar a continuidade da obra revolucionária’ (Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966);
CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la;
CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária;
CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores, da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição,
Resolve editar o seguinte
ATO INSTITUCIONAL
Art 1º – São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art 2º – O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
º 1º – Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
º 2º – Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
º 3º – Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.
Art 3º – O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Parágrafo único – Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.
Art 4º – No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único – Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art 5º – A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III – proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV – aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado,
º 1º – o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.
º 2º – As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.
Art 6º – Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
º 1º – O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
º 2º – O disposto neste artigo e seu º 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Art 7º – O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art 8º – O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo único – Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição.
Art 9º – O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do º 2º do art. 152 da Constituição.
Art 10 – Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art 11 – Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Art 12 – O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
Augusto Hamann Rademaker Grünewald
Aurélio de Lyra Tavares
José de Magalhães Pinto
Antônio Delfim Netto
Mário David Andreazza
Ivo Arzua Pereira
Tarso Dutra
Jarbas G. Passarinho
Márcio de Souza e Mello
Leonel Miranda
José Costa Cavalcanti
Edmundo de Macedo Soares
Hélio Beltrão
Afonso A. Lima
Carlos F. de Simas
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[EcoDebate, 12/12/2008]
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