Lições de Santa Catarina: de Brasília a Poznan, artigo de Roberto Smeraldi
Itajaí, onde fica o rio Itajaí-Açú, que ficou mais de 10 metros acima do normal, é um dos municípios mais prejudicados pelas tempestades. Foto de Neiva Daltrozo/ Secom-SC
Mete-se a mão no bolso do contribuinte para enfrentar os danos da calamidade, mas não se realizam os investimentos
[Folha de S.Paulo] ESTÃO (parcialmente) errados os observadores que atribuem o recente desastre de Santa Catarina apenas ao desmatamento na Amazônia. É verdade que esse é um forte determinante -tanto por meio de mudanças climáticas regionais quanto globais- dos fenômenos climáticos extremos, assim como tudo indica que aquilo que aconteceu nos últimos dias faça parte dessa categoria.
A ciência já identificou -apesar de não explicar completamente- a complexa relação que vincula as alterações na troca de umidade entre a floresta e a atmosfera na região amazônica tanto com o regime pluvial na bacia do Prata quanto com a convecção do vapor que afeta a temperatura da camada superficial dos oceanos, importante fator na geração de furacões e outros eventos catastróficos.
Mas a natureza extrema do fenômeno climático que afetou Santa Catarina não é suficiente para explicar a dimensão dos impactos. Há também a vulnerabilidade sem precedentes do nosso território diante de um clima exacerbado.
Independentemente de nossa capacidade de adotar medidas efetivas para mitigar a crise climática, teremos, de qualquer forma, uma intensificação de eventos extremos nas próximas décadas, além do que ocorreu nesta, já sem precedentes. Podemos e devemos fazer muita coisa, agora mesmo, para mitigar essa tendência na segunda parte do século e naqueles vindouros, mas, infelizmente, já é tarde para evitá-la no curto prazo.
A vulnerabilidade extrema do território de Santa Catarina -e de outras importantes regiões do país- é devida principalmente a desmatamento local, com alterações expressivas no uso do solo e na gestão das águas.
Se o Código Florestal tivesse sido respeitado, especialmente no que diz respeito às áreas de preservação permanente (APP) -que incluem topos de morro, encostas e mata ciliares-, não veríamos erosão e assoreamento nessa escala.
Fator agravante é a crescente população localizada em áreas de risco, o que reflete peculiar sensibilidade social por parte de nossos governantes: se preocupam tanto pelas populações mais carentes que até se negam a retirá-las de onde a morte as ameaça.
Mas há outras contradições paradoxais, na contramão da história: enquanto as manchetes contabilizam as vítimas, no Congresso Nacional se cogita -acredite se quiser- “flexibilizar” o Código Florestal, tanto no que diz respeito ao desmatamento em geral (a chamada reserva legal) quanto em relação às citadas APPs. Em ambos os casos, a base do raciocínio é o reconhecimento do fato consumado.
Prevalece ainda a hipócrita cultura do perdão, que, por trás de sua fachada de bondade, implica a socialização dos prejuízos e, muitas vezes, assume a vitimação até mesmo de seus supostos beneficiários. Isso caracteriza a relação de um regime autoritário com seus súditos, e não de uma democracia com seus cidadãos, que exige responsabilidade, certeza do direito e cobrança mútua.
Assim, mete-se a mão no bolso do contribuinte para enfrentar os danos da calamidade, mas não se realizam os investimentos, bem mais modestos, que poderiam fomentar a restauração das florestas, a recuperação das áreas alteradas e a proteção civil do território, além do desenvolvimento de uma economia de uso dos recursos florestais.
Se tivermos, como contribuintes, de subsidiar alguma coisa no interesse supremo da sociedade, deveria ser a eliminação dos passivos. Ao contrário, subsidia-se, mediante a impunidade e a tolerância, a manutenção desses passivos, o que custa muito, muito mais caro.
Nosso Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas foi lançado ontem -o que vale uma comemoração-, mas com metas pífias para a Amazônia e sem meta para cerrado -que se tornou hoje a primeira fonte de emissões do país- e mata atlântica, essencial para diminuir a vulnerabilidade de nossa população.
Prevalece ainda pernicioso provincianismo, pelo qual, ao reduzirmos de fato nossas emissões, estaríamos atendendo a interesses alheios antes dos nossos legítimos. Daí a preocupação em não assumir compromissos de descarbonização competitiva da nossa economia sem contrapartida no contexto internacional.
Quantos mortos são necessários para entender que estamos entre os países mais vulneráveis à mudança climática? Nesta semana, em Poznan, se reúne a convenção de clima: o Brasil está no topo da agenda da “mitigação” -por estar regularmente entre os cinco principais poluidores-, mas também daquela da “adaptação”, por sofrer as conseqüências mais graves da mudança em termos de saúde, segurança costeira, agricultura e eventos catastróficos.
ROBERTO SMERALDI , jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
* Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo, 02/12/2008.
[EcoDebate, 03/12/2008]
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