Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF) descreve onde e como vivem os pobres mais pobres do Brasil
Os pobres mais pobres do Brasil estão onde o assistencialismo público equivale a pouco mais do que uma esmola social e o trabalho assalariado praticamente inexiste. O Ministério do Desenvolvimento Social criou o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF) que descreve um novo mapa da pobreza no país.
A combinação desses dois fatores – assistencialismo equivalente a pouco mais do que uma esmola social e o trabalho assalariado praticamente inexiste.- com a baixíssima escolaridade faz do Amazonas o Estado com a pior situação de miséria, seguido do Pará e Maranhão. Nove dos 10 municípios com os muito pobres do Brasil são da Região Norte.
Esse mapa sobre como vivem e onde vivem os miseráveis brasileiros, a que o Estado teve acesso com exclusividade, foi montado pelo Ministério do Desenvolvimento Social com a ajuda do Cadastro Único, um monumental estoque de informações sobre as famílias assistidas pelo Bolsa-Família. Para organizar esses dados, o governo criou o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), que será apresentado amanhã (24/11). Por Lisandra Paraguassú, do O Estado de S.Paulo, 23/11/2008.
O IDF juntou seis itens – vulnerabilidade familiar, escolaridade, acesso ao trabalho, renda, desenvolvimento infantil e condições de habitação – e revela que onde chega o assistencialismo, mas não há políticas públicas articuladas, o presente dos pobres é quase igual ao passado.
É assim em Jordão (AC), cidade de pouco mais de 6 mil habitantes, espalhados por mais de 5 mil quilômetros quadrados na fronteira com o Peru. No IDF, Jordão divide com Uiramutã (RR) o título de município onde a população pobre enfrenta mais dificuldades – tem 0,35 em um índice que vai de zero (o pior) a um. Colonizada na época áurea da extração da borracha, Jordão quase desapareceu com o fim do ciclo, na década de 80.
“O governo nunca se preocupou conosco. Quando a borracha acabou, ficamos sem nada. Sem emprego, sem produção, sem educação”, diz o prefeito da cidade, Hilário de Holanda Melo (PT), que acabou de ser reeleito. “Estamos aqui sentados guardando a riqueza da floresta e mergulhados na pobreza.”
Jordão também tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País e mais de 60% da população é analfabeta. A economia restringe-se à agricultura de subsistência e ao extrativismo vegetal. Não tem saneamento ou tratamento de esgoto e a energia vem de um gerador. Para chegar até lá, só de barco ou avião – caso típico de Estado ausente até por falta de infra-estrutura.
“Não é o fim do mundo não, minha filha. Uma hora e meia de avião ou 18 horas de barco se chega a Rio Branco”, diz o prefeito. Reconhece, no entanto, que a falta de acesso prejudica qualquer tentativa de desenvolver o turismo, artesanato ou outro tipo de produção local. É o retrato extremo de realidade que o Bolsa-Família sozinho não muda.
O que o IDF mais expõe, porém, não é a falta de infra-estrutura viária. Os piores são os indicadores de acesso ao conhecimento – presença de analfabetos ou pessoas com menos de quatro anos de estudo na família – e ao trabalho, que leva em conta pessoas ocupadas com rendimento acima de um salário mínimo, os piores na maior parte dos municípios. “São as pessoas que têm muitas dificuldades por conta da sua própria condição de pobreza”, explica a secretária de Renda e Cidadania, Lúcia Modesto.
O indicador que trata de trabalho é o que mais revela essas dificuldades. Em 61 municípios, o IDF relacionado ao acesso ao trabalho é 0. E, se é dominada pelos Estados mais pobres do País, a lista inclui cidades em Minas, Rio, Rio Grande do Sul e Goiás. Em mais de 3 mil municípios, o índice é de 0,05, na escala que vai até 1.
Isso significa que praticamente ninguém, dentre as famílias mais pobres dessas localidades, têm emprego formal ou mesmo fixo fora da agricultura de subsistência. E, mesmo que procurem, terão muita dificuldade em encontrar algo que os ajude a sair da dependência de programas como o Bolsa-Família.
Nas cidades em que os pobres são mais pobres não há trabalho. Apesar da universalização recente do acesso à escola, a geração de jovens e adultos ainda foi pouco além das primeiras séries do ensino fundamental. E, na maior demonstração de que ali está a pobreza marginalizada, mora-se muito mal. Há excesso de gente habitando casas precárias, sem saneamento, água tratada, esgoto, coleta de lixo ou mesmo eletricidade.
Há cerca de um mês, um estudo apresentado pelo professor Carlos Monteiro, da Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em um seminário sobre alimentação, mostrou que a única região do País onde a desnutrição infantil ainda permanece alta (14%) é o Norte. A falta de saneamento é o problema: com diarréia crônica, causada por água mal tratada, as crianças não absorvem nutrientes.
Entre as capitais brasileiras, onde o Estado brasileiro está mais próximo, a situação é um pouco melhor. Não há nenhuma capital entre os 500 municípios com piores IDFs. Macapá (AP) e Porto Velho (RO) têm as piores situações, com IDF 0,48. Mas Belém (PA), Manaus (AM) e Rio Branco (AC) aparecem com 0,49 apenas. São Paulo, a cidade mais rica do País, tem um IDF de 0,55, igual ao de Teresina (PI), Natal (RN) e Aracaju (SE). Curitiba e Salvador são as melhores capitais, com 0,59 e 0,58, respectivamente.
O Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF) foi criado com base nos dados do Cadastro Único das famílias pobres do País. Formado por seis itens, varia de 0 a 1 – quanto mais perto de 1, melhor o resultado.
As seis variáveis são:
Vulnerabilidade: tenta medir o volume de recursos a mais que a família precisa para se sustentar levando em conta se inclui, por exemplo, gestantes, mães amamentando, crianças, adolescentes, jovens, portadores de deficiências e idosos. Quanto mais membros considerados vulneráveis, pior é o indicador.
Escolaridade: considera o nível de instrução das pessoas da família. Se há analfabetos ou analfabetos funcionais (até quatro anos de escolaridade) o indicador piora.
Acesso ao Trabalho: avalia a oportunidade que as pessoas têm de encontrar alguma forma de trabalho. Considera se mais da metade dos membros da família está ocupada, se trabalha na área rural, no setor formal ou informal, se recebe mais de 1 salário mínimo. Quanto mais trabalhadores, maior o índice.
Renda: mede o quanto da renda da família é em dinheiro. Avalia qual a despesa e a renda da família e considera qual a parte do sustento não vem dos programas de transferências de renda. Quanto maior a renda e quanto maior a parte que não vem do Bolsa-Família e outros, melhor o indicador.
Desenvolvimento infantil: considera se há trabalho infantil na família, crianças fora da escola ou em atraso escolar de mais de dois anos e adolescentes e jovens analfabetos.
Condições de habitação: Leva em conta se a moradia é própria, se há mais de dois moradores por dormitório, o tipo de material de construção, se há acesso a água potável, saneamento e coleta de lixo adequados e energia elétrica.
[EcoDebate, 24/11/2008]
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